Adriano Machado/Crusoé

Alexandre, o médico

O infectologista vive uma rotina extenuante entre seu consultório particular e UTIs, mas o que mais tem tomado seu tempo são as centenas de dúvidas que chegam pelo WhatsApp
08.04.20

Sempre que epidemias desembarcam em um país, infectologistas são chamados às trincheiras. Desde que concluiu a residência no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e retornou a Brasília, em 2004, Alexandre Cunha, hoje com 47 anos, sempre atuou na linha de frente do combate a pelo menos cinco doenças. Até este ano, a mais notória delas tinha sido a H1N1, cuja propagação planeta afora também levou a Organização Mundial da Saúde, a OMS, a declarar pandemia.

O surto da gripe suína, como a doença ficou popularmente conhecida, ocorreu em 2009 e matou 2.060 pessoas no Brasil. Àquela época, Alexandre peregrinava por quatro hospitais do Distrito Federal e pouco dormia — a rotina de trabalho consumia ao menos 13 horas de seus dias. O quadro de infectologistas era limitado, com cerca de 30 profissionais. Desses, no máximo 15 visitavam pacientes internados. A carga, diz o médico, “era insuportável”.

Passados onze anos, Alexandre está novamente no campo de batalha – agora, contra o novo coronavírus. Ao menos até agora, para ele, as condições de trabalho são mais confortáveis. Especialmente porque o número de infectologistas em Brasília subiu para cerca de 130 e a doença ainda não atingiu o pico do contágio. Mas o médico espera para logo um recrudescimento do quadro. “Deve piorar bastante”, diz.

Hoje, a rotina profissional de Alexandre já é extenuante, e toma dele cerca de dez horas por dia, entre quatro frentes diferentes de trabalho. Em seu consultório, até há pouco apenas 20% das consultas eram dedicadas à avaliação de sintomas respiratórios. Nas últimas semanas, houve uma escalada de atendimentos desse tipo e pessoas com suspeita de Covid-19 tornaram-se maioria.

O médico ainda faz visitas às UTIs dos hospitais Brasília e Sírio Libanês, que abriram alas específicas para pacientes em estado grave diagnosticados com a doença. Antes de vê-los, Alexandre leva 15 minutos para se paramentar com o traje de proteção obrigatório: gorro, luvas, máscara, óculos e capote. Lá dentro, orienta os colegas intensivistas quanto à conduta a ser adotada em cada caso. Ele não revela o número de pessoas que tem atendido, para não ferir as normas dos dois hospitais, que só repassam as informações à Secretaria de Saúde local.

Uma vez por semana, o infectologista também trabalha como consultor de um dos principais laboratórios de análises clínicas da cidade. Na próxima quarta-feira, 15, iniciará a avaliação de novos testes rápidos para a detecção da Covid-19. Com sua equipe, verificará se o exame é confiável o suficiente para ser disponibilizado.

Em meio às múltiplas responsabilidades, no entanto, a atividade que mais tem demandado tempo do médico é a de tira-dúvidas pelo WhatsApp. Diariamente, Alexandre recebe mais de 300 mensagens. São, muitas vezes, desconhecidos com sintomas ou atrás de esclarecimentos. “Isso deve estar tomando metade do meu dia. Algumas vezes, passo cinco ou seis horas apenas respondendo.” No aplicativo, ele também participa de debates sobre a doença com outros médicos e tira um tempo para desmentir fake news. “Se alguém posta uma desinformação, a gente tem que corrigir. Isso atrapalha o trabalho.”

Para o infectologista, a procura incessante deve-se ao fato de que, para a maior parte da população, uma pandemia como a atual, acompanhada de uma comoção global, é uma grande novidade. “Ninguém nunca viu algo deste tipo. Vai ficar marcado em todos que estão vivendo este momento”, diz. Em paralelo ao medo, a gratidão dos pacientes – os reais e os virtuais, aqueles do WhatsApp, também aflora. As mensagens de agradecimento são quase tão frequentes quanto as dúvidas. “Nessas horas, muitos adotam os médicos como uma espécie de porto seguro.”

O temor não deixa de fazer parte da vida de profissionais da saúde como ele, mais expostos ao vírus. No caso de Alexandre, a preocupação aumentou ainda mais quando ele viu um colega virar paciente. Fora do grupo de risco, um médico conhecido dele, com menos de 40 anos, contraiu o coronavírus e chegou a ser internado em uma UTI. “Isso abala muito a equipe. Fica palpável demais. É um igual a você”, afirma. “Ele se recuperou, mas claro que isso gerou muita apreensão.”

