PixabayCensura: particularmente venenosa no ambiente educacional

A censura brasileira no ‘The New York Times’

Com muita precisão, reportagem do jornal americano detalhou a escalada autoritária permitida pelos inquéritos sigilosos do Supremo Tribunal Federal
01.10.22 10:16

Na última segunda-feira foi publicada entrevista que dei e tive o prazer de ver constar em excelente reportagem de Jack Nicas e André Spigariol para o The New York Times sobre o comportamento das altas Cortes judiciais brasileiras, questionando se o Supremo Tribunal Federal (STF) não teria ido longe demais em sua mão pesada para defender a democracia.

Com muita precisão, os jornalistas detalharam a escalada autoritária permitida pelos inquéritos sigilosos do Supremo Tribunal Federal, inaugurados com o famigerado inquérito das fake news, e desabrochados em tantos outros, sempre sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, contando com a simpatia dos demais ministros que, raramente, questionaram a legitimidade de procedimentos em que o magistrado cobra o escanteio, cabeceia, comemora e apita o jogo, tudo ao mesmo tempo.

A censura à reportagem “O amigo do amigo de meu pai”, da revista Crusoé, publicada em abril de 2019, faz parte dessa história, inegavelmente. O excelente texto dos jornalistas Rodrigo Rangel e Mateus Coutinho, à época, foi acusado erroneamente pela Suprema Corte de conter fake news, recebendo ordem para que saísse do ar, sob pena de multa. Enquanto isso, o jornalista Mario Sabino era intimado a comparecer à Polícia Federal, como representante da publicação, e eu, advogado contratado pelo veículo, atônito com o absurdo da situação, fazia meu trabalho da forma que era possível.

Uma semana depois, após muitas batalhas jurídicas e solidariedade de grande parte da imprensa, a censura foi revogada. Até aquele momento, o inquérito das fake news tinha alvejado apenas pequenos blogueiros e personagens insignificantes do cenário político. Com a censura a um veículo de imprensa como a Crusoé, levantou-se o mesmo questionamento que hoje o New York Times faz: teriam os ministros passado do ponto?

Claro que tinham, mas ignoramos o fato, pois logo em seguida se tornaram constantes os ataques de bolsonaristas ao STF, reclamando que sua liberdade de expressão estava sob risco, motivando forte reação da Corte. Dirão os bolsonaristas que aconteceu o contrário, ou seja, que os ataques partiram do STF e eles apenas reagiram.

Pouco importa, o fato é que politizaram a democracia e a liberdade de expressão a tal ponto que defender as liberdades individuais passou a ser sinônimo de apoiar incondicionalmente o atual presidente, enquanto defender a democracia passou a ser sinônimo de apoiar incondicionalmente as decisões muitas vezes desproporcionais do STF em seus inquéritos ilegítimos.

Como muito bem observou o jornalista Cláudio Dantas, nesta semana, os ataques de Bolsonaro às instituições permitiram a construção de uma narrativa em defesa da democracia por quem não obrigatoriamente a defende. Dantas não se referia necessariamente ao Judiciário, mas a frase serve como uma luva para explicar a desconfortável situação em que nos colocamos.

Permitindo que a politização do debate nos colocasse dentro da armadilha de não podermos criticar o STF, sob pena de sermos rotulados de bolsonaristas, nos tornamos críticos medrosos de uma Corte que passou a entender nosso medo como apoio e seguiu avançando em sua escalada autoritária, a ponto de se tornar necessário que jornalistas de fora do Brasil analisassem os fatos e nos mostrassem a realidade óbvia: nem tudo que o STF faz é democrático.

O fim do período eleitoral está próximo. Esperamos que, com isso, o país acalme os constantes enfrentamentos havidos entre os Poderes da República, entre o STF e o Executivo. Esperamos ainda que a excelente reportagem do New York Times tenha vindo em boa hora, dando a todos nós uma nova chance, nos colocando novamente diante da questão: não estará a Suprema Corte indo longe demais?

Claro que está. Tomara que dessa vez não ignoremos o que se põe diante de nossos olhos.

André Marsiglia é advogado.  

andremarsiglia.com.br

@marsiglia_andre

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. Me lembro de quando nos referíamos ao STF com admiração e muito respeito. Eram os guardiões da Constituição. Hoje olhamos p o stf com indignação, vergonha e repulsa. São os guardiões dos próprios interesses. Esses Inquéritos são vergonhosos.

