Edilson Rodrigues/Agência SenadoO prédio do TSE: tribunal decidiu atribuir status suspeito à atividade jornalística

A imprensa nunca produz fake news

O jornalismo não pode ter como editor um ministro, não pode prestar contas de suas escolhas editoriais a uma Corte
15.10.22 10:53

Embora esteja em curso uma grotesca disputa eleitoral em torno de pautas recheadas de fake news, levando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a corretamente banir conteúdos incontestavelmente falsos, nada justifica que veículos de imprensa venham sendo punidos por publicar notícias. Para piorar, uma grande parcela de jornalistas e cidadãos apoia atos judiciais extremados, quando estes atingem trincheiras ideológicas opostas, ignorando que “pau que dá em Chico dá em Francisco”.

Nos últimos dias, de forma tímida, veículos mais tradicionais começaram a reconhecer como autoritárias algumas decisões da Corte Eleitoral. É o caso do editorial do dia 8 da Folha de S. Paulo, que pede parcimônia ao TSE e chama de censura decisões envolvendo O Antagonista, bem como o jornal Gazeta do Povo. O Antagonista chegou a ser impedido até mesmo de noticiar que sofrera censura. O editorial de O Globo do dia 11 também abordou o assunto, recuperando a manchete da semana retrasada do diário The New York Times, que afirmara que, sob a sedutora justificativa de defender a democracia, as Cortes brasileiras estavam indo longe demais.

O TSE sempre se posicionou de forma cristalina em relação à imprensa, propiciando a livre publicação de conteúdos jornalísticos durante o período eleitoral, manobrando os excessos com a concessão de direito de resposta. Nestas eleições, a coisa mudou de figura. Nas palavras do ministro Alexandre de Moraes, em uma palestra de setembro, seria preciso coibir “o desvirtuamento na finalidade de divulgação”. Em julgamento desta última quinta-feira, o TSE chegou a afirmar que há no Brasil um contexto de “desordem informacional” e que o foco da Corte deve ser ampliado, para alcançar também notícias jornalísticas, afinal “não é porque é mídia tradicional que pode falar o que bem entender”.

A verdade é que o TSE retira da imprensa o véu de boa fé que a Constituição lhe deu e que – na maior parte das vezes – as Cortes respeitam, conferindo à atividade jornalística o status de suspeita, de um potencial risco ao pleito eleitoral. A relação do Judiciário com a imprensa, aparentemente, deixa de ser o de mera moderação para se tornar o de ativa vigilância, função policialesca que lhe é estranha e certamente avessa ao que se espera de uma democracia. Não quero dizer que o TSE age mal intencionado – é e sempre será um ator importante nas eleições –, mas o subjetivismo do que passa a entender por conteúdo passível de banimento gera tanta insegurança, que sua interferência, como nos casos retratados nos editoriais, agride o ambiente público tanto ou mais que a própria inverdade.

A remoção de conteúdos durante as eleições não é por si só um ato de censura. O artigo 9-A da Resolução 23.671/21 permite que conteúdos “sabidamente inverídicos” sejam removidos. Isso significa que não basta serem interpretados como inverdades; precisam ser cunhados na má fé, na intenção dolosa, na mentira de caso pensado. Esse detalhe conceitual faz toda a diferença, pois é o que garante proteção à imprensa. É plenamente possível que, por exemplo, um jornalista publique uma reportagem que contradiga o que até então se acreditava como verdade a respeito de um assunto. Aliás, é justamente esse o trabalho do jornalismo investigativo: trazer a público fatos novos que embaracem verdades ou inverdades acomodadas. Uma interpretação precipitada do conceito de inverdade é passível de tornar ilícito o exercício do jornalismo investigativo no período eleitoral.

Retirar de circulação apenas o que é sabidamente inverídico significa que é injustificável a remoção até mesmo de conteúdo jornalístico controverso, em nome de não se constranger nem criminalizar a imprensa. Não se cogita sequer a responsabilização dos envolvidos; no máximo, o direito de resposta pode ser concedido à parte retratada, propiciando que jornalismo gere mais jornalismo, que o debate gere mais debate. O conteúdo de um veículo de comunicação, portanto, somente deve ser banido, se o jornalista ou o veículo comprovadamente souber que o relatado é inverdade incontestável e, mesmo assim, o publicar. Nesse caso, a retirada do conteúdo não será um ato de censura, pois não se trata de informação, nem se está fazendo jornalismo, e a intenção será combater a fraude no debate público.

