Foto: Pablo Valadares/Câmara dos DeputadosLuisa Canziani, relatora do projeto do homeschooling: liberdade, mas com vigilância do Estado

O ensino domiciliar é legitimo, mas não recomendo

Desde que existam algumas salvaguardas, não há como proibir os pais de assumir o papel preponderante na educação dos filhos
23.05.22 16:58

Pela lógica do bolsonarismo, a urgência que a regulamentação do ensino domiciliar recebeu na Câmara, na semana passada, foi uma aberração. Segundo essa turma, grupos minoritários devem se adequar às práticas da maioria, ou então, como já disse o presidente, “buscar um país onde viver seus ideais”. Os “homeschoolers” representam uma minoria dentro da minoria bolsonarista: segundo as estimativas, algo entre 5 mil e 30 mil famílias. Seu desejo de educar os filhos em casa não deveria se sobrepor a outras pautas urgentes que aguardam a atenção dos deputados. Mas faço essa observação apenas para não deixar que a hipocrisia do bolsonarismo passe em branco. No mérito, concordo com o Supremo Tribunal Federal, que tratou do assunto em 2018: desde que existam algumas salvaguardas, não há como proibir os pais de assumir o papel preponderante na educação dos filhos.

Em 2018, o voto dominante no STF foi o do ministro Alexandre de Moraes, a quem os conservadores ainda não agradeceram. Segundo ele, somente modalidades de ensino que não admitem nenhuma espécie de envolvimento do Estado são inconstitucionais. A maioria da corte acompanhou esse entendimento. O mesmo fizeram os deputados federais. Há salvaguardas até demais no texto relatado por Luisa Canziani (PSD-PR). Ele institui obrigações que não existem em outros países onde as crianças podem estudar em casa: matricula em uma escola tradicional, que proverá tutoria; avaliações anuais do aprendizado, que precisa contemplar todos os conteúdos da base nacional curricular; comprovação de que outras atividades pedagógicas, além das aulas comuns, foram realizadas; comprovação de que a criança teve oportunidades de convívio social. A mistura é bem brasileira: viabiliza o “homeschooling”, sem abrir mão da estrita vigilância estatal. Como de costume, suas excelências não se preocuparam em estimar o custo dessa fiscalização para os cofres públicos, nem suas possíveis fontes de financiamento. Empurraram o problema para deliberações futuras do Conselho Nacional de Educação.

Da Austrália à Finlândia, da França à África do Sul, da Colômbia a Taiwan, dezenas de países ao redor do mundo permitem o homeschooling. Estudos mostram que os alunos que recebem essa educação podem ter desempenho escolar acima da média. Dados os péssimos resultados de nosso ensino, inclusive em áreas fundamentais como língua portuguesa e matemática, não seria surpresa se isso acontecesse no Brasil. Também não existem indícios de que o ensino domiciliar afete a capacidade de socialização das crianças. De fato, a escola nunca foi o único espaço onde isso acontece. Sim, eu sei que muitos pais desejam ter liberdade para que fantasias como o criacionismo – segundo o qual o homem, os demais seres vivos e a própria Terra foram criados por Deus, exatamente como são hoje, há não mais que 10 mil anos – sejam ensinadas como se fossem equiparáveis à ciência. Mas enquanto estiver garantido que as crianças também aprenderão as lições da biologia, da geologia e da física, não creio que esse seja um dano irreparável.

Embora eu defenda o direito das famílias de recorrer ao ensino domiciliar, se assim desejarem, não é algo a que eu submeteria meus próprios filhos, ou que eu recomende. Parece-me que na origem desse impulso há uma mistura impalatável de medo e arrogância. Medo de que as crianças sejam expostas a algo que os pais consideram perigoso, como o esquerdismo que de fato grassa nas escolas, mas está longe de constituir uma lavagem cerebral. Arrogância, pela crença de que nada pode ter valor maior do que as certezas paternas. Devemos à família muitas das coisas mais preciosas da vida. Mas, como bem viu Freud, a família também é o berço de neuroses e infelicidades. Para os pais convictos de que tratar seus filhos como flores de estufa é melhor do que alargar seus horizontes desde cedo, encerro com um poeminha desagradável do inglês Philip Larkin, lembrando, com algum exagero, que a vida em família também tem seu lado escuro. Não há métrica na tradução, mas o sentido está preservado, espero, com alguma graça.

