Adriano Machado/CrusoéGilmar Mendes ainda é o ministro predileto dos advogados e dos réus da Lava Jato

Ao pedir suspeição de Gilmar na E$quema S, Lava Jato apontou negócios de réu com cunhado do ministro

07.10.20 17:25

Cerca de um mês antes de o ministro Gilmar Mendes (foto) suspender a ação penal movida pela Lava Jato do Rio de Janeiro contra advogados acusados de desvio e lavagem de dinheiro na Fecomércio/RJ, os procuradores da força-tarefa fluminense pediram no Supremo Tribunal Federal a suspeição do ministro no caso porque um dos réus é casado com uma sobrinha da mulher de Gilmar, a advogada Guiomar Feitosa, e fez transações financeiras e imobiliárias com o cunhado do ministro nos últimos anos.

O pedido de suspeição e impedimento de Gilmar foi protocolado no STF no dia 9 de setembro, depois que o ministro Napoleão Nunes Maia, do Superior Tribunal de Justiça, apresentou à corte reclamação. Maia argumentava que os procuradores do Rio o estavam investigando sem autorização do Supremo — por ser ministro do STJ, ele tem prerrogativa de foro. A reclamação caiu com Gilmar, que é o ministro prevento para decidir sobre os processos da Lava Jato do Rio no Supremo.

No pedido, que está no gabinete do presidente Luiz Fux, a quem cabe deliberar sobre a suspeição, a força-tarefa enumera uma série de transações envolvendo o empresário Francisco Feitosa de Albuquerque Lima e o advogado Caio Rocha. Francisco é irmão de Guiomar Feitosa, a mulher de Gilmar. Já Caio Rocha é filho de César Asfor Rocha, ex-ministro do STJ, e foi denunciado junto com o pai pelo suposto desvio de 2,67 milhões de reais na Operação E$quema S, que apontou crimes nos pagamentos milionários feitos pela Fecomércio/RJ a escritórios de advocacia na gestão do delator Orlando Diniz. Caio Rocha é casado com Tatiana Feitosa, sobrinha da mulher de Gilmar.

Segundo a Lava Jato, dados da quebra dos sigilos bancário e fiscal do advogado mostram que, além de sócio do cunhado de Gilmar em duas empresas no Ceará, ele e o sogro fizeram transações financeiras no valor de 1 milhão de reais entre 2016 e 2018. Uma delas foi um empréstimo de 680 mil reais feito por Caio a Francisco Feitosa em janeiro de 2018.

Os procuradores descobriram ainda que um imóvel de 976 mil reais em Fortaleza em nome de Caio Rocha que foi bloqueado por decisão do juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal do Rio, foi doado ao advogado e à mulher dele pelo cunhado de Gilmar. Para a força-tarefa, é “fácil concluir” que “há interesse direto, de natureza patrimonial”, de Francisco Feitosa no processo que está sob relatoria de seu cunhado, o ministro Gilmar Mendes.

Para os procuradores, os vínculos entre Caio Rocha, Francisco Feitosa e Gilmar atraem a aplicação da regra prevista no artigo 252 do Código de Processo Penal, segundo a qual o juiz não poderá atuar no processo em que “ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito”.

“No caso concreto, o interesse exoprocessual do cunhado do relator na causa
decorre das relações societárias, patrimoniais e afetivo-familiares que mantém com o réu Caio Rocha. Note-se que não se trata apenas de vínculos em abstrato, deles derivando diversos atos concretos de cunho patrimonial, como transações bancárias, doação imobiliária e assinaturas de empréstimos”, afirmam.

Os procuradores também destacam como motivo de suspeição de Gilmar para decidir no caso da Fecomércio o fato de a entidade ter patrocinado eventos organizados pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, o IDP, que tem o ministro do STF como sócio-fundador. Um deles, como mostrou Crusoé em 2018, ocorreu em 2015 no Rio de Janeiro e teve a participação de Orlando Diniz. Hoje delator, Diniz foi preso pela Lava Jato em 2018 e solto quatro meses depois por uma habeas corpus expedido por Gilmar.

Outros eventos do IDP de Gilmar patrocinados pela Fecomércio de Orlando Diniz ocorreram em março de 2016 e abril de 2017, na Universidade de Lisboa, em Portugal. Ainda segundo a força-tarefa, o resultado parcial da análise da quebra de sigilo fiscal da Fecomércio revelou um pagamento de 50 mil reais feito pela entidade ao instituto do ministro, em 2016, durante a gestão de Orlando Diniz.

Os procuradores pediram diretamente ao STF a suspeição de Gilmar depois que foram incluídos como parte reclamada no recurso apresentado para suspender a investigação. Em manifestação ao Supremo, a subprocuradora Lindôra Araújo discordou do pedido da força-tarefa para tornar Gilmar impedido de atuar no caso. Ela alegou que falta “pressuposto processual subjetivo” para o pedido e que os procuradores da primeira instância não poderiam recorrer diretamente ao STF — essa competência é da Procuradoria-Geral da República, que já arquivou em outra gestão um pedido de suspeição de Gilmar.

Ainda que tenha discordado do pedido para deixar o ministro de fora do processo, Lindôra opinou pela rejeição do recurso de Napoleão Maia. Ela sustenta que a força-tarefa não estava investigando ilegalmente autoridades com foro privilegiado, como o ministro do STJ. A subprocuradora, braço-direito de Augusto Aras na área criminal, afirmou que a equipe da Lava Jato no Rio havia enviado para a PGR a parte da investigação relacionada a autoridades com foro especial e que os procedimentos foram arquivados “pela ausência de indícios mínimos da prática de ilícitos pelas autoridades indicadas”. Ela informou que devolveu os processos para a força-tarefa para a continuidade das apurações sobre os envolvidos que não têm foro no Supremo.

Mesmo assim com o parecer contrário da PGR, no último sábado, 3, o ministro Gilmar Mendes decidiu suspender a ação da Operação E$quema S, apontando “uma situação de dúvida razoável sobre a real condição dessas autoridades” com foro no caso, como ministros do STJ e do Tribunal de Contas da União. A decisão de Gilmar beneficiou não apenas Caio Rocha como outros 25 advogados denunciados, entre eles Eduardo Martins, filho do presidente do STJ, Humberto Martins, Frederick Wassef, ex-advogado da família do presidente Jair Bolsonaro, e Cristiano Zanin, defensor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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