FelipeMoura Brasil

A Ozark bolsonarista

22.05.20

“Nós sabemos que o cassino aqui no Brasil, se tivesse, seria uma grande lavanderia, serviria para lavar dinheiro”, disse Jair Bolsonaro durante a campanha de 2018.

Seu filho Flávio – que viajou em janeiro a Las Vegas, bancado pelo Senado, para se reunir com um dono de cassinos nos Estados Unidos – e líderes do Centrão, como Paulinho da Força e Arthur Lira, porém, atuam para que o presidente da República quebre mais uma palavra eleitoral e libere a jogatina, pelo menos em resorts.

“Isso é um projeto que está sendo construído pelo Ministério do Turismo para ser apresentado ao presidente”, admitiu o ministro Marcelo Álvaro Antônio.

O conjunto da obra não poderia ser mais emblemático:

– Cassinos são alvos fáceis de setores interessados na lavagem de dinheiro, como mostra a estupenda série “Ozark”, na Netflix, e como dizia um relatório de 1998 da Receita Federal sobre um projeto de lei então aprovado na CCJ do Senado;

– Flávio Bolsonaro, alvo de dois inquéritos, é investigado, entre outros crimes, por lavagem de dinheiro de rachadinha em sua loja de chocolate e, segundo o ex-aliado Paulo Marinho, foi avisado antecipadamente por um delegado da Polícia Federal do Rio de Janeiro de que uma operação atingiria seu então assessor Fabrício Queiroz;

– Paulinho da Força foi denunciado pela PGR por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, sob acusação de ter recebido 1,8 milhão de reais de propina da Odebrecht;

– Arthur Lira é réu em dois processos no STF, além de ser acusado pela ex-mulher de ocultar um patrimônio de 40 milhões de reais erigido, segundo ela, por meio de propina;

– Marcelo Álvaro Antônio foi denunciado pelo MPE de Minas Gerais por três crimes envolvendo candidaturas-laranja do PSL em 2018: falsidade ideológica, apropriação indébita eleitoral e associação criminosa.

Jair Bolsonaro costuma ser sensível aos apelos da turma. Não demite o ministro do Turismo; distribui cargos aos indicados pelos caciques do Centrão; defende o filho 01 pelo WhatsApp, dizendo que Paulo Marinho “mente na tentativa de incriminar Flávio”.

O presidente também trocou o diretor-geral da PF e mandou trocar o Superintendente do Rio, porque não ia “esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo meu”, ainda que as trocas custassem, e custaram, a saída de Sergio Moro, para quem o governo “não estava cumprindo suas promessas de combater a corrupção e fortalecer instituições”.

No final de 2019, em vez de vetar, Jair Bolsonaro ainda manteve a autorização para pagamento de advogados com fundo partidário, como o PSL, a pedido de Flávio, vinha fazendo desde fevereiro daquele ano com o escritório de Victor Granado Alves e pôde fazer até março de 2020 graças à decisão presidencial. O escritório de Alves – um dos três assessores do gabinete de Flávio na Alerj que, segundo Marinho, tiveram a informação vazada pelo delegado – recebeu no período um total de 500 mil reais.

Na série “Ozark”, o FBI tem dificuldades em prender os americanos que lavam dinheiro para um cartel de drogas mexicano, porque Marty Byrde, o protagonista brilhantemente interpretado por Jason Bateman, é muito bom no que faz. No Brasil das rachadinhas alopradas, é mais conveniente liberar os cassinos somente depois de aparelhar a PF, assim como publicar um novo protocolo de uso da cloroquina somente depois da MP que exime agentes públicos de responsabilidades durante a pandemia de coronavírus. Tudo em nome da economia e de novos empregos, claro.

A velha política aprende mais rápido com experiências passadas que o restante do povo.

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