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‘Vai desestimular investigações sobre autoridades do alto escalão’, diz promotor punido por investigar Gilmar

18.09.21 16:04

Na terça-feira, 14, o Conselho Nacional do Ministério Público, o CNMP, formou maioria para punir o promotor de Justiça mato-grossense Daniel Balan Zappia com uma suspensão de 45 dias. Zappia foi acusado de assédio processual por ajuizar ações contra o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e  sua família.

Elogiado por colegas e considerado um profissional “muito técnico” por testemunhas que prestaram depoimento ao CNMP, o promotor diz que recebeu a notícia com “espanto e indignação”.

Zappia falou a Crusoé. Para ele, a punição vai inibir promotores e procuradores  que esbarrarem em suspeitas envolvendo figuras poderosas. “As consequências serão devastadoras, a ponto de desestimular a investigação e a responsabilização de autoridades do alto escalão da República pelos membros do Ministério Público”, afirma. Eis o que mais ele disse:

Como o sr. recebeu a notícia de que o CNMP formou maioria para puni-lo com uma suspensão de 45 dias?
A perspectiva de ser punido justamente por exercer minhas atribuições com independência funcional me causa espanto e indignação.

Na sua avaliação, o que pesou na decisão?
Apenas eu produzi prova no processo disciplinar, arrolei dez testemunhas e promovi a juntada de documentação. As testemunhas atestaram a boa técnica da minha conduta profissional. Exerci minhas atribuições ao dar prosseguimento ao trabalho desenvolvido pelas promotoras de Justiça que me antecederam e os recursos interpostos foram endossados por procuradores de Justiça que oficiam perante o Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Ou seja, o ajuizamento de demandas e a condução de procedimentos investigatórios não partiram de um posicionamento individual de minha parte, pois se trataram de ações de rotina, implementadas por dever de ofício com as devidas cautelas que a profissão requer. Minhas testemunhas ainda apontaram fatos graves, como o telefonema do ministro ao corregedor do Ministério Público do Mato Grosso, ocasião em que ele me chamou de “louco de gaiola” e solicitou a minha responsabilização. A gravidade dessa medida foi ignorada. Assim, a meu ver, no voto do conselheiro relator não se promoveu uma análise de toda a prova testemunhal, como se espera em qualquer processo, mas apenas o aproveitamento de trechos descontextualizados das provas que produzi para sustentar a condenação.

O sr. se arrepende de ter aberto uma investigação contra Gilmar Mendes?
Não há espaço para arrependimento quando se atua por dever de ofício, em respeito à autonomia e à independência do Ministério Público. Do contrário, teria me omitido diante da responsabilidade do cargo e das notícias de ilícitos ambientais e de supostos atos de improbidade administrativa.

Acredita que essa decisão vai desestimular promotores, procuradores e delegados a investigar poderosos?
Caso seja confirmada a condenação, haverá um precedente do CNMP para a interferência na independência funcional dos membros do Ministério Público, em razão do mero exercício de suas atribuições em sede processual. No meu entendimento, as consequências serão devastadoras, a ponto de desestimular a investigação e a responsabilização de autoridades do alto escalão da República pelos membros do Ministério Público.

Alguns conselheiros sugeriram na sessão que a sua recente promoção por merecimento seja revista. Acredita que a perseguição vai parar por aqui?
Foi uma remoção por merecimento decidida por um colegiado. Ressalto que até o presente momento não tive qualquer responsabilização disciplinar, em mais de doze anos de atuação como promotor de Justiça de Mato Grosso. Segundo a Constituição Federal, qualquer brasileiro conta com a garantia fundamental da presunção de inocência. Eventual condenação injusta apenas produzirá efeitos a partir de seu trânsito em julgado para atos futuros. Em todo caso, o Conselho Superior do Ministério Público do Mato Grosso, ao reconhecer meu mérito, tinha ciência de toda a minha atuação funcional, bem como da persecução disciplinar em trâmite no CNMP. Quanto à perseguição, o que posso afirmar é que não apenas eu, mas outros colegas poderão ser responsabilizados pelo exercício de sua independência funcional, quando atuarem por dever de ofício.

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