Adriano Machado/Crusoé

De repente, o mundo descobre um brasileiro pouco cordial

09.01.23 10:42

Surpresa! Um Brasil violento aparece nas manchetes da imprensa mundial.

A famosa expressão do historiador Sérgio Buarque de Holanda, sobre o brasileiro cordial, tantas vezes mal interpretada, mas muitas vezes mais repetida à exaustão, não deve ser muito conhecida no exterior, mas o fato é que mundo tinha exatamente essa imagem do brasileiro médio: um cidadão pacato, folgazão, amigo de todos, sempre disposto à música e à diversão e bem mais associado às imagens de praias e do Carnaval do que ao trabalho duro. A despeito de um ex-presidente carrancudo, mal-educado e inimigo da natureza, prevalecia a noção de que o brasileiro comum era um cidadão simpático, acolhedor, propenso ao futebol-arte, antes que a esses esportes brutos ou à luta livre, apreciados pelos americanos.

O Capitólio tupiniquim do 8 de janeiro veio desmentir, ou desvelar, o ledo engano. A invasão e a depredação, não de apenas um, mas de três poderes simultaneamente, levaram às primeiras chamadas do noticiário internacional, e às primeiras páginas dos jornais, assim como das novas mídias, imagens deploráveis de novos bárbaros tentando derrubar pela força um novo governo legitimamente eleito pouco mais de dois meses antes. Não se deploram mortos como no Capitólio dos trumpistas, mas o cenário de destruição depois da passagem dos hunos bolsonaristas (foto) foi ainda mais devastador do que em Washington. De repente, quase sem aviso, o que eram “manifestações de protesto” – segundo os apoiadores dos vândalos – se converteram em cenas de fúria desenfreada, prontamente reproduzidas em quase todos os canais de informação nos quatro cantos do planeta.

A reação de muitas autoridades mundiais foi também imediata. Poucos minutos após a transmissão das primeiras imagens, declarações, notas e mensagens de indignação e de solidariedade passaram a ser prontamente divulgadas pelos mesmos canais da mídia mundial. Da Argentina à Venezuela, passando por Cuba e Estados Unidos, no hemisfério, da Áustria ao Timor Leste, ao redor do mundo, chefes de Estado, de governo, diretores de organizações multilaterais e de organismos regionais emitiram notas e fizeram pronunciamentos em defesa da democracia brasileira e condenando o que parecia ser, e talvez fosse efetivamente, uma tentativa golpista, no mais puro estilo Donald Trump, inclusive com as mesmas indecisões exibidas pelos órgãos de segurança nos dois casos. O mundo foi então apresentado à face menos risonha do brasileiro supostamente cordial e boa praça, aparecendo em seu lugar um bando de trogloditas enrolados na bandeira nacional. Tudo isso muito pouco depois que o mundo deplorou, de forma unânime, o desaparecimento do rei do futebol, o maior atleta do mundo, o brasileiro mais conhecido do mundo, o “passaporte Pelé”, que salvou a vida de mais de um repórter trabalhando em zonas inóspitas e perigosas.

Imediatamente após as primeiras notícias de Brasília, pelo menos cinco autoridades da União Europeia – os presidentes do Conselho, da Comissão e do Parlamento comunitário, o comissário de relações exteriores e o representante diplomático acreditado no Brasil – emitiram notas, declarações e tuites lamentando o evento e hipotecando solidariedade. Assim também fizeram vários governos europeus na pronta sequência. Na América Latina, não só líderes nacionais dos executivos, mas responsáveis de outros poderes, inclusive do Judiciário, também se manifestaram prontamente. Dos Estados Unidos, tanto o presidente Joe Biden e o secretário de Estado saíram em defesa da democracia no Brasil, além do diretor da OEA e dos conselhos editoriais dos grandes jornais e organismos sediados em Washington; da capital americana, o novo diretor do BID, o brasileiro Ilan Goldfajn, tuitou sua mensagem no primeiro minuto. Letônia, Malta, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Celac, também emitiram seus comunicados. Comissões de juristas, responsáveis de ONGs humanitárias e o próprio Conselho de Segurança da ONU tampouco faltaram na lista das primeiras manifestações de preocupações com a estabilidade democrática no Brasil.

