Foto: Reprodução/FacebookO paradigma envolvendo o “caso Lula” foi decisivo para as eleições de 2022, na medida que viabilizou uma candidatura

Lula, o mercado e a mediocridade 

27.11.22 10:19

Economia não é minha praia. Quando a conversa sobre taxa Selic e spread fica pesada, minha tentação é pedir que os interlocutores me expliquem as coisas “como seu eu fosse um golden retriever”. Essa expressão marcante não é minha, mas de John Tuld, personagem vivido por Jeremy Irons em Margin Call – O Dia Antes do Fim, bom filme sobre a crise financeira de 2008. CEO de um banco de investimentos, Tuld é na verdade um tubarão se fazendo de cachorro. Já eu sou o legítimo vira-lata caramelo: um bicho ignorante mas atento. E com muitas pulgas atrás da orelha.

Minhas orelhas desconfiadas coçaram demais quando ouvi Lula dizer que o mercado fica “nervoso à toa” com a prioridade que ele deseja dar aos pobres em seu governo, e que o mesmo mercado nunca reagiu desse jeito feio ao longo dos quatro anos de Jair Bolsonaro no poder. Uma pulga memoriosa veio me lembrar que ainda em outubro do ano passado a bolsa caiu quando Paulo Guedes falou em gastos fora do teto de gastos para bancar o auxílio emergencial. Os poodles ignoram o passado e abanam o rabo: Lula confrontou o mercado, o poder financeiro, as elites especulativas, a Faria Lima! A lenda do político de origem popular que contraria os interesses escusos dos ricos não sai abalada nem quando ele viaja para Cairo no jatinho de um amigo empresário.

Não é preciso grande conhecimento econômico para perceber uma série de ambiguidades nas declarações recentes de Lula, que agora vem guardando silêncio, por recomendação médica. É como se ele dissesse uma coisa como ex-presidente e outra como futuro presidente. Na fala que deixou o mercado nervoso, no dia 11, em Brasília, ele lembrou, com orgulho, que seus governos tiveram um histórico de responsabilidade fiscal e de controle da inflação, para em seguida relativizar esses princípios: “Por que as pessoas são obrigadas a sofrer para garantir a tal da responsabilidade fiscal deste país? Por que toda hora falam que é preciso cortar gastos, é preciso fazer superávit, é preciso cumprir teto de gastos?”.

A carta aberta a Lula publicada na Folha de S. Paulo por três economistas da era FHC – Edmar Bacha, Armínio Fraga e Pedro Malan – veio lembrar que as coisas podem se dar no sentido contrário ao previsto pelo petista: o desrespeito à “tal da responsabilidade fiscal” leva as pessoas a sofrerem, pois produz inflação, e são sempre os pobres que mais padecem nesse cenário. Tudo isso foi explicado de forma que até um cocker spaniel entenderia. Para deixar a coisa realmente didática, só faltou ao trio de autores citar casos reais de gastança pública conduzindo ao desastre econômico. Bastaria um só exemplo, ainda fresco na traumatizada memória do país: o governo Dilma Rousseff. Na segunda-feira 21, um grupo de cinco economistas publicou nova carta a Lula para rebater Bacha, Fraga e Malan – e esse novo artigo também passou batido pelos anos Dilma. Até Lula, ao afirmar, no dia 11, que o impeachment de sua sucessora se deu com base na “mentira da pedalada”, deixou de nomeá-la, referindo-se apenas ao “governo de uma mulher”. Quase parece que Dilma Rousseff está se convertendo em tabu.

No mesmo trecho do discurso, Lula expressou seu pasmo com a volta da fome ao Brasil. O pasmo é justificado. Hoje são 33 milhões de brasileiros que se encontram na condição definida por termos ao mesmo tempo técnicos e tétricos: “insegurança alimentar”. Os fatos deveriam obrigar Lula a admitir que a reversão dos indicadores sociais vem de antes de Bolsonaro. Começou no governo da mulher cujo nome ele não declinou no auditório do CCBB de Brasília. A mulher cuja candidatura ele inventou.

***

“Se quando eu terminar esse mandato, cada brasileiro estiver tomando café, almoçando e jantando outra vez, eu terei cumprido a missão da minha vida”, declarou Lula no dia 11. Chorou ao dizer isso. Como ele mesmo admitiu, estava repetindo palavras que já dissera em 2002, ao ser eleito – e também em 2003, quando tomou posse como presidente.

