A primeira-ministra Sanna Marin: pena que os escândalos brasileiros não sejam como os da Finlândia

Sanna, o salmão e o nazista

Sobre como a livre-associação me levou da entrevista de Bolsonaro, à pesca de um general nazista e ao rebolado da primeira-ministra finlandesa
28.08.22 12:01

Eu me lembrei de Sanna Marin subitamente, na segunda-feira à noite. Pensei: “tenho de escrever uma coluna sobre Sanna Marin”.

O problema é que Sanna Marin é a primeira-ministra da Finlândia, e eu não acompanho a política finlandesa regularmente (aliás, nem irregularmente). Sei que o país, incentivado pela agressão de Vladimir Putin à Ucrânia, está na fila para entrar na OTAN, junto com a Suécia. Está aí uma questão de inegável importância geopolítica, mas não é por causa dela que a atenção pública (e com ela a minha própria atenção) voltou-se para a primeira-ministra finlandesa nas últimas semanas.

Ocorre que imagens de Sanna Marin rebolando até o chão em uma festa ganharam as redes, o que parece ter provocado uma ligeira crise na política doméstica finlandesa. Eu aprovo a balada da primeira-ministra. Também aprovo a entrada da Finlândia na Otan. Só não aprovo o pedido de desculpas que Sanna Marin fez à nação quando vieram a público fotos de duas moças de topless que estiveram na sua festa (por que a brava nação finlandesa se ofenderia com isso?).

Minha aprovação ou desaprovação não faz a mínima diferença para os finlandeses. Tampouco faz diferença para meu eventual leitor, que a esta altura percebeu a absoluta falta de substância deste texto. Confesso, pois, minhas motivações cafajestes: só me decidi a escrever sobre a balada de Sanna Marin porque é uma rara oportunidade de ilustrar a coluna com a foto de uma mulher bonita.

Poderia esticar o assunto lamentando que os escândalos brasileiros não sejam assim tão triviais, mas esta seria uma constatação trivial. Também poderia compor um parágrafo comparando a balada de Sanna Marin às festinhas que o primeiro-ministro inglês — agora de saída do cargo — promoveu em pleno lockdown. Não farei isso para não dar a meu editor na Crusoé o pretexto para trocar a foto da bela Sanna Marin por uma de Boris Johnson. Ninguém quer ver Boris Johnson dançando.

Em vez disso, vou enveredar pelo caminho tortuoso da livre-associação. Repare que lá no primeiro parágrafo eu dizia que pensei em Sanna Marin na noite de segunda-feira. Isso foi três ou quatro dias depois de o vídeo da primeira-ministra festeira ter vindo a público. Por que voltei a pensar nela então? Eu mesmo não sei explicar.

Na noite da segunda-feira, 22, estava eu assistindo ao Jornal Nacional quando, no meio da entrevista do candidato à reeleição, me veio à mente um episódio de Kaputt, do italiano Curzio Malaparte. Isso ocorreu no momento exato em que o entrevistado, depois de alguma insistência dos entrevistadores, aceitou (com relutância) reconhecer (com condicionantes) o resultado das urnas, mesmo que elas não o conduzam de volta ao Planalto.

Do nada, lembrei-me então do embate entre o general nazista e o salmão finlandês.

Kaputt, a fonte dessa história, é um romance memorialístico (ou um livro de memórias romanceado?) no qual Malaparte traça um painel tenebroso da Europa sob domínio nazista. Ex-fascista que se converteria ao comunismo depois da Segunda Guerra, Malaparte, como correspondente de guerra e oficial do exército italiano, teve trânsito livre por campos de batalha e por salões mundanos frequentados por figurões nazistas como Hans Frank, governador da Polônia ocupada. Em meio a quadros do horror que envolvem vagões de trem lotados de cadáveres e cestas cheias de olhos humanos, a anedota do salmão da Lapônia que humilhou um general alemão parece quase tão amena quanto as crises no gabinete de Sanna Marin. Ainda assim, Malaparte, com seu olhar meio cínico, meio compassivo, talvez tenha flagrado nessa historieta cômica algum elemento fundamental da psicologia nazista.

O acontecimento teria se dado nos arredores da cidade de Inari, na região da Lapônia, dentro do círculo ártico. Von Heunert, general alemão estacionado na área, cismou em tirar um salmão do rio Juutuanjoki. Malaparte acompanhou-o em uma expedição de pesca. Com água fria pela cintura, o general “empunhava a vara de pesca como se fosse um fuzil”, conta o escritor italiano. Depois de duas horas de espera, um puxão: o salmão fora fisgado!