O tom geral é de condenação à tentativa de golpe, ainda que os militares brasileiros – tão criticados no passado por uma das ditaduras mais longevas da América Latina – tenham permanecido estranhamente silenciosos durante a ascensão dos golpistas claramente ligados ao presidente derrotado em outubro passado. A maior parte das declarações é de confiança, ainda que puramente formal, na solidez democrática das instituições públicas, embora o mundo conheça o nosso histórico de impeachments, bem ou malsucedidos. O presidente da Argentina, Alberto Fernández – o primeiro a receber uma próxima visita de Lula – deu uma entrevista ao vivo, e à quente, à BandNews na qual não descartou cumplicidades em altos escalões das instituições públicas para que a tentativa de golpe chegasse tão longe no ataque ao coração das principais instituições do Estado brasileiro, o que nenhum outro dirigente estrangeiro ousou ainda aventar. De fato, os golpistas não teriam chegado tão longe se não contassem com uma sólida rede de apoios, tanto entre dirigentes do setor privado apoiadores da agenda reacionária de Bolsonaro, quanto da conivência de comandantes no alto escalão das Forças Armadas, amplamente beneficiadas pelas prebendas do ex-chefe.

O que o atentado frustrado à democracia implica para a imagem do Brasil no mundo? O baixo crescimento brasileiro, as declarações estatizantes e contra o equilíbrio fiscal do presidente recém-empossado e a própria possibilidade de recessão na economia mundial já sinalizavam, desde a formação do governo nas últimas semanas de 2022, perspectivas pouco auspiciosas para a atração de investimentos diretos suscetíveis de criar novos empregos e de dinamizar as exportações, via programas de reindustrialização do setor produtivo. Ameaças de instabilidade política podem representar caução redobrada por parte de empresários interessados no mercado local e, sobretudo, de fundos de investimento apenas financeiros, pois que temerosos de novas turbulências políticas que afetem as reformas mais esperadas pelos mercados: tributária, regulatória, do próprio Mercosul, que ainda é, a despeito de todos os contratempos, a segunda união aduaneira mais relevante no mundo, depois da UE.

Por outro lado, a pronta reação das autoridades, a responsabilização dos autores dos atos atentatórios às instituições e a inédita união – talvez de circunstância – entre os três poderes na defesa da democracia apontam para uma convergência de intenções, na classe política, no sentido de eliminar pela raiz esse tipo de ameaça antidemocrática, pois que poucos parlamentares de direita – e eles são muitos nesta nova legislatura – ousarão apoiar ou enveredar por uma oposição doravante identificada como propensa à quebra das instituições ou da normalidade democrática. Pode-se até dizer, com alguma suspeita de subjetividade em defesa da democracia, que diminuiu sobremaneira a possibilidade de consolidação de uma extrema-direita no país, retornando o sistema político brasileiro ao usual costumeiro, que é a da alternância entre governos oligárquicos ou populistas, sempre controlados, em última instância, por uma maioria conservadora no Congresso.

De todo modo, pode também ter diminuído a confiança dos grandes parceiros do Brasil no Ocidente desenvolvido numa rápida recondução do país aos canais centrais que se espera de um país plenamente integrado aos cânones usuais dos sistemas democráticos: um governo dispondo da confiança da maioria da população para empreender grandes reformas que são urgentemente demandadas numa agenda quase consensual de governança, em especial no domínio ambiental, a área que mais sofreu sob o desgoverno destruidor anterior. Nessa mesma linha, a relutância do Brasil em seguir o Ocidente na condenação veemente da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, assim como declarações do presidente e do seu principal assessor internacional contrárias a uma rápida adesão do Brasil à OCDE podem turvar um cenário que se apresentava como claramente favorável a esse retorno do país ao antigo grande protagonismo diplomático internacional que vinha praticamente desde o início da redemocratização. O terceiro-mundismo de Lula, sua adesão à fantasmagoria de um tal de Sul Global e a aliança no quadro do BRICS não perturbaram gravemente esse protagonismo.

Pelo menos para a fração democrática do mundo, Donald Trump e Jair Bolsonaro representaram – talvez ainda representem – ameaças à necessária convergência de valores na governança das democracias de mercado, o que se converte em uma agenda ainda mais crucial, no momento em que duas grandes autocracias parecem sinalizar uma competição mais agressiva vis-à-vis o Ocidente liberal, no sentido de oferecer uma outra “ordem mundial” que não é exatamente aquela desenhada em Bretton Woods, instituída em San Francisco e mantida contra ventos e marés durante o longo período de confrontação na geopolítica bipolar dos anos de Guerra Fria. Já a aliança do Brasil e da Índia no quadro do Brics a essas duas potências autoritárias enfraquece a necessária unidade do campo democrático na defesa de valores e princípios que sempre foram os da diplomacia brasileira, desde o Barão do Rio Branco, de Rui Barbosa, de Oswaldo Aranha, de San Tiago Dantas e de Celso Lafer no quadro do multilateralismo atual, que tem como eixo central a defesa intransigente do Direito Internacional.

