Foto: Ricardo Stuckert

Sim, é hora de criticar o PT, dizem o Nobel e a drag queen

Rita von Hunty e Mario Vargas Llosa foram desqualificados nas redes sociais por criticar Lula. Para petistas e simpatizantes é preciso demonizá-los como quem está abrindo as portas do inferno fascista
22.05.22 11:38

Até este mês, nunca tinha ouvido falar de Rita von Hunty. Agora sei que ela é uma drag queen, personagem de Guilherme Terreri Lima Pereira. Também é uma influencer, com mais de um milhão de seguidores em seu canal do YouTube, no qual ela se pergunta se existe índio gay e conversa com Marilena Chauí sobre a concepção da história na obra de Marx. Eu gosto de drag queens (sou fã de Sasha Velour, vencedora da nona temporada de RuPaul’s Drag Race) mas detesto influencers. No cômputo geral, poderia muito bem ter continuado sem saber da existência de Rita von Hunty. Mas os petistas não permitiram: ficaram irritados (e são barulhentos quando irritados) porque a drag queen recomendou que seus seguidores não votem em Lula no primeiro turno, preferindo candidatos da esquerda radical.

Conheço Mario Vargas Llosa desde a adolescência. Pelos 15 anos, fiz minha iniciação à literatura do chamado boom latino-americano com Conversa na Catedral e A Guerra do Fim do Mundo – e com os contos de Julio Cortázar e os romances de Gabriel García Márquez (Jorge Luis Borges viria mais tarde, para ficar mais tempo). Admiro sua obra ficcional e sua lucidez em romper com a o estúpida adoração que alguns dos melhores escritores de sua geração (García Márquez e Cortázar inclusive) devotaram à ditadura de Fidel Castro em Cuba. Candidato derrotado às eleições presidenciais do Peru em 1990, Llosa é um paladino do liberalismo, e como tal irrita os petistas há tempos. Os petistas ficaram ainda mais irritados (e são barulhentos quando irritados) porque, em um evento no Uruguai no dia 11, o Nobel de Literatura declarou que ainda prefere Bolsonaro a Lula. 

Petistas e simpatizantes do PT não se contentam em discordar dos críticos do partido: é preciso desmoralizá-los e demonizá-los, pois quem fala contra Lula está abrindo as portas do inferno fascista. É como diz aquele chavão que o petista envergonhado emprega para anunciar sua independência (e com o qual na verdade abdica de qualquer independência): “agora não é hora de criticar o PT”. Nunca é. 

Rita e Vargas Llosa foram desqualificados de forma grosseira nas redes sociais e até em algumas colunas da imprensa. O autor de A Cidade e os Cachorros passou de neoliberal – que já é um xingamento no vocabulário esquerdista – a fascista. Aliás, houve quem apontasse o fascismo subterrâneo de sua obra de ficção. O ataque a Rita von Hunty foi ainda mais violento, pois o petismo não aceita vozes de esquerda que não se submetam ao partido. Em entrevista ao site de esquerda Fórum, Rita contou que recebeu, nas redes sociais, ameaças de agressão física de militantes petistas, similares às que bolsonaristas já lhe haviam dirigido.

E tudo o que Rita disse foi que o discurso de Lula no lançamento de sua candidatura foi fraco. Que ele deveria ter sido mais incisivo na crítica a Jair Bolsonaro. Pelo que li no Twitter petista, sugerir que o candidato do partido deva ser mais duro em sua crítica a Bolsonaro configura uma forma de “fazer o jogo do fascismo”. Não consigo entender isso. Mas deve ser falha da minha limitada lógica neoliberal. 

A chantagem eleitoral do lulismo é essa: só a vitória do PT poderá “restaurar a democracia” ameaçada pelo golpista Jair Bolsonaro. Mas se Bolsonaro é mesmo um perigo para a democracia brasileira – e em certo sentido é, sim: mais sobre isso adiante –, teria sido o caso de Lula e seu partido terem levantado a campanha do impeachment quando o presidente promovia aglomerações no auge da pandemia para atacar judiciário, legislativo, imprensa e vacina. Não o fizeram porque o impeachment não os colocaria no poder. Segundo o PT, democracia só é democracia com Lula presidente.  