  2. O STF se transformou numa confraria entre amigos.Devido os ataques do Bolsonaro, os inquilinos de lá se fecharam, como se diz nas equipes de futebol, e optaram pela defesa dos confrades, entre eles. A liberdade do Lula foi uma demonstração da aliança do STF com o congresso. Abriram a porteira para a debandada dos corruptos. livrando a cara de parlamentares suspeitos pela ação da lava jato.O ministro Gilmar Mendes foi quem liderou a desconstrução dessa operação apoiado por "ilustres" advogados.

  3. Só pra lembrar que os membros do Supremo são escolhidos e aprovados pelos presidentes e senadores que nós, o povo, escolhemos. Então, a responsabilidade final é nossa.

  4. destaque: o presente STF foi montado pelo PT que hj pretende voltar ao poder e se perpetuar nele. não sejamos ingênuos em pensar que teremos retorno da democracia se isso acontecer.

  5. O supremo é o maior responsável pela única tentativa séria de combate à corrupção ter fracassado. Os atuais ministros são coniventes com à corrupção vigente! Nos que não votamos em Bolsonaro precisamos falar isto em alto e bom tom. Alexandre de Moraes é um ditador de toga. Lewandovsky desrespeita repetidamente a constituição. Toffoli tem rabo preso. Gilmar Mendes é um escândalo, salvou a família Barata da cadeia pois são cumpadres. Uma vergonha.

  6. Os três Poderes, pesos e contrapesos que sustentam o Estado Democrático de Direito, estão a serviço de objetivo comum. Não é o povo. Nem a Democracia. O futuro parece desolador.

  7. Em suma, alguns dos supremos formam um cartório de auto-intitulados juristas de finório alto saber, escolhidos a dedo por poderosos de plantão e sempre solícitos e submissos aos caprichos e necessidades de seus padrinhos… um verdadeiro abuso de poder que o senado até agora faz de conta que não vê!

  8. A concepção do sistema dos Três Poderes de Montesquieu visa os freios contrapesos para equilibrar a representação do povo sem concentração de poder. No caso da "corte" brasileira, o impeachment de ministros depende de permissão do Senado. Como o Congresso é disfuncional e falha em representar o interesse público, vê-se a perpetuidade dos absurdos do inquérito "do fim do mundo", das anulações de processos em decisões ilegítimas e com intencionalidade política. As instituições estão precárias.

  9. Quando assistimos as decisões suspeitas de nossos ministros dos Supremos, perguntamos qual é o limite da Democracia? Chegamos a pensar numa maneira de derrubar esses bandidos de toga. Num país decente não existiria um Gilmar Mendes. Ministros que julgam ações de escritórios de esposas, filhos e amigos íntimos. Até quando?

    1. Um corte que tem Moraes, Gilmar, Levandovski, Verboso, Fachin e Tofoli portanto a maioria é o que mesmo? sendo muuuuuito generoso LIXO ... pobre Braziu.

  10. Infelizmente, estamos conseguindo destruir nossa frágil democracia. Um país onde as instituições não trabalham dentro dos seus limites, não pode haver uma democracia.

    1. Maria, a Democracia não permite adjetivação. Na verdade a elite do poder no pais, de tendência totalmente controladora por meio da mídia, tem pavor do estado de direito. Medo do flagrante e da prisão. Atualmente temos um sistema “meia- sola”, na verdade, mais sola que meia.

  11. Excelente. O STF aproveitou a oportunidade para ampliar sua competência institucional de maneira ilegal. Tudo "em defesa da democracia". Socorro, Tocqueville!

  12. Ótimo. Mas eu gostaria de ler no esquerdista NYT ,que generosamente sempre abre suas páginas para o lixo petralha , uma reportagem sobre o escândalo da anulação da condenação de Lula e do fim da prisão em segunda instância.

  13. muito bom artigo, parabéns. Caso a esquerda levar está eleição, a coisa vai ficar muito pior. Rezo e voto para que isso não aconteça.

    1. Bela pedida Carlos Roberto! Quem dera a decantada mídia do interesse público- "gloriosa" defensora do interesse da Sociedade"- pleiteasse e coordenasse tal pedida. O Medo é o pior sintoma do ser humano (causa impotência e humilhação) e acaba por determinar a doença chamada paranoia de forma epidêmica. Para curá-lo não há a confortável vacina... O único tratamento é o exercício da cidadania e o enfrentamento ético.

