Adriano Machado/Crusoé

O loteamento de ideias

14.05.22 14:21

Sou um advogado que não suporta advogados. Corrigindo: não suporto aquele jeito pomposo que alguns colegas dão à própria postura e escrita. Ora, ora, nobre causídico. Excelência. Data vênia. Um saco. Tenho um amigo que costuma definir o nível de chatice dos advogados perguntando se usam o termo outrossim nas peças jurídicas. Mas tudo isso é mais uma anedota do que uma verdade.

O fato é que desse jeito despretensioso e pretensamente simples, escrevo há muito tempo sobre os caminhos e descaminhos de  minha atuação em defesa de grandes jornalistas e veículos de comunicação e também de profissionais de imprensa que possuem pouco apoio ou estrutura, enquanto consultor jurídico de associações e ONGs, como a Repórteres sem Fronteiras.

Apenas mais recentemente, em espaços como este, tenho me dedicado a tratar de temas relacionados a Direito e Política. Desde então, passei a ser alcunhado por quem me lê de esquerdista ou conservador, petista ou bolsonarista. Quando não é isso, dizem que fiquei em cima do muro. Claro, alguns passaram a me alcunhar também de coisas impublicáveis. Ganhei muitos haters e alguns bons e gentis admiradores.

A polarização da política não é uma novidade. Mas a coisa é mais profunda. Comecei a reparar que me chamam de bolsonarista ou conservador sempre que defendo de forma plena a liberdade; de petista ou esquerdista sempre que defendo a igualdade ou a inclusão. E passei também, de um tempo para cá, a ser chamado de puxa-saco do Supremo Tribunal Federal (STF) quando proponho a defesa da democracia.

Perceba a gravidade do que ocorreu, caro leitor. Da mesma forma que a coroa portuguesa dividiu o Brasil em capitanias hereditárias, e que a Europa recortou a África na Conferência de Berlim, as ideologias políticas lotearam as ideias do país. Os esquerdistas tomaram para si a bandeira de todo e qualquer tema progressista. Os conservadores, sobretudo os mais alinhados ao governo, tomaram para si a liberdade. E agora os ministros do STF falam como se fossem os únicos a representar a democracia.

Apropriaram-se dos temas que lhes interessavam e convenceram a todos que essa era sua bandeira, legitimando uma espécie de lugar de fala. Um colega jornalista, obviamente de forma brincalhona, costuma dizer que o lugar de fala é a boca. Sem brincadeira, o lugar de fala é a apropriação política de um tema, um loteamento ideológico que permite apenas ao legitimado falar e, aos demais, passivamente ouvirem em silêncio.

Se permitirmos que a liberdade, a pauta progressista e a democracia estejam exclusivamente nas mãos de alguns, enquanto os demais ouvem em silêncio, não sobrará nada para o debate. Terei de me dedicar apenas a escrever data vênia, outrossim, Excelência. Um saco.

André Marsiglia é advogado constitucionalista. Especialista em Direito digital e Liberdades de expressão e imprensa. Consultor jurídico da Repórteres sem Fronteiras.  Twitter: marsiglia_andre

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  1. Comentário perfeito ! Aqueles que se julgam legítimos donos dos “lugares de fala” que criam ao seu sabor e talante, pensam que podem nos julgar,enquadradar , rotular e depois no monitorar . Piada pronta . Quem sabe que sabe o que sabe , sempre terá independência , coragem de mudar qdo precisar e as próprias e indelegáveis pautas O resto é blá-blá-blá inconsequente e descartável .

  2. O causídico (kkkkk) se esqueceu de comentar sobre aquela toga horrorosa pra passar uma imagem de seriedade e moralidade, uma piada de mal gosto, em pleno século XXI. É preciso fazer um faxinaço em todo o judiciário, a começar pelos adereços, nas formalidades, nos sem números de processos empilhados, nas mordomias, carros com motoristas, combustível, garçom pra cafézinho, garagista, etc.... O que a sociedade quer é celeridade, eficiencia, e juizes imparciais e não ativistas politicos.

    1. Sim , parecem o vampiro brasileiro do Chico Anísio. Tristes figuras.

    2. Concordo. Acham que estão acima dos brasileiros que os sustentam.

  3. Realmente aguentar o leriado de advogados e juízes é tarefa de dar azia em sonrisal ... o mogivo é simples antigamente os advogados recebiam honorários por palavras escritas ... haja verbo, advérbio, metáforas e pleonasmos em abundância que ninguém lê ... nem o diabo aguenta.

  4. Belo texto, colega. Disse de maneira clara e objetiva, que jornalistas e advogados, não necessariamente nesta ordem, nunca tem razão.

