XinhuaXi Jinping com Putin: os dois querem uma nova ordem mundial, apoiada pelo Brasil

Como a guerra na Ucrânia está redesenhando a geopolítica

09.03.22 16:51

A guerra na Ucrânia levou governantes do mundo todo a mudarem seus cálculos. Mais do que se posicionar a favor ou contra a invasão perpetrada pela Rússia, a maioria deles tem sido obrigada a refazer suas estratégias na política e na economia para navegar melhor pelo mundo que se avizinha, com o isolamento da Rússia e o preço do barril do petróleo nas alturas. Em poucos dias, movimentos que pareciam improváveis até recentemente ganharam espaço. Em Caracas, uma delegação do governo americano encontrou-se com oficiais da ditadura venezuelana de Nicolás Maduro. A Alemanha aumentou seu orçamento militar e fala em mandar mísseis antitanque para os ucranianos. O pacifista Japão estuda abrigar armas nucleares. O Irã já começou a encher petroleiros, na expectativa de que um acordo nuclear seja alcançado em breve. A seguir, listamos algumas das mudanças em curso na geopolítica.

Estados Unidos dialogam com Venezuela e Irã

Em Caracas e em Teerã, as consequências mais vistosas da guerra na Ucrânia estão relacionadas à alta no preço do petróleo. O valor do barril que estava a 80 dólares no início do ano pode ir para 200 dólares com o embargo americano ao petróleo russo. Como esse aumento pressiona a inflação, os americanos se movem para ampliar a oferta de petróleo e gás natural.

O Irã tem capacidade para despejar diariamente de 1,2 milhão a 1,5 milhão de barris de petróleo no mercado em questão de semanas. A carga iria principalmente para a Europa. Esse reforço representa nada menos que a metade do que o continente importava até havia pouco da Rússia. Para que a oferta do petróleo iraniano seja possível, porém, é preciso aliviar as sanções contra o país, que foi punido por avançar o sinal em seu programa atômico. A retomada do pacto nuclear entre as potências e o Irã já estava na agenda do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, mas ganhou ares de urgência com a guerra. Um acerto está sendo esperando para breve, tanto que navios iranianos já começaram a ser carregados com petróleo.

No Oriente Médio, países árabes que também exportam petróleo irão se beneficiar com o aumento do preço do barril, mas ao mesmo tempo estão preocupados com novos desafios na área de segurança. Um Irã com mais recursos fatalmente ampliaria o financiamento para grupos armados que causam o caos na região, como o libanês Hezbollah, o palestino Hamas e os houthis do Iêmen.

Na Venezuela, a suspensão parcial das sanções não permitiria uma elevação na produção. Sob os ditadores Hugo Chávez e Nicolás Maduro, a infraestrutura energética do país foi toda sucateada. Incompetência, corrupção e a falta de manutenção adequada no sistema derrubaram a produção a um quarto do que já foi. Para que o país com a maior reserva de hidrocarbonetos do mundo volte a jorrar petróleo daqui a cinco anos seria necessário um investimento de 12 bilhões de dólares, o que hoje é improvável.

Mesmo assim, a invasão da Ucrânia já trouxe diversas consequências políticas. Após o encontro entre a delegação americana e o ditador Nicolás Maduro, no último fim de semana, o regime e a oposição retomaram as negociações. Nesta terça, 8, o governo de Maduro libertou dois americanos que estavam presos. Biden comemorou.

As conversas em Caracas interessam aos dois lados. Aos Estados Unidos, mais do que retomar o fluxo de petróleo a guerra na Ucrânia abre uma oportunidade para afastar a Rússia daquela que é considerada uma área de influência americana. Para Maduro, o interesse americano é uma chance de se fortalecer para as próximas eleições e de enfraquecer Juan Guaidó, seu opositor que é reconhecido por algumas dezenas de países como presidente interino da Venezuela.

O governo Maduro precisa alcançar uma melhoria econômica substancial para que os chavistas tenham boas condições de vencer as eleições presidenciais de 2024“, diz o advogado venezuelano Mariano de Alba, pesquisador do Internacional Crisis Group e especialista em resolução de conflitos. “A guerra mudou os cálculos de Maduro. Até agora, ele apostava que um fortalecimento de seus laços econômicos com Rússia, China, Irã e Turquia traria uma melhora econômica. O conflito na Ucrânia tornou tudo isso mais distante.”

A Rússia mais distante da América Latina

A invasão da Ucrânia ainda terá outras repercussões na América Latina. Enquanto a China projetou sua influência nessa região principalmente pela economia, a Rússia ganhou relevância com a venda de equipamentos militares. Além da Venezuela, as ditaduras de Cuba e Nicarágua compraram armas russas.

De agora em diante, exportações militares russas ficarão bem mais raras, porque 18 empresas ligadas à indústria bélica foram alvo de sanções. “As medidas tomadas pelo Ocidente também deixarão mais difícil realizar serviços de manutenção para as armas já compradas e para encontrar peças sobressalentes. Tudo isso pode significar uma presença menor da Rússia nas Américas“, diz Ryan Berg, pesquisador do Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos, CSIS, na sigla em inglês.

Atualmente, Venezuela, Cuba e Nicarágua têm dívidas com a Rússia, principalmente por causa de compras militares. No caso da ditadura de Maduro, os russos também prestaram serviços na indústria de petróleo. Cuba estava tentando postergar seus pagamentos. Agora, transações financeiras com Moscou poderão ser inviabilizadas. “Os Estados Unidos afirmaram que as sanções contra a Rússia teriam impacto nesses três países latino-americanos, especialmente aqueles com contas bancárias na Rússia. A estatal petroleira PDVSA, por exemplo, movimenta o seu caixa principalmente com bancos russos“, diz Ryan Berg.