  14. A reportagem erra feio logo no início ... o STF não exagerou ao defender a democracia mas cometeu graves crines ao se acumpliciar e dar respaldo à quadrilha que quer escravizar a nação e sem a devida reação dos poderes violados o Brasil está à beira do caos e só o povo pode salvar-se nas urnas punindo o ladrão de vez OU como algozes de si mesmos suicidar nas urnas indevassáveis que permitem que eleição não se ganhe mas se tome não é sinistro Verboso? E haja lixo.

    1. Quando Gilmar destruiu as decisões da Lava Jato, os bolsonaristas vibraram porque viam em Moro um inimigo. Burros, como sempre, deram mais um tiro nos pés..

  15. Sou assinante do "O ESP -Estadão", noto q as redações do mesmo tem insidiosos redatores que escrevem à favor d Lula/Gilmar Mendes/PT/STF...Por exemplo, em artigo de meses atrás, lí no "O ESP" que o "lavajatismo", em tom pejorativo estava causando um mal qualquer(não lembro qual). Hoje leio, na pg 3, tit. "Debate reflete a miséria da campanha" sub-tit. "Truculência bolsonarista, q incluiu a exumação d suspeitas INFUNDADAS sobre envolv. d Lula na morte de Celso Daniel..." Como assim INFUNDADAS?

  16. Se o resultado for mesmo o q se desenha nas pesquisas (esperança até o último minuto q não seja...). Acho q o quadro não vai se alterar... Um político, não importa o cargo, sempre vai ceder ou sofrer os abusos do judiciário pq tem uma ficha corrida, um ato passível de condenação... Sempre haverá um machado levantado na direção no pescoço do indivíduo...

    1. Pricipalmente com o luloptista e o grão mestrado da seita. Totalmente entregaram-se nas mãos do alto comissariado supremacista em troca da liberdade e da candidatura da tal santidade “mística”. A dívida é muito grande. Seu comentário foi para mim bastante oportuno. A reversão deste teratoma- expressão dos juristas metidos aa médico- só será construída pela parcela da Sociedade Brasileira comprometida com a Democracia, o q, neste momento, não é fácil de ocorrer pela ausência total de lideranças.

  17. Essa entrevista foi publicada aqui- pelos Antagonistas/Crusoé? Se não apelo pela publicação, se possível. Já me manifestei que, perdida a confiança nos veículos de comunicação deste país, ancorei minha esperança de ler/ver/ouvir a verdade e a isenção com o nascimento dos antagonistas. O seguro dessa minha decisão foram as lideranças respeitáveis dos seus criadores, Mainardi/Sabino, infelizmente, hoje saintes. Este artigo do Marsíglia aduba para mim o broto da coragem, da isenção, da informação

    1. Assim falou o “capiau do interior de São Paulo” enquanto segurava o enxada com a qual carpia um lote…

    2. correta em respeito aa Socidede Brasileira, tutora desta Nação e ninguém mais. Portanto, a expectativa minha é que o novo tempo dos antagonistas seja o velho: posicionamentos em defesa de uma Nação Democrática. Não mais q isto!

  18. Prezado xará, este pesadelo surreal, q poderá acontecer amanhã, é prova d que o STF é um instrumento dos poderosos e dos bandidos, juntos ou separados, porém ambos inescrupulosos e desonestos. Sua reportagem é excelente e soma-se a outras d alto nível, feitas por excelentes profissionais tais como Ivo Patarra e Modesto Carvalhosa. O STF é ao mesmo tempo a parte mais forte do crime organizado e a parte mais fraca das instituições democráticas. Ou seja, a mesa não pára em pé! SIMONE TEBET em 2022!

  19. A imprensa não é livre, tampouco imparcial; tem um lado, o lado que a favorece ($$$) e, junto ao próprio idiota que ocupa a presidência, são os melhores cabos eleitorais do Nine Fingers, o quadrilheiro. Que bom seria se “adEvogados” buscassem reparar as injustiças cometidas quase sempre pelo Estado contra o cidadão ao invés de vender a alma ao diabo por dinheiro procurando brechas nas leis para favorecer todo tipo de cr1minoso… vivemos na época do feudalismo, os contribuintes são os servos.

  20. Pra mim a capa e a reportagem O amigo do amigo do meu pai são imbatíveis. Viva a Crusoé viva Papo Antagonista 👍👍👍👍🔥🔥🔥

  21. Excelente defesa do verdadeiro espírito democrático: a Imprensa é o poder fiscalizador que não pode ser tolhido sequer pela Suprema Corte, pois que a própria Constituição proibe a censura e consagra a liberdade dos meios de comunicação.

Mais notícias
Assine agora
TOPO