O desafio maior viria em seguida: puxar o peixão para fora d’água não é moleza. O salmão arrastava o general rio abaixo, remexendo-se com a agilidade graciosa de uma primeira-ministra em seu dia de folga. O general estava decidido a lutar como um cavalheiro, vencendo o peixe em uma justa dura e honesta. Depois de três horas nessa luta, porém, Von Heunert começava a se sentir humilhado. Pediu socorro a um ajudante de ordens, que desceu a correnteza até alcançar o “valente salmão” — e lhe deu dois tiros na cabeça, à queima-roupa.

O general, como se vê, estava firmemente comprometido a seguir as boas regras da pesca esportiva — desde que conseguisse jantar o salmão.
Não consigo encontrar ligação entre esse episódio e as declarações do candidato entrevistado no JN, mas o passo seguinte da minha mente errática é bem óbvio: como a história de pescador teve lugar na Finlândia, meu pensamento pulou em seguida para a bela e saltitante primeira-ministra dessa nação de salmões valentes.

A livre-associação nunca para num lugar só. Em seguida, pensei em Brigitte Bardot. Para ser mais específico (e mais grosseiro), pensei na bunda de Brigitte Bardot, tal como aparece, deslumbrante, na primeira cena de O Desprezo, filme de Jean-Luc Godard baseado em romance do italiano Alberto Moravia. De novo, essa conexão é simples e direta: o filme tem locações na villa em que Curzio Malaparte viveu na ilha de Capri — uma casa instalada sobre uma falésia, com janelões abrindo-se para uma paisagem mediterrânea quase tão deslumbrante quanto a nudez da jovem Bardot.

(Matei a charada: associei o salmão a outro peixe, a tilápia. Pois o candidato entrevistado no JN acalenta o projeto de criar tilápias em Itaipu. Até já escrevi sobre isso aqui em Crusoé. Sim, deve ter sido por isso que lembrei do general e do salmão. Foi só por isso que pensei: “tenho de escrever uma coluna sobre Sanna Marin”.)

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  1. Ora, nós temos a Anitta com seus vídeos no mais puro sexo explícito louvando Lula e esse aceitando de bom grado a putaria.

  2. Uma bela digressão, Jerónimo; mas a cena do magnífico bumbum da BB não teria sido no imbatível “E Deus fez a mulher”?

  3. Meu Deus, as crônicas que esses desconhecidos fazem, querendo mostrar conhecimento, não tem nada a ver com o foco da revista. Como se não bastasse o Alexandre Soares. Será o declínio da crusoe? Saudades do Diogo mainardi

  4. bem interessante a lembrança do caso da Sanna. Quando vi a notícia na TV achei engraçado para ver o "grande problema" finlandes. Claro que o momento não seria para festa diante da crise que a guerra está provocando por aquelas bandas. Mas não pude deixar de comparar com as festas e escândalos que vemos em Brasília, quase diariamente, mas aqui também vivemos nossos problemas, que é fome, a roubalheira, os desvios de dinheiro etc. A diferença é que lá são educados para frear os impulsos.

  5. Textos muitos bons, mas a excessiva vaidade de mostrar cultura geral chega ao ridículo. Calce umas sandárias de vez em quando!

  6. ????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????

    1. Calma, piranhona Josefa, se a sua mente binária não consegue alcançar a ruindade desse texto (uma pena, pois o autor já escreveu textos muito bons), não adianta descontar em quem vê a má elaboração, a confusão e as referências mal colocadas. O trecho realmente bom é quando o autor confessa a falta de substância do texto. Esse é um recurso de autoironia bastante usado, mas infelizmente acabou perdendo essa propriedade por refletir a realidade desse escrito. Agora vai lá brincar no parquinho, vai.

  7. Um bonito texto em que a mente do autor viaja entre os extremos, como a Bela e a Fera. Pelo lado belo, Sanna Marin, muito bonita e política limpa como é a regra nos países nórdicos; e a deslumbrante Brigitte Bardot de 1963, em "Le Mépris". Pelo lado da fera, o horror nazista personificado pelo general que apela para a covardia; e a imagem perfeita do desequilíbrio mental e visão distorcida do mundo, personificada por Bolsonaro. Infelizmente as feras não escondem nenhum príncipe a ser liberto.