A China na encruzilhada

No início de fevereiro, antes da invasão da Ucrânia, o presidente chinês, Xi Jinping, encontrou-se em Pequim com Vladimir Putin (foto). O encontro resultou em uma longa declaração, em que os dois países prometiam uma aproximação estratégica e criticavam a Otan, a Organização do Tratado do Atlântico Norte. Ambos compartilham o desejo de reduzir o papel dos Estados Unidos como um líder global e pregam um mundo “multipolar“.

Após o início da guerra, a China evitou condenar a Rússia e chegou a criticar os Estados Unidos. Com o avanço do conflito, os chineses adotaram um tom mais cauteloso por diversas razões. Entre elas, o fato de não poderem prescindir do comércio com os europeus. A China é um dos países que mais se beneficiam da atual ordem mundial e passou a ficar preocupada com as consequências da decisão de Putin de declarar guerra contra a Ucrânia.

A China é o parceiro mais próximo da Rússia e a relação entre eles supostamente não tem limites. O apoio de Pequim à Rússia, no entanto, não foi tão forte quanto o Kremlin desejava. Se de um lado, a China se recusou a condenar a invasão da Rússia, de outro os chineses se abstiveram, em vez de se posicionar contra, na votação da resolução do Conselho de Segurança da ONU. A China também tem dito frequentemente que apoia a soberania da Ucrânia e anunciou ajuda humanitária ao país“, diz o cientista político James D. J. Brown, coordenador de relações internacionais na Universidade Temple, em Tóquio.

A invasão da Ucrânia levou vários países asiáticos a se distanciar da Rússia e a se aproximar dos Estados Unidos, na contramão do que gostaria a China. O Japão se juntou aos esforços para congelar as reservas do Banco Central russo e para tirar a Rússia do sistema de transferências internacionais, o Swift. A Coreia do Sul apoiou a retirada russa do Swift e falou em banir o envio de itens estratégicos para a Rússia, incluindo semicondutores, usados na produção de equipamentos eletrônicos. Taiwan, outro fornecedor de semicondutores, também  aderiu às sanções contra os russos. Países da Oceania, tradicionais aliados dos americanos, como Austrália e Nova Zelândia, também condenaram a invasão da Ucrânia.

Revisão geral de alianças e acordos

Alguns dos aliados dos americanos estavam se aproximando da Rússia por motivos diversos, incluindo a compra de armas, e agora estão sendo obrigados a rever a estratégia. É o caso de Coreia do Sul, Índia, Emirados Árabes e Japão.

No Japão, o ex-primeiro-ministro Shinzo Abe buscou estreitar relações com o Kremlin na esperança de reaver a soberania de quatro ilhas ao norte, invadidas pelos soviéticos. Há dois anos, porém, a tentativa fez água, com uma lei russa proibindo qualquer concessão de território. Agora, com medo da Rússia, os japoneses começaram a discutir a possibilidade de abrigar mísseis nucleares.

Seria uma mudança drástica. Desde a derrota na Segunda Guerra Mundial, os japoneses adotaram uma Constituição pacifista e só têm forças de paz, em vez de Forças Armadas. A Alemanha, outra derrotada na última grande guerra que tem evitado, desde então, assumir um papel de liderança na área de defesa da Europa, passou a falar em expandir seu orçamento militar para fazer frente à Rússia. “A agressão russa à Ucrânia reforçou os laços entre os Estados Unidos, os países da Otan e vários asiáticos“, diz Brown, da Universidade Temple.

Ao decretar a invasão da Ucrânia, Putin provavelmente não imaginava uma união tão forte entre seus inimigos e o distanciamento de seus aliados. É um quadro que ele, certamente, terá problemas para reverter no futuro.

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  1. Muito legal essa matéria! Lembrei das aulas de geografia na escola, mas dessa vez eu estava, realmente, entendendo 😬😜! Só senti falta da posição do Brasil nessa história toda... Obrigada, Duda!

    1. Como as coisas são difíceis por aqui...😓

    2. @Juliana a posição do Brasil foi resumida por um diplomata israelense há alguns anos, que disse que o Brasil é um anão diplomático. É isso aí, não temos importância nenhuma e cada vez teremos menos, governados que somos por analfabetos e imbecis que nós mesmos, democraticamente, colocamos no poder.

  2. John Foster Dulles, secretário de Estado de Roosevelt, dizia que países não tem aliados, tem interesses. Isso parece ser uma verdade que continua hoje na guerra da Ucrânia. Vai ser interessante observar se o caminho da diplomacia de Bolsonaro não vai terminar tendo razão.

    1. Victor, a posição da diplomacia brasileira tem sido de equilíbrio. Institucionalmente foi contra a invasão acompanhando a maioria da ONU. Mas não precisa hostilizar um parceiro comercial fundamental, principalmente ao agro do Brasil. A China, que é parceira da Russia, mantem posição semelhante, mas indo além pois absteve-se na votação da condenação e, ao mesmo tempo, manda ajuda humanitária para a Ucrânia. Num conflito entre grandes potências, como esse, melhor não comprar briga com nenhum.

    2. Qual o caminho da diplomacia brasileira? O da neutralidade não é, porque não se é neutro sendo solidário ao país agressor. O russo também não, porque o Brasil se viu obrigado a votar a favor da resolução da ONU que condenou a invasão. O ucraniano, obviamente também não. Agora, viramos amantes do Putin, que não consegue mais pagar um saco de pipoca no mercado internacional. Certinho mesmo esse caminho…

    3. Austrália e Nova Zelândia não são países asiáticos , estão localizados na Oceania.

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