Agência Brasil

Exclusivo: senha de Olímpio foi usada para registrar emendas com ele já intubado; propostas se opõem ao que o senador defendia

18.03.21 18:01

O Projeto de Lei 4.199/2020, que cria o Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem, conhecido como BR do Mar, recebeu sete emendas protocoladas pelo senador Major Olímpio, do PSL, na tarde desta quarta-feira, 17. Quando os documentos foram inseridos no sistema do Senado, o parlamentar já estava intubado – Olímpio morreu nesta quinta-feira, 18, em decorrência de complicações da Covid-19. O que poderia ser uma ação burocrática de assessores causou grande estranheza no Senado por dois motivos: a tramitação da BR do Mar envolve um milionário jogo de lobby e Major Olímpio era contra o projeto. Em suas redes sociais, há vários discursos contra o projeto de lei da BR do Mar, que ele classificou como “embuste”. O senador chegou a fazer convocações para protestos contra a iniciativa.

O projeto de lei foi aprovado pela Câmara no dia 8 de dezembro e chegou ao Senado dias depois. A proposta trata da navegação de cabotagem, que é realizada entre portos marítimos, com o trânsito próximo à costa. Segundo o Ministério da Infraestrutura, a iniciativa reduz custos do transporte e aumenta a competitividade do país. Uma das fontes de resistência são os caminhoneiros, que temem perder demanda por frete. Mas um fortíssimo lobby de empresas e associações estrangeiras de cabotagem intensificou a pressão em Brasília nos últimos meses, com a intenção de inserir no texto final dispositivos capazes de restringir a concorrência e excluir empresas brasileira do setor.

As emendas apresentadas com a senha do senador Major Olímpio são consideradas extremamente nocivas à concorrência no mercado de transporte, segundo especialistas, contrariando tudo o que ele dizia até então. Em dezembro, o próprio parlamentar fez alertas a respeito do lobby internacional. “Ninguém quer fugir da discussão, mas tem que ser com equilíbrio. Duas das três empresas que vão operar são estrangeiras, eu sei que tem muita grana e muito interesse político envolvido nisso daí. Pelo amor de Deus, vamos arrebentar mais ainda os injustiçados caminhoneiros”, disse Olímpio, ao gravar um vídeo com pedidos para que o presidente Jair Bolsonaro retirasse de tramitação a proposta.

O conteúdo das emendas e a sua inserção no sistema do Senado quando o senador já estava inconsciente chamaram atenção de quem acompanha o projeto. “O posicionamento do senador Major Olímpio sempre foi absolutamente em prol da concorrência. A apresentação dessas emendas em nome dele e em caminho completamente contrário a seus posicionamentos, quando as notícias já davam conta de que estava intubado, nos leva a questionar se alguém fez uso do token dele irregularmente (o token, como os fornecidos por bancos, permite aos senadores autenticar suas propostas)”, afirma Abrahão Salomão, diretor da Logística Brasil, a associação nacional que representa empresas que operam nos portos.

Segundo Salomão, as emendas protocoladas em nome de Major Olímpio levam a uma concentração excessiva do mercado e à cartelização. Um dos dispositivos prevê que empresas brasileiras de navegação são obrigadas a ter uma embarcação, o que restringe a participação de firmas que atuam no setor por meio do aluguel de navios, por exemplo.

No Senado, é comum assessores de senadores terem acesso às senhas dos parlamentares para registrar projetos de lei e emendas em nome dos chefes. As circunstâncias do protocolo das emendas no PL da BR do Mar, entretanto, são  estranhas justamente porque as propostas se chocam com o que o próprio senador defendia.

Major Olímpio estava internado desde o dia 2 de março. Ele chegou a participar de uma sessão remota a partir da cama do hospital no dia 3 de março, mas, pouco depois, o quadro se agravou. No dia 5 de março, ele foi transferido para uma UTI. Crusoé questionou o Senado se haverá uma investigação sobre as emendas registradas após a intubação de Major Olímpio, mas não ainda não teve retorno.

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