Foto: Wikimedia Commons/Tasnim News Agency/Nima Najafzadeh

O Brasil ainda é uma capitania hereditária

06.07.23 08:53

Alexander Dugin (foto), o ideólogo das loucuras de Putin, foi convidado a escrever um artigo num jornalzinho da Escola Superior de Guerra. Ninguém se importa com o que é publicado numa fanzine de militares. Aliás, ninguém se importa com a Escola Superior de Guerra e muito menos com Alexander Dugin, tanto que passou despercebido o fato de Lula, no seu discurso no Foro de São Paulo, ter compartilhado as mesmas ideias do ideólogo das loucuras de Putin, ao relativizar os conceitos de democracia e ditadura para afirmar que os países devem exercer soberania à sua própria maneira.

Provavelmente só eu e os militares da ESG leram as loucuras de Dugin. Ele defende aquela tese, tão inédita quanto a década de 1960, de que os países periféricos devem se unir naquilo que têm de melhor para combater o imperialismo yankee. Para ele, em relação ao Brics, a Rússia é a liderança política incontestável e a China a potência econômica intransferível. Sobrou para a Índia ser um polo tecnológico-industrial e o Brasil uma liderança da América Latina, “cujo enorme potencial ainda não fora manifestado”. Dugin está mal informado. O Brasil manifestou de forma veemente o seu enorme potencial. Foi durante os governos petistas que o Foro de São Paulo deixou de ser um encontro de saudosistas do comunismo soviético para se tornar um grande esquema de corrupção. Segundo a denúncia do finado Ministério Público Federal, José Dirceu teria agido como consultor de empreiteiras para fechar negócios duvidosos com governos parceiros do petismo. E, de acordo com a delação premiada do marqueteiro João Santana, as campanhas petistas foram irrigadas com dinheiro sujo desviado da Petrobrás. A história, endossada por sentenças condenatórias que, como sabemos, já foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal, terminaria com todos os criminosos lavando dinheiro nas mesmas empresas fantasmas abertas em paraísos fiscais caribenhos.

Com a corrupção consolidada na América Latina, a ORCRIM viria a expandir os negócios para a África, superfaturando obras financiadas com dinheiro das estatais, e contribuindo ativamente para empobrecer ainda mais o continente com a mais deplorável renda per capta do mundo.

Até então, vínhamos acreditando que a prosperidade econômica só era possível com democracia e liberdade. A China e a Índia estão demonstrando que um Estado totalitário também pode ser próspero – e tem até vantagens, por não ter de cumprir nenhuma legislação ou regra democrática. O PT, com a expertise do mensalão e do petrolão, já nos mostrou que é possível se manter no poder comprando parlamentares no varejo, com dinheiro roubado dos cofres das estatais.

Mas os analistas políticos parecem não compreender a dinâmica do mundo atual. Enquanto a política continua sendo regida por apocalipses imaginários para ludibriar os eleitores, nossos líderes políticos, nos centros obscuros do poder, cumprem religiosamente os ritos da corrupção, negociando cargos e propinas, além de liberar as verbas do orçamento secreto para garantir a governabilidade.

No final das contas, o ideólogo das loucuras de Putin tem alguma razão. O Brasil seguirá sendo o país “cujo enorme potencial ainda não fora manifestado”. Nunca será uma liderança política nem uma potência econômica no cenário internacional porque aceita ser sempre uma capitania hereditária, incontestável e intransferível.

 

Diogo Chiuso é escritor e autor do livro O que restou da Política, publicado pela editora Noétika

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  1. Caramba, o que andam botando no chazinho dos nossos comandantes de escrivaninha? As ideias vão de Steve Bannon a Dugin, passando por monarquistas, astrólogos e pais de santos. Melhor seria vender o terreno da praia vermelha para um Shopping.

  2. E pensar que estávamos no caminho de conhecer nosso potencial, isto é, se a LAVA-JATO estivesse ainda em ação, e os condenados todos cumprindo suas penas dentro da cadeia. Nada de tornozeleira eletrônica, prisão domiciliar, descondenações etc. Mas, o povão prefere mesmo viver numa Capitania Hereditária. Aí está a maioria da nossa população. Ignorantes sobre o verdadeiro sentido de Democracia.

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