Adriano Machado/Crusoé

As várias faces de Sara, a ativista presa que comprou cervejas, cigarros e sushi com dinheiro público

22.06.20 12:10

“Tudo de melhor que podemos esperar é a vingança: uma tomada hostil, uma rebelião absoluta até o fim. Vou me vingar do mundo ou de pelo menos 49% das pessoas nele. E, se eu acabar com sangue nas mãos, eu sei que você entenderá, porque eu luto como uma garota”

O trecho citado é de uma canção interpretada por Emilie Autumn, cantora que inspirou o nome de guerra de uma conhecida extremista brasileira. Ela, que protestou seminua contra o machismo; que fundou um grupo feminista de grande repercussão; que devorou os escritos de Gramsci; que usou dinheiro público para comprar cerveja e até cigarro e que – não se surpreenda – ajudou a eleger Rodrigo Maia para a Câmara dos Deputados.

Sara Fernanda Giromini, 28 anos, vulgo Sara “Winter”, já foi tudo pelo qual hoje luta fervorosamente contra. O passado e o presente da líder dos “300 pelo Brasil”, no entanto, se entrelaçam em dois pontos: na necessidade atávica pelo holofote e na ideologia, como dizia Cazuza, que ela parece sempre precisar para viver. Só que, desta vez, seus “amigos” é que estão no poder, o que empresta um ar caricatural para tudo o que ela prega e faz, o tal do protesto a favor. Não raro, recheado de muita teatralidade ritualística, marca do grupo que ela hoje lidera, cujo ativismo à levou ao Presídio Feminino de Brasília, a Colméia, no entorno do Distrito Federal.

Movida por um sonho de mudar o mundo e de fazer parte de uma revolução, – qualquer revolução, pelo visto –, a jovem Sara Fernanda, que saiu de São Carlos em 2012 para importar da Ucrânia o principal grupo neofeminista da década passada, não conseguiu concretizar o que acalenta. Mas, na tentativa de chegar lá, ela se converteu em uma das figuras centrais do bolsonarismo.

No meio do caminho entre o interior paulista e a Penitenciária da Colméia, Sara diz que passou por prostituição, estupro e violência doméstica na adolescência, flertou com o nazismo e o integralismo e cometeu um aborto na juventude. Há apenas cinco anos, estava nua e grávida na Avenida Paulista, protestando contra os desvios do Petrolão “para pagar festas de luxo e prostituição”, e a favor de “parto humanizado”.

Ela chegou a ter uma cruz de ferro – símbolo usado na Alemanha de Hitler – tatuada no peito, o que disse ser “um erro do passado”. Segundo seu irmão e desafeto, Diego Giromini, 37 anos, a jovem Sara Winter “levou para dentro de casa” neonazistas e skinheads, o que ela nega. A relação com Diego sempre foi conturbada. Sara acusa o irmão de violência doméstica. “Ah ela sempre diz isso aí sobre mim e sobre meu pai. Sara sempre foi uma menina muito rebelde e que queria chamar a atenção de qualquer jeito, como você vê hoje”, diz.

Por outro lado, em entrevistas no início da década passada, Sara relatou que seu irmão mais velho, Tiago, a apoiou quando ela decidiu viajar à Ucrânia em 2012 para ser treinada pelas fundadoras do Femen, cuja principal bandeira era a luta contra o turismo sexual. O contato havia começado no final de 2011 e levou a militante a receber um auxílio de mil dólares para viabilizar a empreitada, que contou ainda com uma vaquinha online.

Em Kiev, Winter relata que aprendeu técnicas de ação não-violenta e o que ela chama de “marketing de guerrilha” e “como usar a imprensa a seu favor”. Diz ela que as instruções eram tão específicas a ponto de orientarem as posições e poses que as ativistas deveriam fazer durante protestos. Também na capital ucraniana, a brasileira foi detida pela polícia local em um protesto do lado de fora do Estádio Olímpico, enquanto Iker Casillas levantava a taça da Eurocopa daquele ano pela Espanha. Como se vê, ela sempre gostou de estar no centro da confusão. E de ser reconhecida por isso.

A parceria com as ucranianas durou pouco. Em 2013, a matriz rompeu com a filial verde-amarela, acusando Sara Winter de desviar recursos que haviam sido enviados da Europa para financiar as ações do grupo no país. A brasileira sempre rechaçou as denúncias. Alega que a sede mudou de orientação ideológica por influência de doadores franceses.

