Adriano Machado/Crusoé

TSE não deve proteger a privacidade dos candidatos

13.08.22 17:54

Neste mês de agosto, quando a campanha eleitoral entrará em cena de vez e aquecerá ainda mais o debate e a busca de informações sobre os candidatos, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral, na foto) terá que decidir se retira ou mantém, em seu site, uma absurda restrição à parte das informações sobre o patrimônio daqueles que pretendem ser nossos representantes. O Tribunal justifica a medida na proteção conferida pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). 

No Brasil, muitas vezes cabe ao julgador salvar a redação de nossas leis. Neste caso, aconteceu o contrário – a lei é boa, a interpretação do TSE é que foi inconstitucional. O artigo 4º da LGPD traz expressa previsão de que não se aplica a proteção legal ao tratamento de dados realizado para fins jornalísticos. A exceção legislativa intencionou, obviamente, proteger um bem maior: o acesso da coletividade à informação de interesse público.

Faz todo sentido. Priorizar tais interesses caminha em direção à preservação de direitos fundamentais de primeira ordem, como os das liberdades de expressão e de imprensa, esculpidos nos artigos 5º, incisos IV, XIV e 220. E também no 37 da Constituição Federal, de onde se tira o princípio da transparência, tão essencial ao Estado democrático moderno. Qualquer interpretação que desconsidere esta visão contraria os fundamentos mais básicos da Constituição.

Naturalmente, os dados referentes à composição patrimonial de um agente público ou de um pretendente a exercer uma função de Estado são de interesse coletivo. Se um candidato espera ser eleito defendendo a ampliação do número de vagas no ensino superior, seria absolutamente pertinente ao eleitor saber, por exemplo, se ele é proprietário de universidades. O mero detalhamento da composição do patrimônio não expõe a privacidade do candidato; é apenas um dos bons indicadores de sua intenção com o eleitor, bem como de sua expertise e coerência com as ideias que defende. 

Com a restrição de acesso aos dados, o TSE, além de interpretar de forma equivocada a LGPD, criando um precedente perigoso para a transparência dos dados públicos nas demais instâncias e tribunais, sujeita a lei a servir para a ocultação de informações que possam ser comprometedoras a agentes públicos. 

O TSE tem realizado um trabalho exemplar no sentido de dialogar com todos os participantes do pleito eleitoral, afastando dúvidas, evitando tumultos, primando pela atenção à transparência. Não precisamos que esse elo de confiança tão delicadamente criado seja rompido por uma interpretação que, certamente, merece melhor reflexão. O Tribunal tem tempo para voltar atrás. É o que se espera de uma Corte que auxilia na construção de uma democracia moderna e madura. 

André Marsiglia é advogado especialista em Liberdade de Expressão e Direito Digital. 

andremarsiglia.com.br 

@marsiglia_andre

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  1. concordo, embora defensável ( a debater) em termos abstratos, a decisão, concretamente, é um acobertamento da robalheira , que sabemos ser generalisada. .

  2. Nenhuma informação sobre os candidatos devem ser escondidas ou preservadas um sofisma que cheira mal ... a liberdade de expressão existe ou não existe e controlar no TSE publicações de quem quer que seja é absurdo e no caso eventual ofendido aí sim provoca o TSE que adota as providências devidas se crime ... mas preferem ditadores a impor o que bem querem de forma arbitrária e antidemocrática.

  3. Assunto de grande relevância e muito bem analisado. Raridade na robótica tal rede social. Surpresa! poucos comentários sobre… Se fosse um besteirol da Anita estaria, nesta altura do campeonato, batendo recordes de registros…

  4. azelite, mancomunada com as otoridade pública no brazil, não têm mínimo pudor na depravação das surubas brasilienses, como bem confessou o juqinha.

  5. No País SEM FUTURO acontecem coisas tão absurdas que o óbvio precisa ser repetido. Receber dinheiro público e outorga de poder implica, necessariamente, em transparência, i.e., dados abertos ao público..

  6. Já foram tantas decisões esdrúxulas que não dá mais para chamar de “equívocos”. Parece mais método. A proteção a crimes de criminosos poderosos é um fato percebido pela população nas pesquisas de satisfação com as Cortes Superiores. É desolador.

  7. Como sói acontecer no Brasil, em Brasília, dizem que a lei é para nos proteger, mas ao fim e ao cabo só protege mesmo a turma do conchavo. Nos não temos salvação e eles não têm conserto.

  8. Essa tal “lei” é mais uma imoralidade aprovada para os donos do poder se tornarem impermeáveis ao conhecimento popular sobre as suas saf.adezas. Leis dúbias são feitas prá isso, por esse congresso imundo. Fazem leis para eles e não no interesse público. Isto é jogado aa interpretação dos togados superiores que as interpretam e se apoderam das leis. O artigo é mais uma vez brilhante e competente. Se obscurecerem esses dados estarão condenando o interesse público e, pior, desinformado o eleitor

  9. De acordo. A LGPD foi inspirada na GDPR europeia e um dos seus objetivos básicos é proteger os cidadãos de terem seus dados pessoais (principalmente digitais) escancarados para campanhas de marketing não solicitadas. Extrapolar isto para proteger servidores públicas é uma distorção.

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