As primeiras reações de Lula aos dramáticos eventos do Capitólio bolsonarista deram ao mundo a impressão de um dirigente partidário mais voltado para o lado ideológico dos embates contra seus atuais inimigos, do que a reafirmação do tino racional de um líder político com estatura de estadista mundial, como ele era visto até o presente momento. Espera-se, de modo otimista, que ele faça de suas próximas visitas já programadas – à Argentina, aos Estados Unidos e à China – novas plataformas para a plena reinserção do Brasil ao mundo e não apenas reafirme o Brasil num papel de mero protagonista típico de um país emergente, ainda lutando para reformar uma democracia de baixa qualidade. Oxalá!

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  1. Sinceramente escreveu pra caramba e não disse nada....um bla, bla, bla interminável que no final não sabemos se o autor condena ou sei lá o que sobre o ato. Ainda tenho fé que a CRUSOÉ volta aos tempos de Maynard, e vou aguardar mais um pouco, mas se continuar em cima do muro...faço como os demais SAIO FORA.

  2. putz, cerca de 2005 o congresso invadido 1a. vez pela esquerda e nova/ em 2016 c/ mais violência; agora c/ violência extrema todos os poderes pela pessoal da direita. pelo andar da carruagem e pelo comportamento dos três poderes que não se fazem respeitar, uma quarta invasão está a caminho e pelo jeito teremos uma revolução francesa com guilhotina e tudo o mais!!!!!

  3. Engano seu .O presidente além de INELEGIVEl(pôde ser candidato porque a suprema corte ,no TAPETÃO o legalisou, sem contar que houve proteção do TSE para lula na condução do pleito

  4. A Revista Crosué abandona seu passado, vende o seu presente e aluga o seu futuro. Somente a marca Crusoé, valia muito mais do que os patrocínios que vocês passarão a receber com essa nova postura que ,obviamente, não poderia contar com a conivência de Diogo Maynard e Mario Sabino. Não abro mais o aplicativo, esperando apenas o prazo da minha assinatura se encerrar para colocar esse "veículo de comunicação" entre os quais não mais visitarei em busca de notícias isentas e verdadeiras. Meus pêsames

    1. concordo plenamente, não tenho aqui numa intenção de ler essa enganação. Hoje prefiro prestar muito nhã solidariedade a Dona Nilma, manifestante patriota, que moelrreu num galpão onde se encontrava pressa acusada sem prova de atos terrorista, possivelmente sua arma foi um celular e uma bandeira do Brasil. Ipocritas!

    2. Paulo, faço minhas suas palavras. Também não consigo abrir o aplicativo para ler qualquer artigo. Pedi cancelamento da assinatura e aguardo a data do término. Triste fim da CRUSOÉ!

  5. O momento pede aceitar a democracia possível, com repulsa a golpe e terrorismo que deve ser punido. O Brasil necessita ter líderes genuinos que o levem a progredir, priorizando o atendimento dos mais necessitados. Nessa linha, o Governo( não importa se de direita ou de esquerda) deveria um amplo plano, crível e duradouro, de educação profissionalizante( nada de universidade sem qualidade), priorizando para isso recursos orçamentários. Devemos cobrar os políticos para que isso se torne realidade.

    1. terrível golpe dos patriotas, ficaram 60 dias, no QG, pacificamente, para num domingo, tudo vazio ir fazer quebra , quebra. criem vergonha na cara e noticiem verdades

  6. Em geral a imprensa desconsidera o fato de que Lula foi derrotado pelo eleitorado do sul e Sudeste. E , especialmente, no Distrito Federal. Talvez aí a raiz do silêncio e inatividade em geral diante dos atos da turba.

  7. Quando o autor se refere aos "quatro cantos do mundo" não estaria a reafirmar o terraplanismo ? Um esferoide de revolução, como é o caso de "nosso" planeta, não exibe "cantos"; uma "terra plana", sim.

  8. Como se pode ser cordial quando se tem um STF que não respeita a constituição? É notoriamente parcial e leniente com poderosos e ladrões do nosso suado dinheiro? Como descondena notório corrupto por conta de firulas processuais? Os petistas já destruíram mesas e cadeiras do congresso não faz muito tempo. Nunca foram chamados de terroristas. MST sempre foi violento, nunca foram chamados de terroristas. Minha indignação me leva a apoiar esses atos de ontem, mesmo que triste para nosso patrimoni

  9. Parece que estão todos fazendo de conta que os atos de vandalismo de ontem são só por causa das eleições. Boa parte da sociedade, desprezada por não ser de esquerda, está indignada com a facilidade com que os três poderes fazem pouco da aplicação da lei. Os gastos para os reparos dos danos aos prédios públicos serão imensamente inferiores ao que foi saqueado dos cofres públicos pelo atual presidente da República e outros que o apoiam. Não se deve desprezar metade do povo.

