DivulgaçãoDesembarque de kits de teste encomendados pela Vale: pequenas e grandes empresas têm contribuído

Hora da solidariedade

Grandes empresas, artistas e milhares de cidadãos anônimos se mobilizam para ajudar no combate ao vírus
03.04.20

O combate ao novo coronavírus impõe uma luta prévia contra o tempo e a escassez. A meteórica evolução da Covid-19 pelo mundo mostrou como a falta de preparo e estrutura multiplicou a sua letalidade. Por carência de equipamentos básicos de proteção, hospitais viraram polos propagadores da infecção na Itália. Sem leitos e respiradores, pacientes agonizam até a morte dentro de suas casas. Ao mesmo tempo, o único remédio capaz de conter até agora uma doença sem antídoto, o isolamento social, tem como reação mais adversa uma amarga fatura econômica e social que já aflige milhões de famílias brasileiras. Em meio à sensação de impotência e uma avalanche de notícias desoladoras, uma série de iniciativas voluntárias nas últimas semanas ajudaram a renovar a esperança. As agruras de uma pandemia que confinou pessoas de todos os credos, raças e classes sem prazo para terminar despertaram um espírito solidário de dimensão inédita na história do país. Uma rede de apoio que tem se expandido mais rapidamente até do que o próprio vírus.

O volume de recursos anunciados com contribuições em dinheiro ou insumos nos últimos 15 dias para enfrentar a pandemia no Brasil já é tamanho que a Associação Brasileira de Captadores de Recursos criou nesta semana uma ferramenta exclusiva para monitorar em tempo real as “doações da Covid-19”. Até quinta-feira, 2, o monitor já contabilizava 848 milhões de reais vinculados a cerca de 60 campanhas e ações promovidas por grandes empresas, como bancos e indústrias, fundações, ONGs, celebridades e muitas pessoas anônimas. “Isso é algo inédito. É a maior mobilização de recursos privados que eu já vi na história do Brasil. Espero que todo esse movimento sirva de inspiração para que o brasileiro crie o hábito de doar para causas, algo tão comum em outros países”, afirma o diretor-executivo da ABCR, João Paulo Vergueiro, para quem a ferramenta ajuda a reforçar o compromisso de apoio assumido pelos doadores e a estimular novas contribuições.

Boa parte das doações estão voltadas para suprir carências de insumos externadas publicamente pelas autoridades. Nesta semana, por exemplo, a gigante Vale desembarcou no aeroporto internacional de Guarulhos o primeiro lote de um total de 5 milhões de testes rápidos para a Covid-19 comprados na China. A mineradora, que ainda tenta reconstruir sua imagem após a tragédia de Brumadinho, em Minas Gerais, há pouco mais de um ano, também prometeu doar 100 toneladas de produtos de higiene e proteção pessoal, como sabão e álcool em gel. Uma das principais armas hoje no combate ao coronavírus, os testes que permitem detectar as pessoas infectadas (e, assim, tratá-las e isolá-las de forma rápida para evitar a saturação de leitos e a propagação da doença) também serão doados pelos três maiores bancos privados do país. Itaú, Bradesco e Santander anunciaram em conjunto a compra de 5 milhões de kits, além de respiradores e tomógrafos. Os braços sociais do Itaú-Unibanco divulgaram ainda que disponibilizaram 150 milhões de reais para ampliação de estruturas hospitalares, compra de equipamentos e distribuição de cestas básicas.

DivulgaçãoDivulgaçãoA Ambev adaptou uma de suas plantas para produzir álcool em gel
Estudos apontam que em menos de vinte dias já faltarão leitos para pacientes contaminados pelo vírus nos principais centros urbanos do país. Contra o tempo, a Ambev, em parceria com a Gerdau e o Hospital Israelita Albert Einstein, anunciou que haverá 100 novos leitos em 40 dias em um hospital na periferia da zona sul de São Paulo, cidade mais afetada pela pandemia até agora. A cervejaria também adaptou sua planta em Piraí, no estado do Rio de Janeiro, onde produz 14 marcas diferentes de bebida, para fabricar 500 mil garrafas de álcool em gel para distribuir em hospitais públicos do Rio, São Paulo e Brasília. O etanol é o mesmo usado no processo de preparação das cervejas “zero álcool”. “Esse momento pede colaboração e união de esforços. Cada um deve fazer o que está ao seu alcance para, juntos, superarmos essa situação o quanto antes”, diz Jean Jereissati, CEO da Ambev.