Hábil comunicador popular, Lula sempre soube empregar uma linguagem direta, concreta, palpável. Lembro de um tempo em que ele falava do trabalhador que deseja comer bife acebolado quando volta para casa depois de um dia na fábrica. Mais recentemente, ele vem acenando com a picanha no prato do pobre. Embora professe uma lastimável admiração por ditaduras comunistas, Lula nunca foi um marxista. Longe de ser revolucionária, sua utopia está ao rés do chão: comida, escola, serviços de saúde, proteção social. Devolver a dignidade ao brasileiro, ele disse no CCBB. Na aparência modesto, esse é um projeto exigente, considerado a miséria endêmica de boa parte da população brasileira e os vícios de um Estado clientelista que favorece castas e oligarquias políticas.

De outro lado, o projeto de Lula traz a marca do personalismo e do paternalismo. Meu mandato, minha missão: a insistência no possessivo suscita a impressão de um homem público preocupado sobretudo com a própria imagem. O sonho desse homem é pequeno, medíocre, pois está delimitado por um estreito recorte temporal: “ao final do meu mandato”, disse Lula na posse, em 2003; “quando eu terminar o meu mandato”, repetiu ele neste mês.

Era de se esperar que um grande líder popular apontasse para o futuro, que motivasse aspirações capazes de atravessar gerações. O presidente que exaltava o próprio governo com o bordão “nunca antes neste país” não foi capaz de ampliar essa bazófia em duas palavras simples: “nunca mais”. Que os brasileiros nunca mais passem fome, que nunca mais morram sufocados em hospitais onde falta oxigênio, que nunca mais sofram de doenças próprias de lugares sem saneamento básico, que nunca mais passem por escolas que não conseguem ensinar os rudimentos da língua escrita e da matemática.

Não se trata de fazer promessas demagógicas, mas de inspirar os brasileiros na construção de uma nação digna do nome. Lula não oferece isso. Ou, no máximo, oferece isso só até 31 de dezembro de 2026.

“Depois de mim, o dilúvio”, teria dito um rei francês. Depois do Lula, o choro de Lula?

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  1. Será que a Crosué se arrependeu e está querendo voltar a ser a Crosué? Não sei. Na dúvida não renovarei minha assinatura. Vocês vão ter que bater na porta do Governo do PT. No estouro de gastos, com certeza, tem dinheiro previsto para comprar a mídia e depois cotrola-la da forma como quiserem. Que saudade de Maynard....

    1. creio que a Crusoé continuará crítica e imparcial, seja com qualquer governo. afinal, desde de sua primeira edição, sempre apontando as verdades

  2. Creio que o jornalista sofra um pouco, espero que pequena, de ejaculação precoce Na ânsia de tentar ser o novo guru iluminado , projeta um governo que nem começou Calma, tente as preliminares antes. Costuma funcionar

    1. Não precisa ser guru pois ja vimos esse filme antes

  3. Incrível como vcs da imprensa ainda se iludem ou tentam justificar o político que mais deixou correr solta a roubalheira e se apropriou de um bom pedaço dela. Um verdadeiro pit Bull, insaciável, imoral e ignorante. Sempre pensou nele e só nele, os que tem muito pouco já existiam no seu governo, antes dele e depois dele. Na minha opinião o número de famintos é mais que exagerada, é inflação. Se realmente existissem essas milhares de pessoas seria prato cheio para a imprensa

    1. Não é verdade que o Bozo pensasse só nele: seus filhinhos e ex mulheres também entraram na mamata.

  4. Gostaria de ter informações oficiais a respeito de numero Brasileiros que passam fome. Pois sabemos que existe um auxilio do Governo Federal, justamente para estas pessoas. Favor fazer uma reportagem para os nós mostrar onde estão estes!

  5. Eu só tenho uma frase que me veio a mente nesse momento, ao terminar a leitura. CADA POVO TEM O GOVERNO QUE MERECE. Longe de mim achar que a manutenção do Governo BOZO fosse a solução, mas dentre outras escolhas, esse tal POVO escolheu pra Final os dois piores - um IMBECIL, GROSSEIRO, INSENSÍVEL. e outro - AUTRUISTA, ARROGANTE, CÍNICO. Enfim, essa é a TRAGÉDIA BRASILEIRA.

  6. Agora somos forçados aceitar, goela abaixo, esse governo retirado das trevas pelo STF (e apoiado descaradamente pelo TSE) para governar o Brasil. Infelizmente!

  7. Perfeita a análise. Este cidadão, longe de ser um estadista vai repetir as idéias velhas e ultrapassadas de 20 anos atrás que só deram certo graças a pujança econômica mundial da época. As reformas que o pais exige não serão feitas já que o objetivo será sempre a auto promoção. Culminará seu reinado, mais uma vez indicando um substituto mediocre que não o venha a ofuscar.