A drag queen também pediu mais clareza de Lula em temas como teto de gastos e reforma trabalhista. Como ela sugeriu votos para partidos da franja mais extrema da esquerda, os nanicos PSTU e PCB, não tenho dúvidas de que tudo o que pensa sobre esses temas está muito, muito errado. E no entanto ela está correta no essencial: Lula precisa ser mais claro sobre seu programa econômico. É um escândalo que ele tenha dito à Time que “a gente não discute política econômica antes de ganhar as eleições”. 

De resto, uma influencer da esquerda radical faz apenas o óbvio quando pede votos no primeiro turno para a esquerda radical. A eleição em dois turnos só faz sentido quando o eleitor vota por convicção no primeiro, deixando o voto útil para o segundo. Na prática, aliás, votar na carbonária do PSTU não é diferente de votar no almofadinha do Novo ou no periclitante candidato do PSDB. Todo voto em um candidato sem chance efetiva de ganhar é um voto pelo segundo turno.

Porque eu ainda o admiro, serei menos generoso com Mario Vargas Llosa do que fui com Rita von Hunty. Concedo-lhe até o direito de estar mal informado quando diz que com o governo Bolsonaro o Brasil deixou a corrupção para trás. Mas ele emprega uma palavra que não posso perdoar. As escolhas vocabulares de um escritor devem ter peso.

A palavra é “palhaçadas”.

“As palhaçadas de Bolsonaro são muito difíceis de admitir, para um liberal”, afirmou Vargas Llosa. E repetiu o termo quando disse preferir Bolsonaro a Lula: “Mesmo com as palhaçadas de Bolsonaro, ele não é Lula”.

Está certo o escritor quando sugere que a escolha que se anuncia para o segundo turno brasileiro é desoladora. Mas “palhaçadas” perde o tamanho de nossa desolação. A palavra suaviza o caráter de Bolsonaro e de seu governo. A figura circense do palhaço é inconsequente mas também inocente, e para Bolsonaro só cabe o primeiro adjetivo. Sim, também empregamos “palhaço” em sentido pejorativo, mas não é das ofensas mais fortes da língua. Uma palhaçada não é uma canalhice. Uma palhaçada não é um crime. 

Ao definir os defeitos de Bolsonaro como meras palhaçadas, Vargas Llosa adere a uma patética racionalização que temos ouvido de muitos liberais brasileiros iludidos pelas sempre adiadas promessas de reformas e privatizações: Bolsonaro é intempestivo, sofre de incontinência verbal, mas isso é pitoresco, é performance, não representa mal algum para a democracia. 

Esquecem que as declarações de um presidente carregam influência e autoridade. Quando divulga remédios cuja eficácia foi desmentida em pesquisas científicas e quando lança dúvidas sobre a vacinação, Bolsonaro sabota o combate à Covid 19. Quando expressa seu anseio voluntarista de contornar a economia mundial para oferecer diesel a preço camarada a seus amados caminhoneiros, Bolsonaro derruba as ações da Petrobras. Quando manifesta admiração nostálgica pela ditadura de 1964, quando proclama que não cumprirá decisões judiciais, quando põe em dúvida a segurança do sistema eleitoral brasileiro, Bolsonaro mina a confiança mínima que uma sociedade liberal deve ter em suas instituições.

O temido golpe dificilmente virá. Não há condições objetivas para que se realize, e nem o aspirante a golpista tem inteligência estratégica para criar essas condições. Mas não é sustentável uma democracia constantemente sujeita ao descrédito por sua maior autoridade, nem um governo devotado a criar crises institucionais enquanto fracassa em minorar a crise econômica que há meses se arrasta na inflação de dois dígitos. 

Se há um palhaço no comando, o Brasil é um circo sinistro. Mario Vargas Llosa foi leviano na sua escolha de palavras. Talvez outro escritor pudesse chamar Bolsonaro de palhaço com mais propriedade: Stephen King, autor de It – A Coisa.  

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. Excelente artigo! Esses críticos se esquecem de toda a corrupção causada pelo PT, de todos os desmandos, do autoritarismo sorrateiro, do mal causado à democracia brasileira e das consequências terríveis que continuam, como a eleição de um Bolsonaro e toda essa radicalização. Estamos afundando mais e mais...