    1. Maurício, perda de tempo tentar colocar lucidez na cabeça de um bolsonarista. Não existe, de nenhuma perspectiva lógica e coerente, a mínima possibilidade de se defender o que fizeram ontem em Brasília. Conseguiram ser tão baixos e desprezíveis como sempre foram os mortadelas petistas raivosos do MTST e outros. Tudo o que esse país não precisa é de Black-Blocks da direita querendo rivalizar com o baixo nível dos Black-Blocks da extrema esquerda. Teve até um doente abaixando as calças e defecando

    2. JOSE, essa retórica golpista não funciona mais. Todos já estão cansados de saber que um dos que trabalhou arduamente para tornar o Lula elegível foi o Bolsonaro. Ele precisava de um vilão malvado para conseguir polarizar o pleito, pois as pesquisas mostravam que ele perdia para qualquer um q não fosse o Lula. Já os bolsonaristas em geral, esses são zumbis que aceitaram bovinamente muitos absurdos do ex-mandatario, pois já ficou claro q não passam de gado e massa de manobra.

    3. pois é Ana, perfeito sua colocação, não se espera o retorno do Bolsonaro, eu pelo menos não, mas o que não dá pra concordar é ser governado por uma quadrilha, ladrões do erário público, fingindo que nada aconteceu, que quase levaram o pais à falência,,,,,

    4. O problema, Ana Lucia, é que os fantasiados de verde e amarelo estavam lá para defender um desgoverno que fez tanto mal para a nação quanto o que vc acertadamente ataca em seu comentário. A mudança tem de vir por um caminho novo e dentro da regra constitucional e democrática duramente conquistada com suor, lagrimas e sangue. Uma ruptura institucional no momento atual de nosso país não ajudará em nada a sairmos desse buraco em que nos metemos.

  10. Eu acho, que a água dos manifestantes do 1° Fora Lula estava com energético. No seco Festival do Futuro (sem picanha) não se viu tamanha animação. A América Latina é uma generalização geopolítica para formar um bloco político bananeiro desprezando os bárbaros, também os franceses e os mexicanos.

  11. A tecnologia levou o brasileiro a ser consciente de sua realidade e cansamos de ser os capachos da humanidade e um povo humilhado, violado estuprado por líderes de seus poderes institucionais pode ser tentado a cortar os pescoços de seus algozes e ontem vimos uma amostra disto algo que há anos alerto por tão óbvio mas nossas instituições estão tão pôdres que perderam a dignidade, a sanidade e a compostura e se nada for feito muitos perderemos as cabeças nas guilhotinas dos insanos ditadores.

  12. Perdoe-me a simplicidade, não sou a favor de um ou de outro, acho todos eles absolutamente dispensáveis sob qualquer ponto de vista, mas (respiro), chamar de ESTADISTA, o atual presidente (com letra minúscula mesmo...), é um completo delírio quase que retirado de um roteiro de um filme de Tim Burton. Seremos sim, e sempre, apenas "meros", nunca protagonistas de coisa alguma. Perdemos consistentemente as nossas chances de fazer o melhor possível, desde sempre.

  13. Os brasileiros (os bem minúsculos, assim de letras bem minúsculas) primitivos, bárbaros, selvagens, boçais, ignorantes, incônscios, imorais, marginais, perversos, ladrões, degradados e degradantes, nocivos, exatamente como os seus ídolos, ficaram completamente nus, expondo suas vergonhas 'imorais' ao planeta inteiro. Em horas arrasaram com a nossa credibilidade e ótima imagem construídas por GRANDES BRASILEIROS, DECENTES, ÍNTEGROS E VERDADEIRAMENTE PATRIOTAS durante séculos.

  14. Lula estava hesitante ontem. Não mostrou firmeza, apostou de novo no nós contra eles, não foi presidente de todos. A insistência em se manter só junto aos seus ajuda a radicalizar mais ainda o ambiente. Aliás, lembrem-se, ele disse, no discurso de posse, que foi golpe que derrubou Dilma, a despeito da chancela do Congresso e do STF.

  15. Quais prebendas? Sou militar e não recebi nenhuma! Mostra aí que eu quero ver!!! Pare de espalhar mentiras!!!

    1. Também percebi ilações sem substância desse senhor. Uma verdadeira falta de compromisso do autor. O que ocorreu foi inaceitável, mas há muita porcaria misturada a esses fatos. Os senhores que ocupam esses poderes, via decregra, devem.muita satisfação para a Sociedade, assim como o atual presidente e seu antecessor.

    2. Que ignorância! Se você soubesse o significado de "prebendas", saberia que ele está falando dos milhares de "bandeira 2" acolhidos pelo governo bolsonaro.

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