Adriano Machado/Crusoé

Citado em delação na Lava Jato, Wassef aparece como beneficiário de pagamentos da investigada Fecomércio

26.08.20 21:14

Para além de suas ligações com a família Bolsonaro, com Fabrício Queiroz e com a gigante JBS, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, o advogado Frederick Wassef é personagem de mais uma rumorosa trama sob investigação: ele recebeu, indiretamente, recursos da Fecomércio Rio, investigada por despejar milhões de reais em escritórios de advocacia e por tentar comprar decisões em tribunais de Brasília.

Em razão desse caso, Wassef é mencionado no acordo de delação premiada assinado recentemente com o Ministério Público Federal pelo notório Orlando Diniz, ex-presidente da entidade, investigado por operar o esquema.

O escritório de Frederick Wassef recebeu pelo menos 2,6 milhões de reais para auxiliar uma banca de São Paulo em supostas investigações internas na Fecomércio. O trabalho foi encomendado por Diniz.

O pagamento consta do mesmo relatório do Coaf que, conforme Crusoé revelou na semana passada, lista repasses de mais de 9 milhões de reais da JBS para o advogado ligado ao presidente Jair Bolsonaro e a seu filho 01, o senador Flávio Bolsonaro.

A banca de Wassef recebeu os 2,6 milhões do escritório da advogada paulista Luiza Nagib Eluf. A Crusoé, ela afirmou ter sido contratada para fazer uma investigação interna na Fecomércio, na tentativa de descobrir supostos vazamentos de informação, e que decidiu subcontratar Wassef para auxiliar no trabalho.

A se confirmar, a explicação de Luiza Eluf para a transferência do dinheiro a Wassef descortina uma faceta diferente da atuação dele como advogado: a de especialista em investigações privadas.

A Crusoé, Luiza Eluf afirmou que chamou Wassef pela expertise dele no tipo de trabalho desejado pela Fecomércio e pela amizade com o advogado – ela diz ser amiga dele desde os tempos em que era procuradora de Justiça no Ministério Público de São Paulo. A advogada também é amiga da empresária Cristina Boner, ex-mulher de Wassef. O trabalho para a Fecomércio, diz ela, teria durado cerca de dois anos.

Luiza Eluf afirma que os serviços contratados pela Fecomércio foram todos executados: “Foi tudo absolutamente lícito, dentro da lei, com impostos pagos, tudo certinho”. Quanto aos valores, ela afirma que os honorários “podem parecer grandes” porque muitos profissionais trabalharam no caso e porque advogados precisaram se deslocar vários vezes do Rio de Janeiro. “Foi uma coisa grande, mas é algo antigo, não tem nada a ver com o que está acontecendo agora.” Wassef não foi localizado.

Há tempos, nos bastidores, Frederick Wassef é apontado como alguém que cultiva relações próximas – e informais – com órgãos de investigação de diferentes estados. É a primeira vez, porém, que vem à luz um caso concreto em que ele aparece como “investigador”. Não está claro, até o momento, quais serviços exatamente ele prestou sob encomenda de Diniz. Na semana passada, ao explicar os pagamentos milionários a Wassef, a JBS afirmou, sem dar mais detalhes, que ele foi contratado pela companhia para atuar em “inquéritos policiais”.

Os contratos milionários da Fecomércio com escritórios de advocacia do eixo Rio-São Paulo-Brasília são alvo de investigação da força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro. A entidade controlada por Orlando Diniz, que chegou a ser preso em 2018 em uma das fases da operação, despejou mais de 180 milhões de reais em diversas bancas — algumas renomadas, outras nem tanto.

À altura dos pagamentos, Diniz tentava a todo custo se manter no comando da federação em meio a uma disputa de poder com a Confederação Nacional do Comércio, a CNC, que queria desalojá-lo. No acordo de delação que fechou com recentemente a Procuradoria, ele explica as razões dos pagamentos. Entre os beneficiários, além de Luiza Eluf, a advogada que subcontratou Wassef, estão escritórios de familiares de ministros de tribunais superiores e a banca de Roberto Teixeira, compadre do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Como Crusoé já mostrou, outro delator, o ex-governador Sérgio Cabral, de quem Diniz era aliado, afirmou que uma parte dos pagamentos foi feita com o objetivo de obter decisões favoráveis em Brasília, inclusive no Superior Tribunal de Justiça. A mulher de Cabral, Adriana Ancelmo, também consta do rol de advogados que se beneficiaram de contratos milionários com a Fecomércio.

Nesta quarta-feira, 26, o Antagonista mostrou que em outubro de 2011 a mesma Luiza Eluf, à época ainda procuradora em São Paulo, foi recebida junto com Wassef pelo então vice-presidente Michel Temer, àquela altura no exercício da Presidência da República.

Na semana passada, Crusoé revelou que Wassef tem usado de sua proximidade com o poder para tratar de interesses de seus clientes, inclusive informalmente. No final do ano passado, ele visitou a Procuradoria-Geral da República para defender a manutenção do acordo de delação premiada da JBS, que está em vias de ser anulado, o que pode levar Joesley e Wesley Batista de volta à prisão.

A visita de Wassef à PGR para conversar com procuradores encarregados de cuidar dos processos relacionados à Lava Jato foi precedida de um pedido do presidente Jair Bolsonaro ao procurador-geral da República, Augusto Aras, para que o advogado fosse atendido. Crusoé também revelou que, antes da reunião, sem tocar diretamente no assunto, o próprio presidente da República chegou a telefonar para o subprocurador que receberia Wassef, José Adonis Callou de Araújo Sá, então coordenador do grupo de trabalho da Lava Jato na PGR. Callou encerrou a reunião ao saber que Wassef não tinha procuração para defender os interesses da JBS – ou seja, ele queria tratar do assunto de maneira informal.

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