O nascimento do pequeno Hector, em 2015, filho de um homem com quem a jovem nunca chegou a ter um relacionamento, marcou a inflexão na vida de Sara. A partir daí, ela passou a se aproximar da Igreja e se afastou do feminismo, invertendo o sinal de sua militância nas redes sociais. Na Justiça, selou o destino do menor por meio de uma conciliação judicial, que garantiu a ela e sua mãe, Regina Fátima, a guarda da criança, que pode ver o pai aos finais de semana em São Carlos.

A partir de 2016, intensificou a sua militância, filiando-se ao PSC, partido do então deputado Jair Bolsonaro. Foi vice-presidente nacional da juventude do partido, mergulhando intensamente na vida partidária, onde chegou a fazer campanha para Flavio Bolsonaro, candidato a prefeito do Rio de Janeiro naquele ano. Dois anos mais tarde, seguiu Jair Bolsonaro mais uma vez: deixou o PSC e filiou-se ao PSL do Rio de Janeiro, onde ficou por apenas um mês.

No abril pré-eleitoral, foi apadrinhada pelo deputado federal Sóstenes Cavalcante, do Democratas, que convenceu a direção fluminense do partido a abraçar a candidatura. À época, a chegada de Sara ao DEM foi bem vista por todas as alas da legenda, mas por um motivo bem pragmático: a chegada dela ajudaria o partido a cumprir a cota de candidaturas femininas.

Porém, ao contrário do que ocorreu no PSC, Sara nunca quis se envolver na vida partidária do DEM. Sua única preocupação na legenda foi saber o quanto seu padrinho político iria conseguir para ela do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o FEFC, também conhecido como fundão eleitoral. Conseguiu R$ 25 mil da direção da legenda.

O dinheiro foi bem aproveitado. Além de pagar militantes, propaganda política, advogada e alimentação, a grana bancou a aquisição de um computador pessoal, cervejas, rodízios de sushi e até cigarros. É o que revelam documentos de prestação de contas da candidata aos quais Crusoé teve acesso.

A farra regada a dinheiro público culminou com a derrota na eleição. Com apenas 17.246 votos, ela ficou como 13ª suplente da coligação que contou com DEM, MDB e partidos do Centrão, como PP e PTB. A aventura eleitoral de Sara Winter ajudou a eleger o deputado federal Rodrigo Maia, que obteve 74.232 votos naquele ano.

Sara Winter também viveu seu inverno nos tribunais. Ela teve as contas rejeitadas pela Justiça Eleitoral do Rio de Janeiro e foi condenada a devolver a verba que recebeu do fundão, e com a qual se lambuzou. Segundo as informações disponíveis no processo, a dívida ainda não foi paga. Sem que a situação seja regularizada, Sara Fernanda Giromini não tem acesso à certidão de quitação eleitoral, documento que serve como “comprovação de que o eleitor encontra-se na plenitude do gozo dos seus direitos políticos”, segundo o TSE.

Tal fato não impediu que o Ministério da Mulher Família e Direitos Humanos nomeasse, em maio de 2019, Sara Fernanda Giromini para o cargo de “Coordenadora de Atenção Integral à Gestante e à Maternidade do Departamento de Promoção da Dignidade da Mulher da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres”, na pasta de Damares Alves. Em Brasília, a ativista ocupou um cargo com salário de R$ 5,6 mil até outubro do ano passado.

Só que o cargo ocupado pela ativista exige, conforme decreto de Jair Bolsonaro, que a ocupante apresente “experiência profissional de, no mínimo, dois anos em atividades correlatas às áreas de atuação do órgão ou da entidade ou em áreas relacionadas às atribuições e às competências do cargo ou da função”.

Sara Winter informou a Damares Alves que trabalhou durante quatro anos como conselheira voluntária da Casa Pró-Vida São Frei Galvão, no Rio de Janeiro. O trabalho voluntário foi considerado pelo ministério como suficiente para comprovar a experiência profissional exigida. “Limitado ao conteúdo emanado do referido Decreto, frente ao conteúdo do Currículo, tem-se que a ex-servidora preencheu o requisito”, escreve Luciano Bragagnolo, subsecretário de orçamento e administração do MMFDH, em documento oficial.

Porém, a Lei do Serviço Voluntário considera que o voluntariado é “a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada de fins não lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa” e “não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou afim”. Se bem que, para Sara, lei é apenas um detalhe.

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