Vidal Serrano, ao tratar da liberdade de expressão, afirma com acerto que todo discurso é passível de possuir conteúdo manipulado. O jornalístico, no entanto, é aquele que não pode ser manipulado intencionalmente. O jornalista não pode possuir a intenção de manipular seu discurso. A intenção separa um jornalista de um não jornalista. E é também isso que separa um juiz de um censor, uma Corte de um lugar sinistro. O jornalismo, a não ser quando sabidamente de má fé, ou seja, fora do exercício de sua finalidade, não pode ter como editor um ministro, não pode prestar contas de suas escolhas editoriais a uma Corte, não pode ser constrangido em sua função de fiscalizar e denunciar.

Não se pode tudo em nome da democracia, sobremaneira, tornar a democracia um lugar estreito a ponto de sufocar a si própria.

André Marsiglia Santos é advogado. Escreve sobre Direito e Política.
andremarsiglia.com.br
@marsiglia_andre

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  1. Pode até não produzir, mas replica, e o pior, em rede tecida na fofoca para não se sentir culpada (ah, a culpa... essa praga judaica-cristã). E, hipocritamente. assume a bandeira da "censura ética".

  2. O fato é que o Obergruppenführer Moraes já passou de todos os limites. Urge estirpar esse tiranete do STF (e outros incompetentes, como o rábula que declarou às gargalhadas ter roubado os autos de um processo para que seu cliente não fosse condenado).

  3. Seus textos são excelentes! Parece que até o judiciário está contra o debate e a troca de informações e ideias. Já vimos isso no passado e não queremos uma nova dose.

  4. O autor trata com habilidade um tema extremamente sensível para a democracia. E expõe uma maturidade de posicionamento que deveria reverberar de forma mais profunda nas reflexões dos ministros das cortes superiores. O poder a eles conferido exige que suas decisões sejam ponderadas para além do curtíssimo prazo.

  5. A Imprensa Nacional finge que minha mãe e eu somos invisíveis. Ela perdeu muita credibilidade, com este comportamento de avestruz, perante o mundo civilizado jurídico, político e social. Agora, está pagando o preço pelos seus atos de omissão da informação verídica e das notícias falsas sobre nós duas, que publicaram para atender aos seus fins econômicos.

  6. Por diversas vezes, minha mãe e eu fomos vítimas da omissão da imprensa e de reportagens fraudulentas e nunca tivemos direito ao direito de resposta. A verdade sobre as nossas vidas e sobre as violências que sofremos nunca foram reveladas à opinião pública. A imprensa nunca cumpriu com o seu dever constitucional de fiscalização e de denúncia no nosso caso.

  7. Sem responsabilidade jurídica, os jornalistas ficariam acima da lei e da Constituição, em nome do respeito à liberdade de expressão. Acontece, que tudo tem um limite para evitar a produção de abusos.

  8. A credibilidade do jornalismo é quase zero, porque o maior objetivo dos veículos de imprensa é a obtenção de lucro. Os jornalistas não têm ética profissional, quando se trata de publicar matérias jornalísticas ou de omiti-las, se isso lhe for economicamente favorável. Os jornalistas e os proprietários dos veículos de comunicação social deveriam ser responsabilizados, administrativa, civil e criminalmente, pelas mentiras que publicam e pelas informações verdadeiras, que deixam de publicar.

    1. Infelizmente HIERANIA você de forma dura mas objetiva mostra a verdade algo que iniciou no "assassinato" de LuLa pela GloboLIXO que ungiu Collor e muitos aderiram à nova forma de usar pelo $$$$$ sujo de poder assaltante que unge ladrões e criminosos ao poder ... tantos como você são vítimas e outras ainda advirão pois corremos sério risco de um povo suicida por suas próprias mãos empodera criminosos sendo deles a primeira vítima ... não deixe de lutar.

  9. Acontece exatamente isso...diversos órgãos de imprensa e jornalistas manipulam as notícias....intencionalmente publicam fatos que sabem ser irreais e mentirosos. Fazem um jornalismo direcionado a ajudar ou prejudicar determinados políticos...Hoje, a credibilidade do jornalismo é zero....

