O general Gonçalves Dias no Palácio do Planalto, no 8 de janeiro

Se Anderson Torres segue na cadeia, por que não o general Gonçalves Dias? 

Pela letra fria do Código de Processo Penal, há mais motivos hoje para a prisão preventiva do ex-chefe do GSI do que para manter em cana o ex-ministro da Justiça
21.04.23 12:57

Uma das críticas mais repetidas por inimigos da Lava Jato, como os advogados do grupo Prerrogativas, é que ela abusou das prisões preventivas. Manter os suspeitos de praticar corrupção na cadeia seria um modo de forçá-los a realizar uma delação premiada, apontando os chefões da organização criminosa que apodreceu a política e a Petrobras. 

Na noite desta quinta-feira, 20, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou que o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que está no centro das investigações sobre a intentona do 8 de Janeiro, continue preso. Moraes rejeitou um pedido da defesa e um parecer da Procuradoria Geral da República recomendando que Torres, que já está na cadeia há mais de 90 dias, seja liberado (com diversas restrições, como permanecer em casa, usar tornozeleira eletrônica e ter o uso do celular e da internet limitado). 

Não se ouve um protesto que seja do clube dos garantistas. E não é porque hoje é feriado. 

Ah, mas Moraes justificou a manutenção da prisão preventiva! No seu despacho, ele diz que a investigação, até agora, revelou “fortes indícios” de que Torres participou da elaboração da minuta do golpe, ordenou que a Polícia Rodoviária Federal parasse ônibus no dia da eleição, em regiões com alta concentração de simpatizantes de Lula, e foi omisso diante dos sinais de que algo perigoso fermentava nos acampamentos de “patriotas” em Brasília (nesse caso, já como secretário de Segurança do Distrito Federal). 

Os “fortes indícios” podem ser causa para que Torres cumpra pena no fim do processo a que vai responder. Segundo a letra fria do Código de Processo Penal (e segundo a interpretação dos próceres do garantismo), não são motivo para que a prisão preventiva se estenda neste momento. Isso só deveria acontecer se Torres fosse um risco para a ordem pública ou a ordem econômica; se tivesse capacidade de interferir na instrução criminal, destruindo provas e intimidando testemunhas, por exemplo; ou se houvesse o perigo de uma fuga. Moraes não menciona, concretamente, nenhuma dessas circunstâncias. Nem a PGR, que é responsável pela acusação, mas mesmo assim recomendou que o ex-ministro seja transferido para a prisão domiciliar.

Moraes menciona uma conduta de Anderson Torres que dificultou a coleta de provas: ele demorou 100 dias para entregar a senha de suas contas na nuvem, onde podem ser encontradas mensagens de celular e e-mail. Seria um motivo para mantê-lo em cana. A  lógica subjacente a esse raciocínio é que manter o sujeito preso pode ser um meio de pressioná-lo a fornecer provas, quem sabe até contra si mesmo. Pode ser um meio de convencê-lo a fazer uma colaboração premiada. É o tipo de coisa que, em outras circunstâncias, faria os ricaços de esquerda do Prerrogativas darem gritinhos de horror.     

É fato que as garantias individuais dos cidadãos não devem ser pisoteadas para que uma punição seja obtida a qualquer custo. Isso é o alicerce de um país civilizado. Mas, como já observei em outro texto, o garantismo se transformou em ideologia no Brasil – um véu para encobrir outras paixões, sejam políticas ou financeiras.

Ricardo Lewandowski, até ontem o príncipe galante dos garantistas no Supremo, tremia de indignação diante da prisão de políticos e empreiteiros por corrupção na Lava Jato, mas não aplicou o princípio da insignificância diante do furto de um macaco velho de automóvel, dois galões plásticos de combustível (um deles cortado) e uma garrafa com óleo diesel. Advogados do Prerrogativas não gostam de delações premiadas porque elas são ruins para os negócios: bom mesmo é um processo bem longo, onde caibam 12 mil recursos. 

Se existe um personagem no Brasil cuja prisão preventiva, neste momento, parece fazer sentido, é o general Gonçalves Dias, recém-demitido da chefia do Gabinete de Segurança Institucional de Lula. Segundo informa a Crusoé nesta sexta, o general caiu porque perdeu a confiança da cúpula do governo, deixando a impressão de que omitiu informações sobre o 8 de janeiro – não só sobre sua presença no Palácio do Planalto, em contato cordial com invasores, mas também sobre a existência de imagens que registraram esse fato. Se é verdade que Gonçalves Dias agiu assim com seu próprio grupo, o risco de que possa interferir na coleta de outras provas, estando livre, é mais que plausível. Diante dos muitos crimes que foram cometidos na invasão da Praça dos Três Poderes, é certo que o general não pretendeu colaborar com o pior deles, a realização de um golpe de estado. Mas a depredação dos prédios públicos também foi um fato grave – e agora há bons indícios de que ele não fez o que devia. 

Alexandre de Moraes assinou nesta quinta-feira um despacho duro, ordenando que o general e ex-ministro seja ouvido pela PF. A oitiva deve acontecer nesta tarde. Vejamos o que virá depois. 

Ninguém mais sabe o que esperar do Direito Penal no Brasil, especialmente quando ele é manejado pelas instâncias mais altas do Judiciário, que deveriam se preocupar em dar consistência ao sistema. A instabilidade – e a politização – do processo penal são sintomas de um país doente.

    

 

 

 

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  1. A resposta é óbvia: tanto o Sinistro do STF0deu quanto o generaleco melancia são ovos 🥚 🥚🥚🥚🥚🥚 da mesma cesta.

  2. Garantias individuais, direito de defesa, leis vigentes, somente para os amiguinhos e para os apaniguados de sempre… muita vergonha é o que sobra ao povo decente deste país!

  3. Análise perfeita. É nós, simples mortais, ficamos à mercê de forças que se apoderaram do Estado sob a falácia de defender a democracia e agora fazem o que bem entendem, como deixar uma pessoa em cárcere sem amparo robusto. Minha esperança é que, no futuro, a História julgue essas pessoas.

  4. O nosso Mussolini tupiniquim ainda acha estar por cima. Mas convém lembrar como o original italiano acabou em abril 1945... às vezes, a história gosta de se repetir...

    1. Só lembrando ... Mussolini em fuga foi sumariamente morto por um militante comunista e com sua mulher Clara Petacci dependurados de cabeça para baixo na via pública ... justo castigo ???

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