Gustavo Ferreira / MREDaniel Ortega e seu grande camarada Lula: bússola moral desgovernada

Ortega aplica punição “mais primitiva que a tortura” contra adversários

10.02.23 16:35

A viagem de Lula aos Estados Unidos, onde deve se encontrar nesta sexta-feira com o presidente americano Joe Biden para falar de democracia e direitos humanos, entre outros temas, coincidiu com a chegada em solo americano de 222 pessoas nascidas na Nicarágua e expulsas do país pelo asqueroso Daniel Ortega – um dos ditadores que, segundo Lula, devem ser tratados “com carinho” pela comunidade internacional.

A fórmula “pessoas nascidas na Nicarágua”, usada linhas acima no lugar de um simples  “nicaraguenses”, tem uma razão de ser. Decorre da dose extra de perversidade que separa este caso de outros em que pessoas são forçadas a deixar seu país natal por regimes autoritários. É que antes da expulsão, num parlamento controlado por seus comparsas, Ortega aprovou às pressas (ou seja, atropelando os ritos legislativos), uma lei que tornou apátridas os deportados. 

Em outras palavras, aqueles 222 que desembarcaram nos Estados Unidos quase ao mesmo tempo que Lula já não podem ser chamados de nicaraguenses. Eles foram privados de sua nacionalidade, de todos os direitos no país onde nasceram, e ficarão no limbo até que regularizem sua situação no país de Biden ou em outro que os acolha.

Essa medida, que arranca brutalmente as raízes de uma pessoa e a deixa à deriva no mundo, é uma aberração do ponto de vista jurídico. A Nicarágua é signatária, desde 2013, da Convenção das Nações Unidas Sobre Redução da Apatridia, de 1961. Em seu artigo 9º, o documento estabelece que os países aderentes “não podem privar pessoas ou grupos de pessoas de sua nacionalidade por razões étnicas, religiosas ou políticas”.

Ortega e seus simpatizantes dirão que existe uma brecha nessa proibição: um dos incisos do artigo anterior, o 8º, diz ser admissível que pessoas que “se conduziram de maneira seriamente prejudicial aos interesses vitais do Estado” sejam privadas da cidadania e da nacionalidade. Ora, a lei de aprovação relâmpago do Congresso nicaraguense qualificou os adversários de Ortega como “traidores da pátria”. Seria então perfeitamente legítimo transformar essas pessoas que atentaram contra os interesses vitais do Estado. A farsa é óbvia. E a maneira sumária como as condenações e as expulsões aconteceram desrespeita outra regra da Convenção da ONU, que demanda a garantia de um processo justo, diante de uma corte independente, para quem pode sofrer um castigo tão extremado.

Além de ser um aborto jurídico, a ação de Ortega não tem desculpa do ponto de vista moral. A filósofa alemã Hannah Arendt é uma referência na reflexão sobre os apátridas. Durante a II Guerra Mundial, ela mesma, como outros milhões de judeus, havia sido despida de sua cidadania pelos nazistas. Em 1949, Arendt observou que pessoas privadas do vínculo com qualquer país se viam subitamente privadas de algo muito mais fundamental: “o direito de ter direitos”.  Segundo ela, pertencer a uma comunidade política era o prerrequisito  sem o qual “nenhum outro direito poderia se materializar”. Anos mais tarde, em 1955, a filósofa diria que a privação da cidadania “poderia ser contada entre os crimes contra a humanidade”. 

Em 1958, a Suprema Corte dos Estados Unidos também discutia o problema dos apátridas. A punição havia sido aplicada a muitos americanos que, durante a II Guerra, cometeram atos de traição. A conclusão final da corte foi que tornar alguém apátrida era uma medida “cruel e incomum”, incompatível com a constituição americana. Autor do voto da maioria, o juiz Earl Warren disse que a retirada da nacionalidade era um castigo “mais primitivo que a tortura”, que equivalia à “total destruição do status do indivíduo na sociedade organizada”. 