    1. Aí o povo perdeu a confiança na imprensa. A isso se junta a “pós verdade”, em que tudo é relativo e cada um acredita que pode ter a “sua verdade”. Junta a ganância, ou cegueira de poder ou seja lá qual for o motivo pro judiciário fazer o que bem entende e o mal contra a imprensa justa está feito, sem que o povo se importe muito.

  10. O autor afirmou que "o jornalista não pode possuir a intenção de manipular o seu discurso". Que ingenuidade e corporativismo! Manipulação de discursos por jornalistas é uma das coisas que mais se vê na imprensa. E sob o manto da santidade e isenção. Estou longe de ser bolsonarista, mas a Globo está fazendo uma campanha obscena para o Lula.

  11. Corrigindo, o tal radialista americano foi condenado a indenizar as familias das vitimas do atentado que ele disse que nunca existiu e que era uma conspiração contra a venda de armas em 1 BIlhão de dolares. Alex Jones é o nome do jornalista propagador de fakenews.

  12. O Moraes é presidente do TSE. Mas já é bem conhecido por ser relator do "Inquérito do fim do mundo". Tem mente limitada e torce pelo time vermelho. Nada de surpreendente. Vai censurar para um lado só. Está é a justiça que temos para o momento.

  13. Discordo veementemente do título da matéria. Claro que a imprensa produz fake news. Uma coisa é jornalista com tendência para um ou outro lado, que é o que mais existe. Outra bem diferente é jornalista divulgar mentiras. Como a defesa da cloroquina, colocar em dúvida a segurança de vacinas ou, como aconteceu com radialista americano, dizer que um atentado que matou crianças era falso. Nesse caso ele foi exemplarmente multado em 1 Milhão de dólares.

  14. André, a imprensa, não pode tudo.É isso, que o TSE, por mais estranho que pareça, quer mostrar para os veículos de comunicação, especialmente, os "tradicionais".Hoje, todo mundo é "jornalista ", não esqueça do detalhe. E o referido é sobre estas eleições, que difere, pela primeira vez, de tudo, toda e qualquer comunicação do mundo moderno. É algo, como: você que é advogado, pode escrever como jornalista, mas eu, como jornalista (formado e diplomado), não posso escrever como advogado.

  15. Quanto cinismo de quem de forma vergonhosa manipula um povo ignorante em favor de um ladrão ... por favor imprensa LIXO tenha dignidade e admitam às claras seus hediondos crimes contra a nação.

  16. Minha impressão é que tem uma Constituição oculta pela ausência do jornal Pravda. Nas redes sociais tem regras ilegais que atendem à receita ou ao algoritmo do robô em denuncias em massa. O problema da Inteligência Artificial é a Estupidez Cibernética do Aprendizado da Máquina sem intervenção de um humano com juízo capaz de compreender as regras sem interpretações esdrúxulas.

    1. Por favor MAURO republique o que você de forma brilhante diz em língua inteligível vá ao povo ele precisa ouvir pessoas como você.

  17. De acordo com quase tudo, que precisava ser dito, mas é demasiado óbvio. A única excepção será para essa questão: não poderão estar as redações lotadas de não jornalistas?

  18. 1/2 O problema é a falta de racionalidade das pessoas. Hoje, mais que nunca, ser racional é ser moral. Ao longo da vida, eu sempre tenho duas ideias conflitantes na minha mente, e consigo viver bem. Essa é a minha vacina contra fake news. Veja o caso da propaganda do Alexandre Garcia na CNN, a favor da cloroquina. Isso pode ser considerado liberdade de expressão, já que o fato da desinformação ser numa mídia séria, serviu como chancela para fake news?

    1. 2/2 E a eleita senadora Damares, levando ao choro fiéis de uma igreja com suas histórias bizarras de abusos de crianças? Aqueles estúpidos que ouviram e choraram, tomaram conhecimento da mentira, já que até o momento não apareceram às denúncias? E se tomaram conhecimento, eles ficam com a dúvida, ou com a "verdade" de uma figura inescrupulosa, caso da ex-ministra? Complexo. Para problemas complexos, sempre aparece uma solução simples, censura neste caso, e errada.

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