DivulgaçãoDov Levin: "Potências interferem em eleições estrangeiras quando se sentem ameaçadas por um dos candidatos"

‘Não deve haver interferência de Putin nas eleições brasileiras’

O cientista político americano Dov Levin, compilador de uma base de dados sobre eleições no mundo todo, explica por que não acredita que a Rússia tentará ajudar Jair Bolsonaro no pleito deste ano
22.04.22

O cientista político americano Dov Levin produziu uma gigantesca base de dados sobre eleições no mundo entre 1946 e 2000. Além de anotar os resultados das votações e seus protagonistas, ele garimpou informações sobre o comportamento de duas grandes potências mundiais nesses processos — os Estados Unidos, de um lado, e a Rússia e a então União Soviética, de outro. Levin analisou se esses países tentaram interferir ou não nas campanhas. Também estudou como se deram essas ações e o resultado que tiveram. De posse desse arquivo, ele publicou o livro Meddling in the Ballot Box (Interferência na Urna, em tradução livre), lançado pela editora da Universidade de Oxford. 

As planilhas de Levin permitem comparar qual potência mais se embrenhou em pleitos estrangeiros, e são os Estados Unidos que saem na frente. Seus relatórios, no entanto, só vão até o ano de 2000. Isso porque o pesquisador tem de contar com informações secretas, que só virão a público após alguns anos. “Normalmente, é necessária uma década para que os registros sobre essas intervenções eleitorais sejam divulgados de alguma maneira. Isso ocorre, por exemplo, quando os agentes da CIA se aposentam e escrevem suas memórias”, diz ele. Como a interferência cibernética dos russos em eleições estrangeiras (inclusive as americanas) é um fenômeno das últimas duas décadas, ela está fora do escopo do livro de Levin. Mas ele acompanha o fenômeno de perto. 

O cientista concluiu que intervenções estrangeiras costumam turbinar a votação de um determinado candidato em três pontos percentuais — um empurrão que pode ser decisivo em disputas com margens pequenas. Contudo, para que uma interferência tenha sucesso, é preciso que duas condições sejam preenchidas. A primeira é que um dos candidatos esteja disposto a combinar com os russos (ou americanos). A segunda é que Kremlin ou Casa Branca precisam concluir que seus interesses serão seriamente prejudicados caso um dos políticos seja o vencedor. Levin não acredita que os russos estejam dispostos a se envolver no processo brasileiro deste ano. “É preciso lembrar que, da última vez que Lula foi presidente, ele no geral teve boas relações com Putin”, diz Levin, em entrevista a Crusoé. “Ainda que Lula mude suas opiniões sobre o russo devido aos eventos recentes na Ucrânia, duvido que seja visto como uma ameaça aos interesses do Kremlin.” Com doutorado pela Univerisade da Califórnia, em Los Angeles, ele hoje é professor de política e administração pública na Universidade de Hong Kong. Segue a entrevista:

O que leva um país como a Rússia a inferferir em eleições estrangeiras?
Minha pesquisa mostra que a Rússia, assim como os Estados Unidos, geralmente interfere quando ocorrem duas condições simultâneas. Em primeiro lugar, é preciso que um ator local concorde em conspirar com o agente externo. Além disso, é necessário que a grande potência se sinta profundamente ameaçada caso um dos políticos seja vitorioso.

Por que é preciso que alguém de dentro do país aceite conspirar com Moscou?
Geralmente, as potências estrangeiras têm um conhecimento muito limitado sobre a política interna de outras nações. A chance de elas saberem exatamente como manipular um pleito para beneficiar um dos lados é ainda menor. É por isso que elas procuram contar com pessoas que já tenham anos de experiência na política e, de preferência, que já tenham vencido eleições. Quando a Rússia ou outro grande país não consegue contar com a cooperação de um político, as chances de sucesso na empreitada são tão baixas que eles geralmente desistem de interferir. Mas o trabalho não precisa necessariamente ser com o próprio candidato. Em alguns casos, a cooperação pode vir de membros da campanha eleitoral, sem que o candidato tome muito conhecimento sobre o envolvimento estrangeiro. No caso das eleições americanas de 2016, é possível que a ajuda russa e a cooperação secreta com o consultor político Paul Manafort e outros membros da campanha do republicano Donald Trump tenham sido feitas sem o conhecimento pessoal do candidato. No entanto, na maioria dos casos, por razões óbvias, quem está sendo apoiado sabe da interferência estrangeira na eleição em seu benefício e desempenha um papel fundamental nessa cooperação.

