Mateus Bonomi/Crusoé

Criticado até pela PF, projeto antiterrorismo abre brecha para governo perseguir oposição

08.12.21 07:05

Ao apresentar conceitos vagos sobre monitoramento de grupos suspeitos, o projeto de lei que trata sobre ações antiterroristas, proposto pelo deputado bolsonarista major Vitor Hugo (foto), do PSL, traz riscos de perseguição a movimentos sociais e a grupos de oposição ao governo. A avaliação é de entidades que analisaram a proposta e de deputados ouvidos por Crusoé. Críticas ao conteúdo do projeto também são feitas pela própria Polícia Federal.

O parlamentar reapresentou, com modificações, um texto originalmente protocolado pelo então deputado Jair Bolsonaro em 2016. Aprovado em setembro por uma Comissão Especial da Câmara por 22 votos a 7, o projeto está pronto para ser votado pelo plenário. Na semana passada, chegou a ser pautado o seu pedido de urgência, mas uma articulação da oposição barrou a iniciativa. Nesta semana, o relator Ubiratan Sanderson, do PSL, fará novo esforço para que o texto tenha uma análise célere.

Acompanhado de perto pela tropa de choque do presidente na Câmara, Arthur Lira, o projeto institui o Sistema Nacional Contraterrorista, que prevê coordenação nacional de sistemas de inteligência e gerência sobre polícias. A própria falta de indícios concretos sobre terrorismo em território nacional levanta questões sobre a utilidade da proposta. 

“Não conseguimos entender a urgência da apreciação desse projeto de lei quando não há situação de risco conhecido. Não há nada que indique necessidade de aprovação. Facilmente pode-se correr o risco de manifestações sociais e críticas, algo natural, sejam enxergadas como base de atuação terrorista”, opina o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Ubiratan Cazetta. 

O diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Lima, diz que a iniciativa esvazia atribuições do Ministério da Justiça e dos governos estaduais. “Esse projeto é a tradução do bolsonarismo mais raiz que temos hoje. A vontade de controlar tudo e todos e sobretudo com o aparato de força do estado”.

Em nota, a PF se manifestou de maneira contrária ao conteúdo da proposta. O texto diz que “o projeto encontra-se eivado de equívocos e falhas insuperáveis, salvo melhor juízo, e cria estruturas de governança redundantes e desnecessárias”. A PF ainda afirma que ações denominadas no projeto como “contraterroristas preventivas ordinárias” já são contempladas pela PF e estão em pleno funcionamento.

O relator afirma que fez 30 modificações no texto atendendo a pedidos do Exército, da PF e da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin: “Chegando ao plenário, se tiver mais alguma correção, vamos fazer”

Abaixo, os pontos mais polêmicos da proposta

O que diz o projeto: institui o Sistema Nacional Contraterrorista para integrar atividades de planejamento e de execução das ações contraterroristas. Caberá ao órgão coordenar atividades de preparo e de emprego das forças militares e policiais e das unidades de inteligência.

Por que é controverso: a agência restringe competências das Forças Armadas, dos governadores, centralizando comando das polícias no governo federal. “Viraria uma enorme caixa-preta o que seria discutido ali”, afirma o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Lima.

O que diz o projeto: no caso das ações contraterroristas preventivas extraordinárias realizadas em território nacional, o emprego das unidades estratégicas terá como pressuposto a decretação de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio ou da Garantia da Lei e da Ordem.

Por que é controverso: o texto tira dos governadores a prerrogativa de solicitar ao governo federal o pedido de GLO, o que dá poder ao presidente sobre todo território nacional sem compartilhar decisões com os governadores. A inclusão da GLO como instrumento de combate ao terrorismo preocupa o deputado Marcel van Hattem, do Novo. “É um ponto ruim do projeto e, certamente, se for a votação vamos nos manifestar e fazer a ponderação de que este item deve ser retirado”.

O que diz o projeto: a lei será aplicada para prevenir e reprimir a execução de atos preparatórios que, embora não tipificado como crime de terrorismo, seja perigoso para a vida humana ou alguma infraestrutura ou serviço público.

Por que é controverso: o texto expande o escopo de aplicação e pode limitar o exercício de liberdades, colocando em risco atores da sociedade civil e representantes de entidades. Abre brecha para a inclusão de manifestações públicas, protestos, greves e qualquer ação e manifestação individual que afetar políticas públicas.

O que diz o projeto: fatos associados ou que possam estar ligados a terrorismo são alvos de operação de inteligência para identificação de formas de atuação, fontes de financiamento, meios de recrutamentos e propaganda. 

Por que é controverso: o termo “que possam estar associados” dá amplitude à finalidade do texto, considerando que a lei se propõe a focar em atividades contraterroristas. Abre possibilidade de operações de inteligência serem aplicadas a um conceito expandido de terrorismo, invadindo privacidade e intimidade.

O que diz o projeto: o poder público protegerá a identidade de agentes públicos que atuarem em ações contraterroristas, inclusive por meio de autorização de uso da identidade vinculada de segurança. 

Por que é controverso: agentes do estado receberiam nova identidade regulamentada pelo poder executivo, sem exigência prévia de autorização judicial ou manifestação do Ministério Público. A nova identidade poderia ser usada dentro do contexto de monitoramento e infiltração.

O que diz o projeto: agentes públicos envolvidos em ações contraterroristas poderão utilizar técnicas operacionais sigilosas específicas para prevenir ou combater a ameaça terrorista.

Por que é controverso: institui sistema paralelo de vigilância que avança sobre o princípio de sigilo. Na avaliação da deputada Fernanda Melchionna, do Psol, o projeto cria uma “estrutura lateral tipo DOI-CODI”, órgão de controle usado na Ditadura Militar. “É uma licença para monitorar suspeitos e quebrar todo tipo de privacidade. Um aparato de vigilância para uma estrutura paralela e à revelia dos governos estaduais”, afirma a parlamentar.

O que diz o projeto: a infiltração em organizações será autorizada se houver indícios de condução de atos preparatórios de crime de terrorismo.

Por que é controverso: abre possibilidade de criminalização de indícios ou meras intenções, sem que sequer o delito tenha iniciado. No entendimento de Ubiratan Cazetta, da ANPR, ações de vigilância e inteligência devem ser acionadas a partir de motivos reais: “Todo sistema de contra inteligência é invasivo, se mexe com privacidade e intimidade de qualquer pessoa precisa de uma base mínima que permita dizer porque a pessoa é alvo e se há elementos mínimos. Não é impossível legislar sobre isso, mas exige maturidade e um imenso cuidado”.

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