  8. Você começou, maravilhosa e inteligentemente (ao adotar a manobra de trocar a possível manobra da edição da imagem da fera em lugar da belíssima imagem (e bota Gisele Bundchen nisso!) da primeiríssima ministra Sanna. Pena que articulou a essa poesia o onipresente da mídia para embalar nossos pesadelos. Tentou curar a mania de lembrar do lulobolsonarismo com a citação da tesao de minha geração. A inefável Miss Badot. Mas recrudesceu e nos meteu o “bolso”no JN ( Com o Bonner e a luloptista

    1. , a propósito: ambos são também candidatos??… a mídia me dá essa impressão). E ainda com telapias e salmão. Bem, como desde o final dos anos FCH (que nos deu a reeleição e o luloptismo e, por consequência, o bolsonarismo) estamos vivendo “the horror!” vamos, separando as imagens das monstruosas feras das belas citadas com inteligência (para nos atrair e lermos o besteirol), agradecer o articulista Jeronimo (robô cade as coroas, só voce?).

  9. Eu nunca havia votado no bolsonaro (b mesmo) antes de 2018, aliás nunca votei nele, meu voto foi e é #antipt. Mas, estou convencido, o brasil é o lugar onde o crime compensa. Chega de tentar ser empático e civilizado, cada um que se vire, viva o individualismo. Eu não tenho filhos mesmo… 🤷🏻‍♂️

  10. É sempre bom ler uma crônica bem feita. Infelizmente a microcefalia provocada pelo fanatismo exigido dos seguidores da seita e a indigência mental própria dos membros do rebanho geram essa enxurrada de críticas imbecís que se vê.

  11. 🎶....."O pensamento parece uma coisa à toa mas, como é que a gente voa quando começa a pensar"....🎵...🕊🦈 As tilápias parecem ter feito o mesmo que o salmão.....

    1. .... pensamentos errantes, vagueando sobre a realidade indigesta.... para um domingo com um pouco de oxigênio....

    2. ...delícia de divagações.... texto adoravelmente light....

  12. Discordando de todos os comentários até aqui, achei ótimo o artigo de Jerônimo. Leve e divertido, ele é como uma brisa fresca em meio ao inferno eleitoral. Gente pouco culta acha que se o texto não for "edificante" ele não presta. Logo se nota que não leu muito na vida. Deve ter lido apenas textos de autoajuda e cartilhas cívico-militares.

    1. Meu Deus faço em 21/11 próximo 78 anos e tive uma vida farta de tudo: infância , pobre no agreste baiano, numa vila (distrito) sem luz , água, ônibus,automóvel. Meu mundo foi simples, relógio, rádio era difícil ouvir ouvir ou ler as horas . Infância fantástica indescritível . Aos 13 anos na carroceria de um caminhão sou jogado em são lá no final da década de 60 . Imaginem , sair de uma vila sem banheiro nas sem fogão a gás e só um grupo Escolar evangélico e sem uma frequência regular …….

    1. Cont . É no mínimo uma loucura que até não consegui absorver totalmente. São Paulo foi para mim a mais louca é deslumbrante visão: edifícios, carros ônibus edifício Itália loucura para um pés descalço. Agora vejo que venci barreiras e a principal delas foi viver a diversidade. Hoje fico pasmo em ver pessoas batendo de frente só porque o outro pensa o contrário. Para mim isso se chama falta total de empatia. País de faz de conta.

  13. Quanto besteirol metido a intelectualizado para nada dizer ou mais precisamente uma montanha de lixo fútil e inútil que nada comunica ou edifica ... por que intelectualóides vá ver por conveniências esquecem quem na verdade estupra a democracia como tutores do Estado e curadores de um povo ignorante e suicida em democráticas urnas? o que esta escrica arrogante escreveu é puro lixo e para nada serve a não ser para afagar seu tolo ego.

    1. MAURICIO ... pelo menos o STF ainda não tirou o direito de nenhum cidadão ser idiota e obviamente isto é seu e meu direito ... noves fora o palavrório inútil e fútil dos "ilumerdados" o texto é peito de macho a nada serve ou puro lixo para deslumbrados ... nada comunica apenas um pavão mostrando suas penas a tolos.

    2. Achei o texto ótimo, o que eu acho horrível é a imbecilidade que paira sobre as cabeças de boa parte do povo desta infeliz NAÇÃO.

    1. A redação da Crusoe precisa ser mais dinâmica , principalmente , nos fins de semana , ficamos sábado e domingo com as mesmas reportagens , justo quando temos mais tempo pra ler e comentar .

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