  2. Gerônimo, tenho gostado de seus textos, mas quero aqui fazer uma ressalva. Também li Vargas Llosa na adolescência e me lembro bem de uma reclamação, naquela época, do escritor: o nome de seu livro é Conversas NO Catedral - era um bar que havia e eles frequentavam. Pergunte ao Mario, que tudo sabe de literatura. Abraço.

  3. Jornalismo é sempre superficial pela questão de espaço. O que é mais fascista e mentiroso que Luladrão e PT (Perda Total). Em atraso e desonestidade só empata com o bolsonarismo. Aliás, fascismo = comunismo = autoritarismo (antidemocracia) = desonestidade intelectual = ideologismos boçais. Negação de todos os valores da civilização e do espiritualismo verdadeiro (práticas místicas dos povos originais, "religiões sem nome",liberdade de pensamento "Filosofia Perene", religiões altas). Namastê...

  4. It, a coisa! Esse é o palhaço que nos desgoverna blablabla...não sinto mais vontade de nada, de criticar, de me indignar, só vou deixar o vento da insensatez me levar...nem lula, nem bozo, nem isso, nem aquilo...triste dia cinzento e frio...

  5. Jerônimo, vc é mais um que não entendeu a relevância do Partido Novo, uma semente que poderia mudar nosso País ...

  6. É a hora do povo brasileiro ter consciência dos crimes desta quadrilha assassina contra a nação pois diante de tanta manipulação o país corre sério risco de virar um chiqueiro como Cuba ou Venezuela e aí rabo de cotia vai assoviar como dizemos no sertão ... e vai arder podem estar certos.

  7. Vamos ser claros. lulistas e bolsonaristas são fascistas. Não aceita questionamentos ao seus idolos mesmo roube ou mate.

  8. A seita da pseudo-democracia dos ladrões só aceitam o guru condenado em 3 instâncias. O resto é o reto do molusco asqueroso. 🤮🤮🤮🤮🤮

  9. Fico me perguntando... porque não cai um raio na cabeça desse nojento, com essa mulher nojenta, com esse partido nojento, com esses fanáticos doentiamente nojentos????

    1. E porque não nos livramos desses 2 maus elementos perniciosos e predatórios???? Até quando infestarão as nossas urnas????

  10. Hither também era, no deboche, considerado um “palhaço histérico”. Deu no que deu. Existem palhaços serials killer, né? Excelente comentário! Estou com você na opinião sobre os tais “influenciadores”. Coisa para idiotas, analfabetos funcionais. Uma palhaçada, não?

  11. Desse jeito esses escrotos PTistas e toda essa esqierda hipócrita Tupiniquim terão que aturar o Escroto do Bolsonaro até 2026 …o q é menos pior

    1. Para mim não vejo como “menos pior”, mas “tão ruim quanto”. Se sobrar essa dupla eu prefiro o NULO, para não compactuar com a desgra.ça maior, que virá.

  12. É um absurdo deixarmos o Brasil ficar entre Lula e Bolsonaro. Iniciativas assim devem ser aplaudidas independentemente de preferências partidárias.

    1. Você está certa Maria mas vamos a fatos ... o que ou quem você sugere se nenhum dos ridículos propostos tem nenhum apelo ou apoio popular? Moro que seria a esperança perdeu-se em incoerência e enfraquecido terá de ser protegido pois a quadrilha em insana vingança que o tirou da disputa quer prendê-lo e se brincar vai prá cadeia e pior em Curitiba o que seria a suprema desmoralização de uma nação.

  13. Artigo irretocável, Jerônimo! Um alívio ler um texto como esse. A verdade clara, sem subterfúgios, acima dessa guerra estúpida entre os gados lulistas e bolsonaristas. Estamos vivendo uma época de indigência intelectual e moral. Ainda há juizes em Berlim já foi dito mas agora eu adapto e atualizo para ainda há jornalistas no Brasil.

  14. Incrível como eles não mudam a crença nem o discurso de sempre...petistas e bolsonaristas extremos são fanáticos. E fanatismo não combina com nada. Só atrapalha a evolucão social.

  15. O almofadinha do Novo é o único que faz pré-campanha decente, tem propostas exequíveis e boas para o Brasil, só imbecis não veem.

    1. Concordo. O Novo é o único partido que está colocando ideias e programa para os brasileiros analisarem e debaterem

Mais notícias
Assine agora
TOPO