Reprodução/redes sociaisNão foi desta vez: o caciquismo, o adesismo e o fisiologismo sufocaram todas as chances de uma candidatura de centro vingar

Obcecado com o centro

O centro tem de mostrar os dentes para todos que tentam minar as bases de uma sociedade aberta e plural. Ele ainda precisa ser inventado no Brasil
08.05.22 17:07

Nas eleições de 2018, perguntei a Geraldo Alckmin, que então procurava crescer entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, por que ele não se apresentava como um candidato de centro. Sua resposta foi: “O centro não existe”. Isso me deixou confuso, pois a campanha do atual vice de Lula tentava posicioná-lo como a “alternativa moderada aos radicais de esquerda e direita”. No fim, concluí que para Alckmin o centro não tem substância própria e só consegue se definir em relação aos extremos, a cada momento político.

Como passei todo o mandato de Jair Bolsonaro obcecado com a questão do centro (e continuo assim), acabei descobrindo que a ideia de que não se pode defini-lo de antemão, mas somente em situações específicas, é antiquíssima. Ela remonta a Aristóteles, dois mil e quinhentos anos atrás, e tem a ver com sua teoria das virtudes, consideradas justamente como um ponto médio entre extremidades. O que decorre daí é a defesa não de um conjunto de ideias, mas de um certo jeito de fazer política. O político de centro pratica a moderação, a prudência, a civilidade, a tolerância e atitudes afins. 

Eu não penso que o centro se resume a um estilo de fazer política. Limitado a isso, ele rapidamente descamba em Centrão – que é o falso elogio a todas as virtudes citadas acima, por gente que só faz pose e não quer se comprometer com nada (ou melhor, só com aquilo que lhe traz proveito).

A substância da política de centro vem da história, mais que do pensamento abstrato. Consiste na defesa de todas as práticas e instituições que se mostraram eficientes ao longo do tempo em permitir que gente que tem crenças, gostos, origens, ambições e projetos de vida muito diferentes, e até mesmo incompatíveis, viva em um mesmo lugar sem acabar se matando, ou sendo politicamente subjugada por um único grupo. Essas práticas e instituições vão desde o livre comércio até a tripartição de poderes, por exemplo. Os santos padroeiros da política de centro são gente como Adam Smith e Montesquieu, em vez de  Aristóteles. 

Entendida dessa forma, a política de centro precisa ser combativa, porque sempre há gente querendo dizer que cabe ao Estado direcionar a atividade econômica ou regular a mídia, assim como outros argumentando que o país precisa de um bedel mal-humorado, como o Exército, para manter as crianças sentadas, ou deve trancar em guetos minorias que se tornam assanhadas. O centro tem de mostrar os dentes para todos que tentam minar as bases de uma sociedade aberta e plural. 

O centro, nesses sentido, não existe mesmo no Brasil. Talvez porque os políticos achem que a tarefa de defender as regras do jogo é chata demais, ou repetitiva demais, ou secundária em relação a coisas mais urgentes. Isso simplesmente não é verdade. Há pouca coisa que esteja sob ameaça mais constante no Brasil do que as regras do jogo. Abraçar essa causa talvez não seja a maneira mais fácil de construir uma carreira política, mas com um pouco de graça e engenho suponho que seja possível fazer isso até no Tik Tok. 

Por algum tempo, eu achei que uma legítima política de centro ia surgir nestas eleições. Raramente as condições foram mais propícias, porque tanto o PT quanto Bolsonaro têm no seu histórico exemplos mais ou menos salientes da famosa tentação autoritária. Mas o caciquismo, o adesismo e o fisiologismo sufocaram todas as chances de unificação da Terceira Via, e trinta e sete dias de campanha eleitoral não tornarão viável nenhuma candidatura que a esta altura do campeonato ainda está engatinhando – muito menos várias. Não foi desta vez. Mas a tarefa de inventar o centro precisa ser cumprida no Brasil. 

 

 

 

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  1. Meu amigo, excelente artigo. Mas ainda não joguei a toalha. Ainda que falte a faca na boca para abraçar a causa do equilíbrio e da ponderação, aposto na Simone Tebet para Presidente. A Erundina ganhou do Maluf em São Paulo em poucos dias antes da eleição.

  2. Caro, Graieb, seu artigo me lembrou das ideias de João Pereira Coutinho, que se esconde n´A Gazeta do Povo e é lido por muito pouca gente. Não dá prá convencer o Mário e o Diogo a trazê-lo para colaborar com a Crusoé?

  3. Pois é... Continuamos expostos e queimados na fogueira das vaidades. A única possibilidade de sucesso da terceira via depende exatamente do bom senso e da abnegação entorno de um projeto politico nacional. Falta projeto, falta bom senso, falta visão. Em meio a tudo isso fica cada vez mais distante a possibilidade de acabar com os extremismos reinantes no nosso querido Brasil. Só nos resta a possibilidade remota de renovação do Congresso Nacional. VOTO FAXINA, minha gente! Renovação já!

