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‘Bolsonaro foi o único presidente a falar dos ataques à Igreja na Nicarágua’, diz socióloga

18.08.22 19:18

Jair Bolsonaro foi o único presidente em exercício até agora a se manifestar contra os ataques aos membros da Igreja Católica na ditadura de Daniel Ortega, na Nicarágua.

Quando esteve na Federação de Bancos do Brasil, a Febraban, Bolsonaro mostrou uma foto de Lula com Ortega e disse: “A fotografia antiga com nosso ‘prezado’ Daniel Ortega, da Nicarágua, que ontem decidiu fechar todas as rádios católicas do país“.

Além dele, nenhum presidente da região levantou a voz. O papa Francisco também não deu um único pio.

Crusoé conversou com a socióloga nicaraguense Elvira Cuadra, diretora do Centro de Estudos Transdisciplinares da América Central, Cetcam, para entender a falta de solidariedade com os nicaraguenses no exterior. Segue a entrevista.

ReproduçãoReproduçãoElvira Cuadra, que precisou se exilar na Costa Rica
Como está hoje a situação da Igreja Católica na Nicarágua?Neste ano de 2022, aumentou muito o número de ataques contra a Igreja Católica, assim como ocorreu uma elevação no nível de violência governamental. Um dos acontecimentos mais relevantes foi a expulsão do núncio apostólico, o representante do Vaticano, em fevereiro. Também foram canceladas as pessoas jurídicas de várias organizações religiosas sem fins de lucro. Isso golpeou não só as igrejas, como também as pessoas que dependiam delas. Muitas dessas organizações eram filantrópicas, de caridade. Mais recentemente, foram fechados vários meios de comunicação, principalmente rádios religiosas nas zonas rurais. Também temos visto muita perseguição aos sacerdotes. Três foram presos. Dois foram acusados de delitos comuns e um terceiro está detido sem justificativa. Também há vários sacerdotes sitiados em suas igrejas. Estimo que sejam mais de dez. O principal deles é o monsenhor Rolando Alvarez (foto principal), da diocese de Matagalpa. A polícia ocupou todas as casas e ruas próximas e impede que os fiéis se aproximem para levar remédios e alimentos para ele. Algumas pessoas foram intimadas a se apresentar na delegacia por terem demonstrado apoio ao monsenhor.

Por que Daniel Ortega recrudesceu os ataques à Igreja recentemente?
Minha hipótese é que Ortega e sua esposa e vice Rosario Murillo queriam continuar na Presidência com alguma porcentagem de legitimidade da população. Eles imaginavam que as pessoas sairiam para votar em novembro do ano passado. Mas, como a porcentagem de abstenção foi muito alta, essa continuidade não ganhou qualquer legitimidade, e também não foi aceita pela comunidade internacional. Agora, Ortega quer recompor isso à força. A pressão sobre a Igreja Católica é para forçar a hierarquia católica a apoiá-lo e, assim, dar a ele essa legitimação que ele não conseguiu nas urnas. A mesma coisa vale para os empresários privados. Ortega quer submetê-los para virar a página da crise social e política.

Por que o papa Francisco não se pronunciou?
Em primeiro lugar, o papa pensa que os bispos nicaraguenses podem resolver a situação sem recorrer aos níveis superiores da hierarquia. A ideia então é deixar um espaço para que eles consigam lidar com o problema sozinhos. A segunda explicação é que uma intervenção do papa subiria a tensão. Ortega e Murillo não gostariam disso e poderiam ficar ainda mais violentos. 

O papa disse recentemente que tem uma “relação humana” com o ditador cubano Raúl Castro. Que relação ele tem com Daniel Ortega?
Não se conhece alguma relação direta entre os dois. Com a expulsão do núncio, a relação com o Vaticano ficou muito tensa. Não há canais de comunicação.

O papa está em silêncio porque tem alguma afinidade ideológica com Ortega?
Não acredito nisso. Penso que é mais porque o Vaticano é um Estado como qualquer outro, que precisa se mover com base no cálculo político e a partir da análise das oportunidades.

No dia 8 de agosto, o presidente brasileiro Bolsonaro mostrou uma foto de Lula com Daniel Ortega e disse: “A fotografia antiga com o nosso ‘prezado’ Daniel Ortega, da Nicarágua, que ontem decidiu fechar todas as rádios católicas do país“. Algum outro presidente em exercício se pronunciou a respeito?
Entre os que ainda governam, não. Bolsonaro foi o único presidente a falar sobre os ataques à Igreja na Nicarágua.

Mas a América Latina é um continente tão católico… Como explicar esse silêncio?
Acho que é porque o cenário latino-americano tem mudado. Hoje há uma maioria de governos que se denominam progressistas. Eles estão adotando uma posição bastante cautelosa.

O Partido dos Trabalhadores, PT, celebrou a última eleição de Ortega como umagrande manifestação popular e democrática. Esse apoio teve alguma repercussão na Nicarágua?
Não. O Brasil está muito longe. Os vínculos do PT com organizações nicaraguenses são muito limitados. As pessoas veem com alguma suspeita o apoio de Lula para Ortega. Os nicaraguenses não gostam muito disso. 

Por que a sra. deixou a Nicarágua e está vivendo na Costa Rica?
Estudo movimentos sociais, cultura política, conflitos e temas de segurança. Dois dos centros aos quais eu estava associada foram fechados, em 2018. Então, passou a ser arriscado seguir no país. Além disso, como falo sobre Exército, polícia e grupos paramilitares, ficar na Nicarágua implicaria muito risco.

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  1. ...quem diria, o ortega revolucionário derrubou o ditador sanguinário somoza vencendo os contras apoiados pelos americanos com o apoio de toda a américa latina agora imita descaradamente seu antecessor matando e esfolando a oposição. o cara pegou o gosto pelo poder e agora nem pensa em "largar o osso" tal como somoza que fugiu para a Argentina onde foi alvo de uma bazuca, arma antitanque americana usada pelos tupamaros para explodir seu carro blindado. vejamos o destino de ortega!

  2. Impressionante como o povo assiste a tudo isso de forma narcotizada, não consegue reagir, não consegue se mobilizar, não consegue contestar, vai se acostumando com esse novo normal e caminhando em direção a falência e a destruição da sociedade como um todo. __ Bolsonaro até 2026, nossa última TRINCHEIRA contra o neo-comunismo, agora travestido de "progressistas".

    1. Duda, há um erro de digitação em "não muito gostam disso", acho que era para ser "não gostam muito disso".

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