Cortesia La Prensa/Oscar Navarrete

‘Toda ditadura um dia cai’, diz Juan Sebastián Chamorro, da Nicarágua

20.07.20 08:03

A família Chamorro está profundamente envolvida na história recente da Nicarágua. O assassinato a tiros do jornalista Pedro Joaquín Chamorro Cardenal, em 1978, foi o estopim da Revolução Sandinista, que no ano seguinte derrubou o ditador Anastasio Somoza. Quem assumiu o poder então foi Daniel Ortega, da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN). Em 1990, Ortega perdeu as eleições para Violeta Chamorro, viúva de Pedro Joaquín Chamorro Cardenal. Ao aglutinar vários partidos de oposição, ela tornou-se a primeira mulher a ser eleita para o cargo de presidente no continente americano.

Com 49 anos, o economista Juan Sebastián Chamorro é sobrinho de Pedro Joaquim e de Violeta Chamorro. Sua trajetória inicialmente esteve ligada à pesquisa, como diretor-executivo da Fundação Nicaraguense para o Desenvolvimento Social (Funides), um think tank na capital Manágua. Em 2018, Juan Sebastián assumiu um papel mais político, participando das negociações entre o governo de Daniel Ortega e a oposição. Em abril daquele ano, os nicaraguenses realizaram manifestações contra a reforma do sistema de aposentadorias. A repressão governamental, feita com grupos paramilitares, deixou 325 mortos. O massacre consolidou a ditadura de Ortega e de sua esposa e vice-presidente, Rosario Murillo.

No ano passado, Juan Sebastián Chamorro deixou o cargo de diretor-executivo na Funides para coordenar a Aliança Cívica pela Justiça e Democracia, um grupo de organizações da sociedade civil que emergiu das tentativas de conversas com a ditadura. A Aliança pede o fim da violência e da intimidação, a libertação dos presos políticos, uma reforma eleitoral e o retorno à democracia. A missão, que já não era fácil, tornou-se ainda mais penosa com a chegada da pandemia do coronavírus. O governo da Nicarágua não tomou medidas para conter a disseminação da Covid-19. Os meios estatais evitam falar sobre a doença e publicam dados enganosos. “O governo simplesmente deixou de contar os casos”, diz Chamorro. Ele conversou com Crusoé pelo telefone.

A ditadura da Nicarágua tem admitido um número muito baixo de mortes por coronavírus, menos de 100 desde março. Dá para confiar nessas estatísticas?
São dados totalmente falsos. O governo está ocultando a verdade. Basta comparar a situação da Nicarágua com a de outros países da América Central. Honduras, que é nosso vizinho, tem 30 mil infectados. Costa Rica, 8 mil. Mas o governo da Nicarágua diz que somente 300 infectados são atendidos no país por semana. Não tem lógica. O governo simplesmente deixou de contar os casos.

Qual seria um número mais próximo da realidade?
Com base nas informações de voluntários, que enviam dados de hospitais e centros de saúde, há cerca de 8 mil contaminados e 2.225 mortos.

O fato de que há uma ditadura na Nicarágua atrapalha o combate à Covid-19?
A primeira coisa que acontece em uma ditadura é o controle ferrenho da informação. Tudo é comunicado de uma maneira muito enganosa. Muitas vítimas fatais do coronavírus estão sendo registradas apenas como casos de pneumonia, para não inflar os dados oficiais. Mas não se trata apenas de um problema de registro das mortes. O controle faz com que as pessoas não saibam o que está acontecendo. Os meios de comunicação da ditadura, principalmente a televisão, fazem todo o possível para passar uma imagem de normalidade. Noticiam atividades como se não existisse uma pandemia. O campeonato de futebol e os jogos de beisebol não pararam. Também há lutas de boxe e shows de música. O governo tem feito todo o possível para desviar a atenção. Se ficar evidente que eles são incapazes em lidar com a doença, isso criaria uma situação catastrófica para o regime.

O governo tem dado orientações sobre prevenção, ensinando a lavar as mãos e a usar máscaras?
Eles estão começando a fazer isso agora. O problema é que a ditadura politizou muito o tema. O governo tem dito que a oposição tem interesse em criar o pânico na sociedade. Até agora, fomos nós, na oposição, que mais temos informado a população sobre os surtos. Graças a esse trabalho, muitos nicaraguenses entenderam a seriedade do assunto e adotaram medidas preventivas por conta própria.

Assim que a pandemia surgiu, Daniel Ortega passou um mês sumido. O que aconteceu?
Ele já fez isso várias vezes. Não sei o motivo, mas é algo que mostra a total ausência de liderança e de interesse pelo que está passando. Depois disso, Ortega passou mais dezoito dias sem dar notícias. Reapareceu falando do problema dos caminhões que estavam parados na fronteira com a Costa Rica. O governo desse país vizinho está preocupado porque a Nicarágua não tomou medida sanitária alguma. A questão econômica é o que mais preocupa Ortega.

Por quê?
As finanças públicas foram muito golpeadas. Desde as manifestações em 2018, a economia entrou em uma crise profunda. Cerca de 350 pessoas foram assassinadas. Outras 700 se tornaram presos políticos. Milhares foram para o exílio. Isso espantou os turistas. O investimento estrangeiro direto caiu bruscamente, afetando as indústrias de exportação.

A Nicarágua poderá se tornar uma ditadura como a de Cuba, que já perdura por mais de seis décadas?
Acho isso muito pouco provável. Na Nicarágua, já tivemos várias ditaduras. Pela nossa história, aprendemos que toda ditadura um dia cai. As condições aqui são distintas das de Cuba ou Venezuela. Não temos recursos econômicos como os venezuelanos para financiar uma repressão. Com relação a Cuba, o povo da Nicarágua viveu recentemente um período de democracia, de liberdade. E não somos uma ilha. A ditadura cubana também tem vários círculos de poder e de interesses. Na Nicarágua, o poder está concentrado em um círculo muito pequeno em volta do ditador e de sua esposa. A imensa maioria está contra Ortega e quer o retorno à democracia.

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