  4. No Brasil não há políticos que pensem em construir um país próspero, seja na direita, esquerda, centro ou centrão. Todos só pensam em como tirar proveito da situação em benefício próprio.

  5. Afirmo q o Centro é formado p/ imensa maioria do povo brasileiro. O potencial d Sérgio Moro é enorme. A maioria está calada aguardando as peças do xadrez eleitoral se mexerem. O povo sabe que os extremos q se apresentam atualmente são desonestos e incompetentes. Passei a última semana na cidade de Santos. Na praia conversei c/ 5 pessoas diferentes e todos não confiam em Bolsonaro e Lula...Então percebo q as pesquisas não refletem a realidade e tenho esperança q surja 1 ótimo candidato da 3ª via!

  6. A esperança era a campanha do MORO, que foi desmontada no nascedouro pelo PODEMOS, e concluída pelo UNIÃO BRASIL, que de união não tem nada. Uma vergonha!

  7. A esperança nunca morre! Sofremos de terrível ausência de verdadeiros líderes. Estadistas sem os quais teremos campeonatos de mediocridades, tutelados por "donos" de siglas eleitorais vazias de civilidade, no lugar de democracia. As leis e instituições republicanas são tão sólidas quanto o caráter dos líderes de um povo.

  8. Realmente não há centro no país da ignorância ... temos os extremos oportunistas e os estremados ladrões com o povo tendo de escolher sempre o ma menor.

    1. Devemos fazer duas coisas meu caro ... renovar totalmente a Câmara e o Senado principalmente este último que tem um poder imenso mas não tem um presidente digno da instituição e do país ... e no caso do executivo infelizmente sem um tertius teremos mais uma vez de escolher o mal menor ... finalmente QUE ZEUS TENHA PIEDADE DE NÓS ... medite nisto.

  9. Excelente artigo, parabens! A pratica politica de centro é real, mas no Brasil nao temos politicos de centro - ou pelo menos não se mostraram até agora - mas sim um bando de oportunistas esperando para tender para um dos extremos que me melhor lhe convier. Politica de centro combina com uma democracia madura e um capitalismo civilizado - ou pelo menos menos selvagem.

  10. Muito pertinente este artigo. Eu sou um otimista que ainda teremos um ambiente favorável para construção de uma politica efetiva de centro no Brasil. O pensamento foi criado, agora é buscar a adesão e seleção de pessoas que carregam as virtudes de um ponto médio entre as extremidades.

  11. O UB que de união não tem nada, nadica é uma sociedade que nasceu morta. Os espertos do DEM viu na receita do PSL( BIVAR) a forma de crescer e sufocar BIVAR por ter maior densidade eleitoral. BIVAR que não é nada bobo buscou MORO para um contra ataque no momento correto, após as convenções. BIVAR renunciará a candidatura antes do início do horário eleitoral para salvar os candidatos a deputados de seu partido de origem neutralizando os caciques do DEM, vamos que vamos, temos que acreditar

  12. Excelente texto, Carlos Graieb. E em relação ao centro no Brasil, posso dar o exemplo do União Brasil que para mim está cada vez mais claro, que Bivar quer torrar o dinheiro do partido para se tornar conhecido e depois desistir e ser candidato a presidente e voltar a ser candidato a deputado federal, a única intenção é não gastar o dinheiro do partido em candidatura de Dória ou Simone Tebet.

  13. Da maneira mais simplista possível o centro, ( que diga-se não é o centrão, são coisas totalmente diversas ) seria tudo que não está solidificado nos extremos radicais . E aproveita o que é positivo e pode ser intercambiado no campo das ideias , entre um ponto e outro pelo bem da administração pública .

  14. O problema que não existe politicos sérios e éticos para um centro na politica brasileira , que existe são politiqueiros, demagogos e interesseiros para com seus clubes ou nichos.

  15. Só entra quem é ladrao ! Da esquerda até a direita passando peoo Centro e lefalizado pelos juízes ….

  16. É triste e doloroso. Mas não só de políticos-caciques, adesistas e fisiológicos é feita esta nação. Ela também é habitada por cidadões-eleitores parvos, que ainda se deixam enganar pelo asqueroso Bolsonaro, e por um ex-presidiário corrupto. Por favor, concidadãos, acordem, votem em qualquer um, que não Lula ou Bolsonaro!

  17. O político novo na carreira pode até pensar no bem estar do povo mas, uma vez lá dentro, é corrompido de dentro para fora e se junta dos atuais políticos que só pensam em si próprios.

    1. Marcos, espernear sem objetivo não leva a nada. Concordo com Graieb. Já passou da hora mas parece que o brasileiro gosta de ser tutelado pelo estado, de direita ou de esquerda o eterno estado paternalista. Dá menos trabalho, né?

    2. a direita também é um mal a ser evitado. Só nos resta espernear.

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