Um herói verdadeiro da liberdade de expressão

12.08.22 14:03

No final da década de 1990, participei das negociações do Estadão, onde eu trabalhava, para trazer Salman Rushdie ao Brasil em parceria com a editora Companhia das Letras. Já se haviam passado quase dez anos desde a fatwa decretada contra ele pelo aiatolá Khomeini, do Irã, e Rushdie começava a abrir mão do aparato policial que garantia sua segurança. No Brasil, no entanto, a Polícia Federal não queria correr riscos. Enquanto o escritor estivesse no país, teria de ser acompanhado por agentes armados e transportado em carros blindados. Rushdie decidiu não vir. Para ele, que vivera escondido por tanto tempo, como narra o livro de memórias Joseph Anton (um dos seus codinomes para o serviço secreto britânico), nada era mais importante do que reafirmar sua liberdade.

“Não quero ser para sempre o escritor da fatwa”, disse Rushdie em diversas oportunidades. Ele de fato não deixou que a sentença o definisse – ou destruísse. Continuou escrevendo ficção enquanto mudava de esconderijo para esconderijo e, em artigos e entrevistas, tornou-se uma das grandes vozes contra a intolerância religiosa em todo o mundo. A coragem com que ele reafirmou seu direito de manifestar livremente sua fantasia e transpor qualquer assunto para a ficção – inclusive aqueles que outros consideravam sagrados ou intocáveis – garantem a ele um lugar na história da liberdade de expressão, não abaixo de John Milton ou de John Stuart Mill, dois dos autores ingleses a quem essa liberdade normalmente é associada.

No começo deste século, depois do 11 de Setembro de 2001, parecia que o risco da fatwa estava totalmente afastado. Em 2003, Rushdie finalmente pisou no Brasil e participou de um evento na Bienal do Livro de São Paulo, onde o encontrei. Dois anos mais tarde pude entrevistá-lo em Londres, pouco antes do lançamento do romance Shalimar, o Equilibrista, que trata da guerra infindável entre Índia e Paquistão na região da Cashemira, e tem como protagonista um fanático treinado para cometer assassinatos. Lembro de Rushdie indo embora do hotel onde a conversa aconteceu, caminhando sozinho e tranquilo pela rua do centro da capital inglesa.

O fato, no entanto, é que a fatwa nunca foi completamente revogada. E agora, mais de trinta anos depois de um aiatolá iraniano ter decidido que as menções de um romance ao profeta Maomé deveriam ser punidas com a morte, parece que o ódio finalmente conseguiu alcançar Rushdie. Torço para que ainda desta vez ele consiga derrotar aqueles que não desejam apenas sua morte, mas o silêncio do pensamento e da arte.

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  1. Minha nossa..... a estupidez, a ignorância, o atraso, a perversidade e o ódio aos SERES HUMANOS DECENTES, LIVRES E LÚCIDOS - como o Sr. SALMAN RUSHDIE - não tem mesmo limites.... eis que as trevas continuam insistentemente assombrando a HUMANIDADE através dos fanáticos moralmente cegos, surdos, mudos, de nariz entupido e completamente  doentios de todos os naipes!!!!

  2. O fato é q o tal debochista chamado Porchat só criou uma peça em que Cristo era um Gay porque sabia que os católicos preferem "entregar o assunto a Deus" em lugar de mandar o sacrilego dar uma voltas no Inferno. Se fosse nos tempos da Inquisição, certamente ele teria um pouco mais de cuidado. Em nome da "Liberdade de Expressão" tem-se cometidos barbaridades contra a Fé alheia. Dizer que ateus como esses caras respeitam crenças é dizer que Deus e o Diabo vão fazer as pazes.

  3. Vejam o perigo do fanatismo "religioso", e políticos e líderes "religiosos" corruptos que USAM a religião para tocar a boiada para onde lhes convêm , enquanto enchem as burras de dinheiro.Brasil,abra os olhos!

    1. O pensamento é livre , e por isso que secreto , só expresso quando a pessoa pessoa se manifesta . Já pensaram se pudéssemos, ler o pensamento uns dos outros , essa sim seria a verdadeira liberdade de ideias mas como não é assim , cada um tem que se expressar a sua maneira.falar , escrever , concorde , ou descorde quem quizer.

    2. Wel ... já o ladrão mutidescondenado tomou conta do cérebro dos idiotas e logo os escravizará e veremos quem os defenderá.

    3. ... A Ditadura do Divino já tomou conta do Bananão.

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