  5. Prezado, não é só o Senhor que depara com titularidades que nunca ousou apoiar. Apesar de ter votado no Bolsonaro (até contribui via TSE para sua campanha), mas ao apontar seus erros e são muitos sou chamado petista, vermelho e comunista. É assim tanto que deixei de trocar conversas com cegos. Simplesmente falo que o sujeito acabou de conseguir um voto para o corrupto Lula.

    1. Com absoluto respeito a seu ponto de vista, mas tenho dificuldade de assimilar essa coisa de não votar de novo no Bolsonaro para se votar em Lula. O caminho mais natural nesse caso, me parece ser o voto em branco. Versão da abstenção. Até porque, faz muita diferença um dois se eleito, o ser não mais por 50 e tantos mas apenas uns 30 milhões de votos. Namastê!

  6. Parabéns eminente Colega! Grande contribuição! Penso que o primeiro golpe em nossa democracia com sua consequente interferência no processo eleitoral, foi dado pelo STF, que anulou 07 anos de combate à corrupção e lançou Lula às eleições com a "fantasia de mártir", sob a qual padece a nação despossuída e humilhada por suas danosas consequências. Namastê!

    1. Nelson imaginemos o que conseguem fazer os bilhões que nos foram roubados e, ... puxados pelo Fachin, criam a história da Carochinha, que depois de n pedidos de HC, recursos e julgamentos limpos na segunda instância,... Curitiba não era o foro legal para julgar o maior larápio deste país: Lula

  7. E o mais triste é que os três grupos citados, que tomaram para si estes "lugares de fala" citados na verdade somente possuem o lugar comum da corrupção, da mentira e da indolência.

    1. Perfeito Tudo ladrão … e aqueles 11 então Jesus Credo

  8. Artigo inspirador! Polarização Bolsonaro/Lula e seus desdobramentos são sintomas de doença mais profunda do organismo social.De certo com origem na estagnação decorrente da CF/88, que implicitamente exigiu geração de excedente de recursos acima do potencial da economia brasileira. É preciso,então, mudar a constituição. A "agenda de reformas" caça culpados ,e pune "privilégios", mas jamais tocou no fundo da questão: a inviabilidade econômica intrínseca da Carta de 88. A Polarização é inevitável.

  9. Esse loteamento ideológico já é péssimo por si só, mas tem um agravante: aqui os conservadores ñ tem nada de conservadores, os esquerdistas não são progressistas e o stf tb não curte totalmente uma democracia, só qdo eles "ditam" as leis... Pelo menos é o q eu vejo, as falas não correspondem aos atos! São só palavras, como na história do lobo e da tartaruga onde ele a chama pra conversar com um garfo e uma faca nas mãos... Seus artigos são ótimos! (E seus vídeos tb!)

  10. Muito bom! Apenas 1 observação divergente: toda profissão tem seu vocabulário técnico ou, de expressividade mais eficaz ou, metafórico que informam melhor suas idéias, suas perspectivas, o posicionamento de funções e a hierarquia em sua área. De modo objetivo, os advogados dirigem-se em suas petições e demais documentações aos seus pares da área jurídica, portanto, expressando-se de um modo quell lhes é familiar e perfeitamente reconhecido e compreensível por eles.

    1. Parabéns e obrigada, Dr. ANDRÉ MARSIGLIA SANTOS, por nos iluminar com a excelência de suas colocações e ponderações!

    2. Parabéns e obrigada, Dr. ANDRÉ MARSIGLIA SANTOS, por nos iluminar com a excelência de suas colocações e ponderações!

    3. Quanto às ideologias, perfeito, é mesmo idiota a maneira como são tratadas e impostas, priorizando suas ""cartilhas"" radicais em detrimento da realidade fática, do posicionamento analítico em relação à diversidade dos casos e eventos concretos, o que é um evidente absurdo!

    4. (corrigindo erro de digitação...)...."de um modo que lhes é familiar"....

    5. É claro que, com seus clientes a abordagem dos assuntos pertinentes é operada de outra maneira, adaptada ao alcance leigo, a menos, é claro, que o cliente seja da mesma área ou conexa. O mesmo ocorre por exemplo com os economistas, os médicos, os engenheiros, os pedagogos, os físicos, os empresários etc... Normal... é assim mesmo que os profissionais comunicam-se mais eficazmente em suas respectivas áreas.

    6. É claro que, com seus clientes a abordagem dos assuntos pertinentes é operada de outra maneira, adaptada ao alcance leigo, a menos, é claro, que o cliente seja da mesma área ou conexa. O mesmo ocorre por exemplo com os economistas, os médicos, os engenheiros, os pedagogos, os físicos, os empresários etc... Normal... é assim mesmo que os profissionais comunicam-se mais eficazmente em suas respectivas áreas.

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