Cancillería de Ecuador

EXCLUSIVO: Diplomatas fazem ‘manifesto em defesa’ do Itamaraty

20.12.18 18:15

Preocupados com os rumos que a política externa brasileira possa tomar a partir de 2019, diplomatas da ativa e aposentados redigiram um manifesto em defesa do Itamaraty. O texto critica as “intromissões religiosas”, “desvios políticos” e “preconceitos ideológicos” que já teriam emergido nas falas do futuro chanceler Ernesto Araújo, a quem seus colegas consideram “despreparado”. A carta é anônima, pois seus autores temem represálias e muitos têm parentes em cargos públicos. Segue abaixo o texto, que já circulou pelas caixas de email de diversos embaixadores do Brasil:

“Um grupo de diplomatas de diversas situações funcionais – da ativa e aposentados, de terceiros secretários a embaixadores, da Secretaria de Estado e de diversos postos no exterior – articulados em função de conhecimento pessoal, amizade de longa data, convivência ao longo dos anos e animados por um sentimento comum, decidem vir a público com vistas a externar sua desconformidade com os rumos preocupantes a que vem sendo levada a instituição para a qual fizeram concurso, em diferentes épocas, e à qual veem servindo, alguns desde décadas, outros há poucos anos, mas congregados por um sentimento comum de descontentamento, e até mesmo de repúdio, em função do cenário lamentável a que o Brasil e o próprio Itamaraty podem estar sendo conduzidos a partir da designação de um colega diplomata manifestamente despreparado para assumir o cargo de ministro de Estado das Relações Exteriores.

Vários dos que assinamos, apenas virtualmente, este manifesto, conhecemos pessoalmente esse diplomata, trabalhamos com ele, em épocas e postos diversos, e confessamos nossa apreciação por um profissional que sempre apresentou-se como um correto funcionário do Serviço Exterior do Brasil, que sempre foi invariavelmente correto e cordato no desempenho de suas funções, mas também confessamos nossa total surpresa com o conjunto de declarações ou escritos sob responsabilidade do eventual futuro chefe da diplomacia brasileira, uma vez que tais expressões de suas crenças e orientações não condizem em nada com o que acreditamos deva ser uma diplomacia correta, consensual, isenta de intromissões religiosas, desprovida de desvios políticos e de preconceitos ideológicos, que acreditamos devam estar completamente afastados do exercício da diplomacia do Brasil.

O fato de não assinarmos esta declaração se prende à convicção de que aqueles dentre nós que ainda estão ativos na carreira poderiam vir a sofrer retaliações indevidas no exercício de suas funções, algumas destas em nível de chefia, em diversos escalões, e também porque acreditamos que tal declaração não deveria existir, dados os critérios de profissionalismo que regulam nossa vida funcional. Apenas fomos levados a fazê-la dada a gravidade, para não dizer o ridículo, de algumas das manifestações do designado, que nos constrangem profundamente, quando não ofendem ao próprio Brasil, em vista do absurdo de algumas delas, misturando preconceitos que são completamente alheios à atividade diplomática e sentimentos pessoais, de natureza religiosa, que são estranhos à representação externa de um país secular, religiosamente diversificado, formado por um cadinho multirracial de povos das mais diversas origens, historicamente tolerante com as mais diversas manifestações políticas, tolerante no plano cultural e aberto as todas as ideias que se vinculam às nossas tradições democráticas e humanitárias.

Pelas manifestações já exaradas por esse colega diplomata, estamos apreensivos quanto à credibilidade internacional do Brasil em face de declarações que contrariam diversos valores e princípios que sempre caracterizaram a política externa do país e o exercício de sua diplomacia profissional. Não nos sentimos representados nem por tal colega, nem partilhamos das ideias que ele vem manifestando – aliás até de forma eticamente irresponsável desde a campanha eleitoral presidencial –, acreditando mesmo que as posições consensuais que o Brasil sempre defendeu em diversos foros internacionais, se substituídas pelas orientações maniqueístas, em certo sentido até fundamentalistas, por ele defendidas, que poderão vir a ser rejeitadas por grande número de parceiros com os quais trabalhamos tradicionalmente, quando não expostas ao ridículo de serem destoantes de tudo o que o Brasil sempre defendeu nesses foros.

Manifestamos, ainda que silenciosamente, nossa total desconformidade com essa designação esdrúxula a diversos títulos.

Somos numericamente pouco numerosos, neste momento, em função das circunstâncias que nos fizeram intercambiar cautelosamente e sigilosamente estas nossas ideias e posições, mas acreditamos que elas representam o sentimento de um conjunto bem mais amplo de colegas, que por respeito a práticas consagradas na Casa de Rio Branco, não pretendem expor-se diretamente no presente momento. Se outras fossem as condições, este manifesto acolheria, provavelmente, a aprovação quase unânime do Itamaraty.

Pretendemos manter nossas identidades preservadas no presente momento, mas o que nos leva a expressar publicamente, ainda que anonimamente, este manifesto é a convicção de que representamos a verdadeira força moral da Casa de Rio Branco, que nunca pretendeu trabalhar por partidos ou bancadas, apenas a serviço do Estado, pelo Brasil.”

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