Na eleição brasileira deste ano, a Rússia poderia entrar em conluio com um dos principais candidatos?
Até o momento, não vi nenhuma evidência clara de que a Rússia esteja planejando intervir nas próximas eleições presidenciais. É possível que Moscou decida tentar, mas ainda não existem provas disso. O fato de Jair Bolsonaro vir se comportando de maneira amigável com Putin não me parece ser suficiente para levar a Rússia a interferir no pleito.

Mas Jair Bolsonaro ou os integrantes de sua campanha poderiam estar dispostos a fazer um trabalho com o Kremlin, não?
Não vejo a possibilidade de uma intervenção russa no Brasil por duas razões. Primeiro, porque, desde pelo menos a década de 1940, a América Latina tem sido vista como uma região marginal pelo Kremlin, o que torna menos provável uma ação. Nós agora sabemos, com base na divulgação de documentos secretos, que até a pequena Cuba sob Fidel Castro se esforçou muito mais do que os soviéticos para interferir em eleições e para espalhar revoluções comunistas na América Latina, por meio de Che Guevara e também de outras formas. O presidente russo Vladimir Putin provavelmente se preocupa muito menos com os eventos no Brasil do que com eleições em países europeus ou nos Estados Unidos. Em segundo lugar, é preciso lembrar que, da última vez que Lula foi presidente, ele no geral teve boas relações com Putin. Ainda que Lula mude suas opiniões sobre o russo devido aos eventos recentes na Ucrânia, duvido que o brasileiro seja visto como uma ameaça aos interesses do Kremlin. 

As eleições brasileiras já foram alvo de intervenção estrangeira no passado?
Sim, os Estados Unidos intervieram em dois momentos: em 1955 e em 1962. Em ambas ocasiões, não tiveram sucesso. Em 1955, os Estados Unidos estavam muito preocupados com um candidato da oposição, Juscelino Kubitschek, do PSD, que tinha recebido o apoio do Partido Comunista. Isso levou os americanos a pensar que JK era amigo da União Soviética, seu rival na Guerra Fria. A Casa Branca então concordou com um pedido do maior oponente de JK, Juarez Távora, da UDN, para dar 75 milhões de dólares em empréstimos bancários de importação e exportação ao Brasil. O objetivo era estabilizar a economia às vésperas da eleição. Mas foi JK que ganhou a corrida e tornou-se o 21º presidente do país. Em 1961, a preocupação era com a inclinação esquerdista de João Goulart, que pela visão americana estava abrindo as portas para que os comunistas assumissem o controle total do país. Por pressão dos militares, o Brasil adotou temporariamente um sistema parlamentar quando Jânio Quadros renunciou e Goulart se tornou presidente. O medo americano era o de que Goulart ganhasse as eleições parlamentares, em 1962, e retomasse o sistema presidencialista, recuperando seus poderes. A agência de inteligência americana, CIA, deu a vários partidos e políticos brasileiros que faziam oposição a Goulart cerca de 8 milhões de dólares em fundos para campanhas. Essa intervenção falhou, o regime presidencialista voltou a vigorar e Goulart foi deposto por um golpe em 1964. 

DivulgaçãoDivulgação“Estados Unidos intervieram em eleições brasileiras em 1955 e 1962, sem sucesso”
Por que a Rússia trabalhou para evitar uma vitória do Partido Democrata nas eleições americanas de 2016 e 2020?
Em 2016, Putin estava muito preocupado com a possibilidade de Hillary Clinton se tornar presidente, porque ela era muito dura com a Rússia. Após a invasão da península ucraniana da Crimeia, em 2014, ela o comparou ao nazista Adolf Hitler. No ano seguinte, Hillary pediu a retomada de algumas políticas dos tempos da Guerra Fria para conter Moscou. Como resultado, Putin e muitos membros da elite russa passaram a ver a possibilidade de Hillary ser eleita presidente como uma “ameaça existencial”. Nas eleições de 2020, há muito menos informação disponível para saber o que ocorreu. Entretanto, a partir do que se conhece, pode-se especular que foi por uma razão similar — a crença de que Joe Biden e o Partido Democrata ainda estariam enraivecidos com a Rússia pela interferência eleitoral em 2016. Eles pensavam que Biden poderia adotar uma linha mais dura com os russos, algo que não aconteceria em um segundo mandato de Trump. 

