Carlos Fernandodos santos lima

A falta que um líder faz

17.04.20

“Só tenho para oferecer sangue, sofrimento, lágrimas e suor. Temos perante nós uma dura provação. Temos perante nós muitos e longos meses de luta e sofrimento”. Assim Winston Churchill dirigiu-se aos britânicos em 1940 ao assumir o governo inglês de coalizão após a Alemanha nazista invadir a Bélgica e França. E foi graças a sua liderança que a Inglaterra resistiu ao avanço alemão, permitindo que de sua costa fosse iniciada a liberação da França, com o desembarque das tropas aliadas na costa da Normandia, quatro anos depois.

Sorte de países como a Grã-Bretanha, que em momentos de grave dificuldade podem contar com um líder como Winston Churchill, uma pessoa que lhes trouxe esperança apesar das dificuldades, que foi um guia por um período sombrio, incentivando os enfraquecidos, trazendo de volta os que se desviaram e, principalmente, dando o exemplo do certo e alertando contra o errado. Assim fez Churchill ao manter a moral dos britânicos durante os períodos mais difíceis da guerra, como a retirada de Dunquerque ou a batalha aérea da Inglaterra, em que Londres foi duramente bombardeada pela Luftwaffe, a força aérea da Alemanha nazista,

Infelizmente, justamente no momento difícil após a redemocratização, o Brasil encontra-se à deriva, sem qualquer liderança. E não é só pela falta de responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro nesta crise do coronavirus. Ele é apenas um sintoma de um mal maior. Não temos nenhum líder que nos traga esperança de dias melhores, alguém a liderar pela retidão de propósitos e clareza de convicções. A verdade é que nós brasileiros somos passageiros de um navio em plena tempestade em que a tripulação age como grupos de amotinados uns contra os outros. E o pior, descobrimos no pior momento que o capitão do navio não tem sequer condições de navegar sozinho um simples bote, mesmo que em lagoa de águas plácidas, sem ficar dando voltas a esmo com suas remadas desencontradas.

A verdade é que estamos pagando o preço dos desacertos de nosso sistema político. O sistema político construído pela Nova República foi extremamente permissivo, autorizando que partidos proliferassem sem controle e que fossem adonados por homens de pequena envergadura moral. Isso pode ter ocorrido como uma resposta extremada à ausência de liberdade política durante a ditadura militar. Hoje temos que conviver com um sistema em que a classe política é irresponsável e populista, quando não também corrupta, e políticos que apenas se apegam ao cargo e se preocupam somente com a próxima eleição.

Lembro bem de ter ido ao primeiro comício pelas eleições diretas no país, que se realizou em Curitiba, em 1984. Tínhamos então esperança do fim dos anos de chumbo. Olhávamos lideranças como Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Tancredo Neves, Teotônio Vilela, Leonel Brizola e Miguel Arraes, dentre tantos outros de diversas correntes ideológicas, como homens capazes de restaurar a democracia brasileira. Víamos líderes que estavam colocando o jogo político partidário de lado em favor dos brasileiros.

Pergunto ao eleitor se ele tem pode indicar cinco nomes que considere, hoje, técnica e moralmente capacitados para liderar o país. Creio que, salvo se tratarmos a política como futebol, vamos perceber que hoje a política é um deserto de pessoas capazes e realmente preocupadas com o interesse público. Somos liderados por um insubordinado ex-capitão do exército, por presidentes do Senado e Câmara dos Deputados que, apesar de virem de famílias com condições financeiras, nem sequer terminaram o curso superior, e por um presidente do Supremo que não passou em concursos públicos para juiz. Há algo de errado em tudo isso. E não se trata de elitismo, mas da constatação de que os mecanismos de seleção de lideranças, que nas grandes democracias ocidentais se baseiam em partidos fortes, disciplina e filtros internos, estão em crise.

Mas o que aconteceu para que aquela geração emblemática fosse substituída por pigmeus morais? A resposta é simples: o abuso do poder financeiro em nossas eleições. Nossa classe política é viciada em dinheiro público. Nossas eleições foram ficando cada vez mais caras durante a Nova República, deixando de ser um período de disputa de ideias para se transformar em um confronto de marqueteiros, de propaganda eleitoral sofisticada e de propostas populistas mentirosas.

Nosso sistema partidário, da mesma forma, fragmentou-se. Partidos políticos foram criados apenas para dar espaço para caciques partidários interessados em vender espaço em rádio e televisão e receber o seu quinhão de dinheiro do fundo partidário. Assim, aquela geração da redemocratização foi deixando os partidos serem gerenciados por políticos capazes de fazer dinheiro, mesmo ou especialmente, ilícito. E são justamente essas gerações subsequentes que governam o país há mais de 20 anos.

A crise do coronavírus pode ser o momento para despertarmos desse jogo político sórdido e perverso. Quem sabe seja o momento para não retornarmos simplesmente ao que era antes. Precisamos dar um basta nessa política que, nas palavras de Leonel Brizola, nos obriga sempre a escolher entre o diabo e o coisa-ruim, fazendo que o inferno vença sempre. Precisamos diminuir o número de partidos, reforçar a sua transparência no uso do dinheiro, fortalecer os mecanismos de democracia interna, diminuir ao mínimo os gastos necessários para campanhas eleitorais, aproximar os eleitos dos seus eleitores, impedir o uso de fake news como instrumento de política eleitoral, dentre outros problemas.

Quando perguntado qual era o objetivo de seu governo naquele momento de guerra contra os nazistas, Churchill dizia: “Posso responder com uma só palavra: vitória – vitória a todo o custo, vitória a despeito de todo o terror, vitória por mais longo e difícil que possa ser o caminho que a ela nos conduz; porque sem a vitória não sobreviveremos”. Churchill não foi um herói, mas um político que liderou um país para defender seus valores democráticos contra o autoritarismo. Triste é o país que precisa de heróis, mas ainda mais triste é um país sem lideranças e sem projetos, pois este é um país sem futuro. A vitória que devemos buscar, portanto, não é contra a pandemia, pois esta vai passar, mas contra o estado de coisas em nossa política. De outra forma, estaremos novamente desamparados nas crises que certamente virão.

Carlos Fernando dos Santos Lima é advogado e foi um dos procuradores da República da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO