Putin rouba grãos da Ucrânia e reaviva memórias da tragédia da Holodomor

Seja no período da Rússia czarista, na União Soviética ou durante a ocupação nazista, a Ucrânia foi vista pelos governantes estrangeiros, em Moscou ou em Berlim, como uma fornecedora compulsória de trigo, sem qualquer preocupação pelo bem-estar de seus habitantes. Com o avanço da guerra na Ucrânia, o presidente russo Vladimir Putin mostra que segue nessa mesma toada.

Nesta sexta, 29, o Ministério de Relações Exteriores da Ucrânia divulgou um comunicado condenando o confisco de grãos de fazendeiros da região de Kherson. Esta semana, eles foram obrigados pelas Forças Armadas russas a dar 70% da produção aos invasores, sem qualquer retribuição. Em algumas regiões, interventores foram autorizados a “expropriar os excedentes de produção” dos ucranianos. Trens e comboios de caminhões com a letra “z“, ligada a Putin, têm sido vistos repletos de grãos entrando na península da Crimeia, ocupada pelos russos em 2014 (foto).

“Essa decisão é nada mais do que uma continuação direta da política criminosa soviética, que foi responsável por fome massivas, produzidas pelo homem, em 1921-1922, a Holodomor em 1932-1933, e a fome artificial massiva de 1946-1947. A Rússia segue os passos dos stalinistas e nazistas ao roubar grãos, ato que os invasores chamam de ‘expropriação’“, diz o texto. O Ministério também acusa a Rússia de impedir a plantação de sementes e de destruir as máquinas agrícolas.

Em 1928, o ditador soviético Josef Stalin decretou o Plano Quinquenal, com o objetivo de transformar a URSS em uma potência industrial. Para importar máquinas com moeda forte, ele passou a exportar produtos agrícolas, como grãos e manteiga. Fazendeiros e suas famílias que resistiram ao confisco foram fuzilados ou enviados para trabalho forçado em regiões distantes, como a Sibéria. A população das cidades interioranas ficou completamente sem comida. Milhares foram mendigar por pão em Moscou. O saldo foi 3,9 milhões de mortos entre 1932 e 1933 na Ucrânia. A catástrofe humanitária ficou conhecida como a Holodomor, neologismo que significa “morte pela fome“.

Este ano, o fantasma da fome voltou a assombrar a população. Segundo um relatório do Programa Mundial de Alimentos da ONU, publicado em abril, mais de um quarto dos habitantes da Ucrânia tiveram de deixar suas casas. Desses, mais da metade precisam de ajuda para obter comida. Entre os que se deslocaram internamente na Ucrânia, mais de um quarto das famílias com crianças com até 5 anos relataram dificuldades em alimentar os filhos nos dois meses de guerra.