Os russos interferiram no referendo do Brexit, em 2016, que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia?
Não há até agora nenhuma evidência clara de interferência significativa da Rússia nesse referendo.

Análises sobre intervenções russas  dizem que o governo de Putin faz isso para fragilizar a democracia em outros países. Esse comportamento teria se intensificado principalmente depois das sanções ocidentais contra a Rússia após a invasão da Crimeia, em 2014. Isso faz sentido?
O que os russos querem é eleger o candidato mais favorável aos seus interesses e impedir a ascensão daqueles que são altamente indesejáveis. Mas é claro que o enfraquecimento das democracias acaba sendo um efeito colateral, com o qual os russos não se importam. Tenho certeza de que Putin não estava chorando com o dano que sua intervenção causou à democracia dos Estados Unidos, por causa da eleição de Trump. 

Um relatório feito por um comitê do Senado dos Estados Unidos concluiu que os russos teriam apoiado o movimento Black Lives Matter, para tentar semear a discórdia entre os americanos. Isso não seria tentar enfraquecer a democracia americana?
A meta das atividades russas foi enfraquecer o apoio dos negros americanos à candidata Hillary Clinton, na eleição de 2016. Os negros americanos são muito simpatizantes do Partido Democrata. Então, os russos buscaram lembrá-los dos episódios de violência policial contra os negros no governo do democrata Barack Obama. Com isso, muitos negros poderiam se abster no dia da votação. Por outro lado, isso também poderia fazer com que os republicanos ficassem mais estimulados a votar em Trump. O agravamento das divisões raciais certamente abalou a democracia americana, o que provavelmente foi visto como um bônus por Putin, mas esse não era o seu principal objetivo.

Qual potência interferiu mais em outros processos eleitorais, a Rússia, incluindo o tempo da União Soviética, ou os Estados Unidos?
Desde a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos são o interventor mais frequente. Os americanos atuaram em pelo menos 81 eleições nacionais entre 1946 e 2000. Isso representa quase uma em cada onze eleições nesse período. Em comparação, a Rússia e a União Soviética atuaram em 36 pleitos nesse mesmo intervalo. Uma das principais explicações para isso é que os Estados Unidos viram seus interesses sob grave ameaça em mais lugares onde aconteciam eleições nacionais acirradas, como na Europa Ocidental e algumas partes da América Latina, durante a Guerra Fria. 

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  1. Gostaria muito que o general venezuelano que está na Espanha, fosse deportado para os Estados Unidos e fizesse delação envolvendo o Lula. Se acontecesse antes das eleições, poderíamos ter reviravoltas. Aí o perigo seria Bolsonaro ser reeleito. Precisamos de alternativa Urgente! Ainda acredito na possibilidade de Sérgio Moro.

  2. Parabéns! Ótima reportagem. Só agora acompanho a política mais de perto, podendo entender as interferências de parte a parte.

  3. Quem vai se interessar em favorecer ou prejudicar A ou B? Tanto faz 6 como meia dúzia, a desgraça é a mesma. Pobres de nós... :-(

  4. Este pesquisador / analista Levin merece crédito pelo exaustivo levantamento e compilação de informações, cuja análise e interpretação ainda está longe do esgotamento. Quanto ao Brasil, duvido que alguém esteja entendendo os mecanismos que resultaram neste Estado CLEPTOCRÁTICO de nossas instituições.

  5. O pior foram os sequestros, as torturas e os assassinatos promovidos pela “Operação Condor”, que eliminou importantes lideranças da política brasileira, em 1976, como Juscelino Kubitscheck, João Goulart e Carlos Lacerda. A repressão política e o terrorismo de Estado afrontam o Estado de Direito e a segurança jurídica de todos os cidadãos e impede o progresso do País.

  6. Com todas as mazelas e erros do período militar, a meu ver foi menos ruim do que termos caído numa ditadura de esquerda sob a influência de uma Minúscula. Seríamos um País destroçado, quiçá até divido em seu território.

  7. Além das interferências eleitorais dos EUA no Brasil, cite-se operação "Brother Sam" que daria cobertura logística para o caso de dificuldades no golpe de estado de 1964 para derrubar Goulart, apoiado por eles. Este golpe descambou numa ditadura asquerosa com torturadores nojentos como Ulstra, reverenciado por Bostanaro.

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