RuyGoiaba

Solto avós nas estradas

27.03.20

Que satisfação escrever para a Crusoé 100: 100 contato com meus colegas de redação, 100 perspectiva de sair da quarentena e, como de costume, 100 medo de publicar trocadilhos que deveriam dar cadeia. Faz parte da minha terapia durante o isolamento social, dá licença? Grato pela compreensão. E longa vida a esta revista, se sobrar algum leitor no mundo pós-coronavírus.

Cada um se vira como pode para ignorar o presidente e não enlouquecer muito fechado em casa: limpa pela quinta vez a casa que já estava limpa, acessa os vídeos mais obscuros do Pornhub porque já explorou todas as possibilidades dos campeões de audiência, passa o dia nas redes sociais participando de joguinhos do tipo “liste cinco pessoas que merecem ser afogadas num caldeirão de sopa de coronavírus” (minha lista é bem maior) ou “escolha cinco filmes piores que a morte por Covid-19” (tempos atrás, montei com amigos um site chamado “1.001 livros para morrer antes de ler”; agora, ficou bem mais fácil não ler todos eles).

Nos raros momentos de folga do home office — como diria Muricy Ramalho, aqui é trabalho, meu filho –, venho me dedicando a fazer um ranking dos meus virunduns favoritos. Para quem não conhece a palavra, “virundum” é aquela letra de música popular que você sempre cantou errado; há quem diga que o termo foi popularizado por Paulo Francis, como forma de se referir ao início do hino nacional do Bananão (“o virundum Ipiranga” etc.). A emepebê tem uma porção de clássicos do gênero, como o “trocando de biquíni sem parar” de Cláudio Zoli, o Melô do Bife de Belchior, cantado por Elis Regina (“é você que é mal passado e que não vê”), ou o “Scooby-Doo dos sete mares” de Tim Maia.

Decidi que meu preferido hoje é o “solto avós nas estradas” de “Travessia”. A supracitada Elis costumava dizer que, “se Deus cantasse, seria com a voz do Bituca [Milton Nascimento]”, e hoje eu acredito que Milton é mesmo um oráculo: em 1967, já cantava sobre uma possível política pública do governo Bolsonaro, soltar avós nas estradas. É basicamente só isso que falta fazer o presidente que pediu o fim do confinamento, chamou um vírus mortal de “resfriadinho” e decretou que lotéricas e igrejas são “serviços essenciais” e têm de ficar abertas.

Considerando que igrejas e sobretudo lotéricas são lugares de grande concentração de velhinhos, talvez seja tudo um plano de Paulo Guedes para reduzir o déficit da Previdência; não me surpreenderei se esse pessoal propuser também medidas como decapitação para resolver de uma vez por todas o problema da caspa. Seja como for, fique em casa, mantenha seus velhinhos queridos protegidos e, como cantavam os Mutantes — todos hoje no grupo de risco para a doença, aliás –, mande o governo para Portugal de navio.

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A GOIABICE DA SEMANA

A falta de noção nos e-mails de propaganda das companhias aéreas brasileiras já é tradicional: tempos atrás, recebi um que dizia “você está 100% mais perto do seu destino!”, o que a rigor significa que eu JÁ viajei e nem precisaria pegar avião nenhum. Mas ficou ainda melhor: em tempos de pandemia, elas continuam oferecendo “vantagens” do tipo “planeje o seu próximo destino! Acumulando X pontos você consegue!”, sempre com essas exclamações cheias de entusiasmo.

Amigos, meu próximo destino é o banheiro, com conexão na sala antes de aterrissar no quarto, e felizmente não preciso pegar nenhum voo para isso. A não ser que vocês pretendam me oferecer “férias maravilhosas nas nossas piscinas naturais de coronavírus!”, o que ficarei muito feliz em recusar.

Marcelo Casal Jr/Agência BrasilMarcelo Casal Jr/Agência BrasilAeroporto JK, em Brasília, repleto de gente atraída pelas promoções das aéreas

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