Foto: Reprodução/ Instagram

O jornalismo de celebridades e a liberdade de expressão

02.07.22 15:30

Na semana passada, veio à tona o caso envolvendo a divulgação pela imprensa de informações delicadas e sigilosas da vida íntima da jovem atriz Klara Castanho. Ela própria, na sequência, pôs luz aos fatos com uma carta aberta publicada em suas redes sociais.

Os pormenores do episódio são de uma tristeza só e não precisam ser aqui lembrados, mas mostram o quanto ainda estamos na idade da pedra no que importa à dor alheia. O quanto ainda são precárias as nossas políticas de sigilo e, sobremaneira, o quanto a vítima acaba sempre recebendo a maior carga de todo o impacto midiático gerado por casos como esse.

Tudo o que for dito, por qualquer um, mesmo as manifestações mais solidárias, acabarão expondo ainda mais a intimidade da atriz. Assim funciona, hoje em dia, nosso mundo. Por essas razões, pensei bem se deveria ou não escrever esse artigo. Mas como é minha função tratar de temas relacionados às liberdades de expressão e seus limites, não posso deixar de compartilhar com os leitores algumas reflexões.

De saída, claramente houve excesso na divulgação dos fatos que atingiram a atriz, foram transpostos os limites da liberdade de expressão. Mas por qual razão? Muita gente diz que jornalismo de celebridades não é jornalismo, que não é algo digno, que não recebe resguardo da liberdade de expressão por não possuir interesse público. O próprio judiciário se posiciona quase sempre de forma muito crítica e rígida quando aprecia processos judiciais que tratam desses temas. O que não é de forma alguma correto.

Obviamente, o jornalista não possui um cheque em branco para escarafunchar a vida íntima de alguém, expondo fatos sensíveis e delicados confiados ao sigilo, como no caso da atriz. Por isso os limites da expressão foram violados. Mas a mera curiosidade das pessoas, motor do jornalismo de celebridades, goza de interesse público.

Se alguém entrar gritando no meio de um shopping center e isso for noticiado, a publicação será legítima. Se um grupo de pessoas sair pintado inteiramente de azul nas ruas de qualquer cidade e o fato parar nos jornais, não haverá qualquer problema para o jornal.

Interesse público, como justificativa para receber a proteção da liberdade de expressão, não pode ser um punhado de coisas consideradas nobres por uma elite intelectual ou jurídica. Isso seria dar a esse direito fundamental uma interpretação aristocrática e restritiva, o que não foi, de jeito algum, a intenção do legislador.

Manifestar-se sobre celebridades é tão protegido quanto sobre qualquer outra pessoa, esse gênero é tão jornalístico como qualquer um. Não há nada de errado com o jornalismo de celebridades. Não existe jornalismo melhor ou pior, mas jornalistas que se comportam eticamente, calçados no interesse público, e agem licitamente, e os que não, independentemente do assunto abordado.

 

André Marsiglia é advogado. Escreve sobre Direito e Mídias.

andremarsiglia.com.br

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  1. Concordo! O problema não é a celebridade, é a forma como o jornalista aborda a celebridade. Tem que haver um limite para expor intimidade! Isso se chama ética!

  2. Pior que o jornalismo sensacionalista (é o nome certo a dar neste tipo) que deveria ser marcado pela impessoalidade, são os leitores, que com todo direito de informações que devem possuir, não lhes dá, o direito de espetacularização de vidas principalmente quando a intimidade e sofrimento do ator (envolvido) é o motivo da espetaculização.

  3. Essa coitada deveria bater onde mais dói nesses abutres: o bolso. Um milhão de reais de cada imbecil que publicou sem saber do que se passava.

  4. A dor é de quem a sente. Expô-la a título de interesse público e liberdade de expressão é a maior canalhice, pois o objetivo é ter “views” e monetizar a fofoca. O jornalista é tão vil, que a pretexto de solidariedade pensou até em adotar o fruto do estupro.

  5. somos hoje tristemente uma nação ignorante a idolatrar artistas oportunistas ávidos por dinheiro que só enxergam o espelho a manipular idiotas OU se deixam enganar por ladrões que nos assaltaram por anos e contra o povo cometeram hediondos crimes de lesa-pátria dentre outros ... e um povo que se entrega a seus algozes vira suco ou lixo.

  6. Em tempo: no Brasil, ser advogado, magistrado, promotor, jornalista e artista conferem ao sujeito direitos e prerrogativas inimagináveis ao cidadão comum.

  7. Tudo o que fere o sigilo legal é criminoso a meu ver. Dada a farra de sigilos vandalizados por jornalistas, um caso como esse aconteceria. Uma avalanche nunca começa em seus últimos metros. Se o sigilo é ilegal, como muito se tem visto, que se busquem os meios legítimos para anular os atos.

  8. Simples assim: Entrar na vida privada de alguém e divulgar sem devida autorização e nojento, asqueroso,abjeto, amoral e antiético, não importa o que a lei diga. Ter interesse na vida pessoal de pessoas e concordar que seja exposta a revelia e só mais uma falha de caráter ignominiosa do ser humano.

    1. Da’ licença, prezada Paula? Desta vez o ótimo colunista Marsiglia Santos está- como comenta o José- confortavelmente instalado num muro cujo lado correto para ser optado é, sem dúvida, o sua ótima opinião. Opção corretíssima, a meu ver, pela racionalidade ética. Intimidade deve ser, eticamente, protegida nunca exposta e, pior, “vendida” por terceiros aa revelia. 10!

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