Essas e outras discussões semelhantes culminaram na Convenção da ONU que procura impedir que a condição de apatridia se torne uma sina permanente para quem foi atingido por ela. Tudo isso, há mais de 60 anos. O problema desde então não parou de crescer. Estima-se que hoje existam 10 milhões de apátridas no mundo – pessoas que não pertencem a lugar nenhum. São aqueles arrancados de suas casas por miséria, guerras e perseguições. Entre esses, os 222 de Ortega aparecem como vítimas de um regime sinistro que procura esconder sua truculência sob o verniz de leis fajutas e da camaradagem de líderes que, como Lula, têm a bússola moral desgovernada nas questões internacionais.

Até onde apurei, o Itamaraty nada disse sobre os apátridas de Daniel Ortega, provavelmente sob a justificativa hipócrita de que o Brasil não interfere nas decisões internas de outros países. Em entrevista nesta sexta-feira, o chanceler Mauro Vieira, que acompanha Lula em Washington, disse que o Brasil “saiu de cima do muro” no seu posicionamento sobre a guerra da Ucrânia e passou a reconhecer que ela se deve a uma agressão injustificada da Rússia. Quando se trata da Nicarágua, de Cuba ou da Venezuela, a diplomacia petista já desceu do muro há muito tempo, para dar apoio a quem é violento e cruel. É de se perguntar se algum dia vão decidir passar para o outro lado.

 

 

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  1. Os iguais também se atraem e se juntam, uma vez que baixeza moral costuma ser o liame, a coincidência de torpeza de caráter, que patrocina essas malditas parcerias…

  2. Lula, todos enxergamos o sr não gosta do Brasil nem de pobres. Tudo hipocrisia. O Sr gosta de poder, mordomia, roubo e malandragem. Esse seu dedo nunca foi bem explicado. Dê uma demonstração de dignidade ao ao BRASIL. RENUNCIE E E DEIXE O VICE TERMINAR ESSA TRAGEDIA. EM 2026, NEM PT NEM BOZO. ESPERO.

  3. O sonho de Lula é ser o Ortega do Brasil. Sempre foi um canalha se fazendo de vítima. O bandido é tão ruim que nem o câncer gruda nele, infelizmente. Esse corrupto, encantador de serpente, ainda vai pagar todo mal que fez e faz ao Brasil. Tenho fé 🙏🙏🙏

  4. O discurso de “baluarte da democracia” do MuLLa é pura hipocrisia. Nelson Rodrigues criou a definição definitiva pra gente da sua laia: “CANALHA INTEGRAL”.

    1. . SÔNIA o que a justiça faz a meu ver é bem pior senão vejamos,. parlamentares são impedidos de "parlar" presos e condenados ao estupro da constituição, um ladrão é descondenado pelo que deveria ser uma suprema corte a achar que erraram o CEP e chefes de tráfico antecedem a soltura do "latro moris" .. sob a premissa absurda de punir alguns criminosos vândalos facilitados pelos poderes centenas de brasileiros ditos "terroristas" sob tortura e prisão ilegal e novos pôdres poderes fingem não ver.

  5. Esses ícones de assassinatos coletivos por vias diversas, formam uma facção criminosa planetária tão repugnantemente primitiva, que merecem todos os seus marginais genocidas, um fim tão primitivo quanto eles próprios: o mesmo fim que desinfestou o planeta dos sadams e kafafis. Quando será que o BRASIL tratará """com esse mesmo carinho""", os seus ladrões genocidas, ao invés de elegê-los e reelegê-los presidentes da república???

    1. Que texto excelente, CARLOS GRAIEB, obrigada por ele!!!

  6. Ortega é asqueroso, Lula é asqueroso (e ex-presidiário), os eleitores do Nine são asquerosos. Espero que consigamos chegar a 2026 e, uma vez lá, tenhamos um candidato decente em quem votar. #nemlulanembolsonaro. Bozo é um cretino, mas todo o mal que venha a afligir o país será culpa de uma imprensa irresponsável, insana, indigna, os “press”titutos.

    1. O mal que atinge o país são eleitores que se realizam adorando " santos do pau oco ".

    2. E sabe por que tudo é assim? Porque todos eles, governantes, justiça, imprensa, são o espelho do povo. Aliás, todos eles vêm do povo, não poderiam ser diferentes.

  7. Este Ortega é asqueroso mesmo, e o Lula tem de modernizar seu discurso em relação a estas ditaduras sul-americanas

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