Para evitar a contaminação no consultório, Alexandre tem disponibilizado máscaras aos pacientes que chegam com sintomas e usado luvas em todos os exames. A higienização com álcool em gel, que já era praxe, foi redobrada. Antes de sair da clínica e ao chegar em casa, o médico obedece ao script recomendado. E quando não está trabalhando, segue o isolamento domiciliar à risca. Deixou de lado os jogos de tabuleiro com amigos às segundas-feiras, um hábito de três anos, e as partidas de futebol às terças. As sessões de cinema semanais com o filho, de 11 anos, também ficaram para trás. Torcedores do Flamengo, os dois passaram a brincar no videogame. “Se o tsunami não vier como a gente espera, ótimo. A gente nunca vai poder falar: ‘Ah, tá vendo? Não precisava’. Falaremos: ‘Que bom, fizemos o certo’”.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. Será que alguém de boa influência, há de lembrar um dia de abrir discussão jurídica da hipótese de uso dos brasileiros como cobaias no caso cloroquina, por indução externa ? E nas alternativas de isolamento e distanciamento social ? Teríamos sido usados ?

  2. Parabéns, Dr. Alexandre! O senhor vai sair bem dessa - com toda a sua família - e ainda vai ajudar muita gente a se recuperar. Deus lhe pague e Nossa Senhora o abençoe!

  3. Muito a agradecer a profissionais como Dr. Alexandre. Parabéns a Crusoè por abrir este espaço e mostrar que temos pessoas capacitadas e engajadas nesta luta. E que o se no final parecer que nao era necessário tanto, terá sido mesmo porque tomamos as medidas no tempo certo.

  4. Nosso país só tem a agradecer a pessoas como o Dr. Que as forças de bem do universo protejam nossos médicos e profissionais da saúde.

  5. 🇧🇷 Em vez de governadores e políticos do PT e PSOL ficarem de quatro perante o embaixador do partido comunista chinês ☭, deviam congelar todos os investimentos e propriedades da ditadura comunista ☭ até cobrir todos os prejuízos materiais e de vidas causados aos brasileiros. 🇧🇷 Devem ser denunciados e julgados em cortes internacionais e um boicote internacional a China comunista até o pagamento de todo prejuízo.

  6. Força, dr Alexandre! Seu trabalho super hipocrático vai valer a pena. Parabéns pela dedicação incondicional nesta hora dramática.

  7. Tem o meu mais irrestrito respeito. Não só pelo que está passando agora, como pelo seu maravilhoso trabalho ao tratar, e curar, minha mulher, que foi sua paciente em um longo e sofrido tratamento de cura de Hepatite C. Eternamente gratos. Obrigado.

    1. Vai estudar como ele e tenha 4 empregos também é o que o Brasil precisa. Não de ignorantes.

    2. Contribua ao ponto da reportagem, se está em revolta ele não é o culpado. Os riscos graves que ele está submetido, acredito que não seja o seu. Graças que ele (médico) , policiais, motoristas de transporte coletivo e coletores estão todos empregados.

    3. Estude, se dedique e se arrisque como ele por amor e dever!

    4. Comentário absolutamente desnecessário no contexto da reportagem

  8. Saúde dr e muita gratidão. Estou fazendo a minha parte permanecendo em casa e redobrando os cuidados com higiene. Vai passar e sairemos melhores seres humanos.

  9. 24 horas por dia de CoVid-19 na mídia e a população, desnorteada e desamparada, vê a luta para manter os pacientes vivos e rezando para que eles, finalmente, reajam e se curem. E nunca nenhuma palavra, nem das autoridades, nem dos jornalistas nem de ninguém sobre HOMEOPATIA. Oo registros históricos da superioridade absurda da Homeopatia nas epidemias que assolam a humanidade estão todas disponíveis na internet. Experimente, por exemplo, jogar "Gripe Espanhola - Homeopatia" no Google. Sentado...

  10. Enquanto uns trabalham para ajudar e curar pessoas, outros prestam um desserviço contribuindo para agravar a situação. Lamentável !

  11. Dizer obrigada parece pouco, e é, mas é o sentimento que tenho agora por você e por todos que estão se arriscando por nós. Gratidão ontem, hoje e sempre!

  12. São muitos HERÓIS, se dedicando dia e Noite. Meu abraço e que Deus o Proteja e também a Família. Somos Gratos a todos os Profissionais que cuidam de NÓS.

    1. Falta de condições sanitárias. Crescimento desordenado baseado na mão forte da ditadura

  13. É isso doutor Alexandre, é melhor ouvir depois, não precisava tudo isso, há ouvir por que não fizeram nada. Parabéns ao seu empenho, saúde e paz.

  14. Obrigado Drº Alexandre!! Vamos esperar que a partir desse momento haja uma sensibilização governamental, para trazermos a saúde para o nível de prioridade que ela merece, valorizando seus profissionais. A medida que a corrupção ceder, maior será a viabilidade de termos instalações e equipamentos adequados em qualidade e quantidade para atender a essa sofrida população. Todos temos que nos mobilizar contra a corrupção, afastando alguns juízes que soltam bandidos, para benefício de nossa população

  15. Dr Alexandre sempre foi um excelente profissional e uma pessoa maravilhosa. Que tenha muita energia e proteção fazer ainda mais por todos. A ele, minha eterna gratidão.

Mais notícias
Assine agora
TOPO