  8. Lula, de fato, depois de 4 péssimos mandatos de Lula/Dilma/PT, você conseguiu com corrupção, comprar até o STF! Chega na hora da posse vc vem com "Economia não é minha praia?" Todos sabem que sua praia é a cadeia, portanto se enquadre e governe cortando todos os gastos supérfluos, todos os penduricalhos, privilégios e mordomias dos 3 poderes! Nada de receber favores de amiguinhos comprados com o nosso dinheiro! Viva a Lava Jato!

  9. Abri minha segunda feira e, ao ler este artigo, o sol ficou mais brilhante. Brilhante! Desde o título com a estranha mistura convergente para uma só palavra: mediocridade. Cara do Brasil (infelizmente). Fui ler os comentários- passados 3 dias de sua publicação- sou o 11º (se não for censurado...). Ah, se fosse sobre a Anita... E neles a assombração raivosa direita/esquerda nos aporrinha (que destino, né?). O que fazer? é mais um encosto produzido pelo luloptismo. Atrás de um "mito", a miséria!

    1. Incorretamente, ao ler o artigo, enganei-me que fosse publicação da Revista Crusoé da sexta (25/11) e não do Diário de 27/11. Mantenho totalmente o conteúdo, desculpando-me pelo erro.

  10. Lula teve seu 1º mandato, em 2003, ele e o PT governaram o Pais por mais 14 anos, se tivessem optado por educação de qualidade dada a partir da primeira infancia, hoje teríamos uma geração de 14, a 20 anos, como cidadãos educados e preparados para a vida, sem a necessidade de esmolas como o bolsa família que ele pretender estender a eternidade, como cabresto sem saida. Esse é o Lula da picanha e cerveja !!!

    1. Exato. Infelizmente não interessa ao Lula e aos políticos do nordeste principalmente, que o povo se eduque e evolua. Enquanto houver miseráveis dependendo das bolsas-esmolas, haverá trouxas para eleger populistas.

  11. Em síntese, trocar o Bolsonaro pelo Lula, é ingenuo e errado, para dizer o mínimo. Mudar 180 graus de direção, mesmo com as patinadas do Bolsonaro, vai atrasar mais, o que a pandemia e a guerra já atrasaram, no nosso desempenho econômico. Há muito tempo não tínhamos indices, relativamente, tão bons. Vamos jogar tudo fora, para trilhar caminhos que já foram tentados e não funcionaram. A empáfia e a mediocridade, alem da roubalheira, serão fatais. Fraudes nas urnas, rogai por nós. É a unica saída.

  12. Jerônimo, você é desinformado e ingênuo ou tem má fé? Dizer que Lula nunca foi marxista? Não viu a "conversa sobre o Brasil" dele com Leonardo Boff? Cada vez que abre a boca, o dólar sobe e a bolsa cai - levando os empregos que ele afirma que vai criar. Se tivesse investido em hospitais e saúde não teríamos tantos mortos de Covid. Diante do que vem pela frente, não é para esperar o choro do Lula, mas dos brasileiros que, mais uma vez, caíram no conto do vigário, da picanha, do bolsa família...

  13. Pelo visto, o sr. reporter entendeu muito pouco do que vem pela frente. Lula não vai fazer milagres, ainda que ele o diga. O país precisa de um governo faxineiro, enfermeiro e reformador, pois está em frangalhos. Mas seu não entendimento não me surpreende, afinal, no mínimo um cocker spaniel o seria capaz, e você é apenas um vira-lata amarelo.

    1. Mas o sr. repórter não disse em momento algum que Lula faria milagres. Pelo contrário, foi bem lúcido e crítico quanto ao pouco que se pode esperar dele, lamentavelmente.

  14. Lula é uma incógnita. Cada um enxerga nele o que quer. Consegue acolher projeções contraditórias. A única certeza sobre ele é o projeto de poder a que ele está vinculado.

  15. Lula se “esquece” que o Brasil antes do Bolsonaro, foi comandado por 15 anos pelo PT!!! Porque ele, Lula, não acabou com a fome desse país tão rico e tão pobre de homens/mulheres honestos durante todos esses anos no governo!!! Pobre Brasil!!! 😪😪😭😭😢😢

  16. A esquerda não tem nada a oferecer, assim como a direita radical. A alternativa menos ruim seria o Alckmin assumir o governo. Quem sabe?!

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