ESTE É O POEMA

Papai e mamãe, eles ferram contigo.
Quer queiram ou não, tanto faz.
Eles te incutem seus vícios antigos
E outros novinhos, especiais.

Também os ferraram, na sua hora,
Uns tolos com hábitos de outras eras.
Na rua, eram gente sisuda e carola.
Em casa, se agrediam como feras.

De homem a homem a miséria passa,
Como um oceano cada vez mais fundo.
Dá o fora, portanto, tão logo tu possas
E nunca ponha filhos neste mundo.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. A educ. é obrigação dos pais. Isso significa q se decidem pela escola, deverão respeitar as regras da instituição. Ocorre q, no BR, tudo q é sério some no meio dessa lama q nos habituamos a denominar de política. Lula e Bolson jogaram no lixo tantos temas importantes e, agora, educ. pública virou assistência social/panfletagem e educ. domiciliar virou coisa de reacionários. Triste país em q as pessoas repetem feito papagaio as bobagens do seu político de estimação e ñ pensam por si mesmas.

  2. Com exceção do que você falou sobre o criacionismo, no qual eu creio, mas não dentro de 10 mil anos, achei o texto maravilhoso. A cada artigo que leio e Papo que assisto, mais me orgulho de ser assinante. Agora sobre a polêmica: infelizmente o 🇧🇷 gosta de importar ideologias estrangeiras, para bem e para mal, a ponto de se fantasiarem de Vikings em protestos daqui também. Se/Quando chegasse o ponto de nossas 🏫 se americanizarem, eu também iria querer levar meus filhos pra 🏠. O 🚂 é feio.

  3. Para quem ja nomeou um ministro da educação, com sotaque castelhano,e sucessivos outros fracassos, culminando com o uiltimo, um verdadeiro mongol de bigode, estilo 1918, que manuseou um arma em pleno aeroporto,[provocando disparo acidental, e para se esperar de tudo. Não querem educação, mas sim cabrestos, para perpetuarem no poder.

  4. Não me venham com justificativas para ota’rios de que “bem regulamentada…e cois e tal… Escola? Regulamentada pelos piores interesse desse povo da praça dos 3 poderes, liderados pelo bolsolulismo e pelo centrão de plantão. Recheada de pedagoges luloptista, de carolice anti-ciência e de outros interesses escusos que entrarão porta a dentro da casa de pais despreparados (muitos interesseiros). Bota cubanização nisto. Sem revolução (a cara do Brasil). A prosta é tão escusa que estão tratando como “u

  5. Uma coisa q a pandemia mostrou é que escola em casa não funciona! Uma coisa q não entendi é a urgência de tramitação no meio de tantas urgências no país! E q poema amargo! Caraca!😶 (😜)

  6. Enquanto houver professores lobotomizados, doutrinados e histéricos, o ensino não vai pra frente. A escola 100% sem partido se faz necessário, mas com leis severas para os professores contraventores. Sou contra o ensino em casa, as crianças necessitam dessa interação nas escolas.

  7. Acredito que existem demandas muito mais importantes para serem discutidas no Congresso do que esse projeto escolar, inclusive na área educacional que o Brasil não vai bem. O poema é interessante. Gostei do artigo Graieb.

  8. Educação pública de qualidade é uma conquista do cidadão. É ela que pode abrir as portas para que crianças e jovens de todas as condições sociais possam progredir e ter uma vida social e profissional digna. Homeschooling é uma excrescência no século 21. Se há falhas no ensino público a ação correta é corrigi-las e não ficar fszendo discurso pra pequenas bolhas reacionárias. Escola sem partido, apoiadas em pedagogia séria e com curriculo competente é o que se espera de um bom governo.

    1. Por conta de discursinho “progressista” como o seu, é que existe a demanda pelo homeschooling.. Ensino publico de qualidade? Soa até pedante.

Mais notícias
Assine agora
TOPO