O déficit de vagas e aparelhos em UTIs também motivou o movimento União Rio a lançar uma campanha de financiamento coletivo para 60 novos leitos no Hospital Universitário do Fundão, no Rio. Em menos de dez dias, a iniciativa arrecadou quase 12 milhões de reais com cerca de 800 colaboradores. “É uma surpresa muito positiva com tão pouco tempo de campanha no ar. A gente vê pessoas que estão fazendo a primeira doação na vida. Estamos pensando até em ampliar a nossa meta (15 milhões) para podermos fazer mais”, conta Leandro Nascimento, coordenador do Instituto da Criança, uma das entidades à frente do projeto. A obra no hospital já está a pleno vapor e o plano é ativar mais 550 leitos nas redes municipal e estadual de saúde, além da compra dos equipamentos de proteção individual para os profissionais de saúde, também chamados de EPIs, que estão em falta no mercado.

A campanha foi feita por meio da Benfeitoria, plataforma de crowdfunding pioneira no Brasil que há nove anos é usada para angariar recursos para projetos culturais e sociais, como produção de espetáculos, publicação de livros e cursos de capacitação para jovens da periferia. Isso até o início da pandemia. “Hoje, 98% das nossas campanhas são Covid”, relata Murilo Farah, CEO da plataforma. São mais de 300 projetos que já captaram 15,8 milhões de reais com cerca de 5 mil colaboradores. “As pessoas estão vendo que este é o momento de abrir mão das nossas liberdades ou dos privilégios individuais em prol do todo. Ou a gente cria essa ambiência de colocar todo mundo no mesmo barco ou não vai ter mais solução factível”, completa.

Muitos projetos têm focado no impacto econômico na vida de famílias por causa da quarentena. Enquanto o “coronavoucher” de 600 reais sancionado pelo governo federal para trabalhadores informais ainda não saiu do papel, um grupo de cinco amigos que atuam no mercado financeiro já arrecadou 136 mil reais com o projeto “Fique bem em casa”, para comprar alimentos e kits de higiene

DivulgaçãoDivulgaçãoXuxa Meneghel doou para o SUS: celebridades também contribuem
para moradores de comunidades carentes, como as favelas da Rocinha, no Rio, e Paraisópolis, em São Paulo, que perderam suas fontes de renda no mercado informal com o lockdown no comércio. Na mesma linha, mas com um poderio financeiro infinitamente superior, a XP Investimentos anunciou 25 milhões de reais em compras de cestas básicas para 100 mil pessoas.

Aos poucos, celebridades do mundo do entretenimento e do esporte também estão se mobilizando na luta contra a Covid-19. Há uma semana, a apresentadora Xuxa Meneghel doou 1 milhão de reais para o SUS. No último domingo, às 16 horas, horário em que deveriam começar várias partidas de futebol pelo Brasil — todos os campeonatos foram suspensos —, o goleiro Alisson, do Liverpool e da seleção brasileira, e o ex-jogador Denílson convocaram os colegas de todos os times para enfrentar o adversário do momento. Idealizado pelo zagueiro Danny Morais, do Santa Cruz, o “Desafio Corona” está arrecadando dinheiro por meio da venda de camisas autografadas pelos atletas na internet. O dinheiro será usado para comprar respiradores, máscaras e luvas de proteção.

As contribuições não se limitam à compra de alimentos ou itens de higiene e saúde. A empresa de transporte por aplicativo 99, por exemplo, doou 900 mil reais em vouchers para a prefeitura de São Paulo usar no transporte de funcionários que prestam serviços essenciais e que precisam se locomover pela cidade. Grandes montadoras como Fiat e Volskwagen cederam veículos de suas frotas. Até a fabricante de cigarros Philip Morris – cujo produto principal ajuda a aumentar os riscos de quem contrai o vírus – emprestou dez vans para transportar doações. A fabricante de pratos e copos Nadir Figueiredo doou mais de 7 mil peças para o hospital de campanha recém-inaugurado no estádio do Pacaembu. Já a Alpargatas vai distribuir 100 mil pares de chinelos em comunidades carentes. Seja uma doação de 2 milhões de sabonetes feita por uma gigante como a JBS ou a entrega de 216 frascos de álcool em gel por um restaurante japonês de bairro, toda ajuda é bem-vinda em um momento repleto de incertezas. Como diz o manifesto de uma das campanhas de mobilização: “Essa também é uma janela de oportunidade para mostrarmos ao mundo a potência que temos quando nos unimos”.

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