Adriano Machado/CrusoéO acompamento de um dos grupos: discurso radical contra o Supremo e o Congresso

Os 300 e os outros

O que pensam, como agem e o que querem os grupos de militantes bolsonaristas que montaram acampamento em Brasília e são afagados e incentivados pelo presidente
22.05.20

Uma cena se tornou recorrente em Brasília nas últimas semanas. As portas do Palácio do Planalto que dão acesso à rampa na fachada principal se abrem e, acompanhado de ministros e assessores, Jair Bolsonaro aparece para cumprimentar grupos de apoiadores posicionados bem em frente ao prédio. Muitos vestidos de verde e amarelo, os manifestantes portam bandeiras, cartazes e gritam palavras de ordem em apoio ao presidente. Não raro, Bolsonaro desce a rampa para fazer um corpo a corpo. Em meio à pandemia de coronavírus, a negligência é flagrante. As recomendações de autoridades sanitárias são expressamente contrariadas. Muitos nem sequer usam máscaras.

A presença de grupos bolsonaristas na Esplanada dos Ministérios tem sido uma constante desde o início do governo, mas se intensificou nas últimas semanas à medida que a pandemia avança e adversários de Bolsonaro questionam sua capacidade de administrar a crise sanitária e as outras que dela decorrem, como a econômica. O grupo mais notório de apoiadores do presidente se autointitula “300 do Brasil” e é liderado pela youtuber Sara Giromini, uma ex-feminista de 27 anos mais conhecida por seu apelido, Sara Winter. Sara militou no Femen, grupo feminista ucraniano. Convertida ao conservadorismo, ela reforça as fileiras bolsonaristas em sua face mais radical, com ataques diretos ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal.

O “300 do Brasil” fixou tenda ao lado do Ministério da Justiça no início do mês, onde seus integrantes se revezam 24 horas. Na programação desta semana, o grupo recebeu a visita do psiquiatra Ítalo Marsili, incensado pelas redes bolsonaristas que o queriam no lugar de Nelson Teich na Saúde. Teve também palestra de Sara sobre ideologia de gênero. Na quarta-feira 20, o grupo jantou caldo. Teve queijo e goiabada de sobremesa. Numa tela improvisada, foram projetados, entre outros, vídeos do guru Olavo de Carvalho, cujas ideias servem de inspiração para as ações do grupo. Tudo aos olhos de uma dupla de policiais militares – o local é monitorado dia e noite pelo governo local. Umas 30 pessoas estavam no acampamento.

A alguns metros dali, na Praça dos Três Poderes, entre o Palácio do Planalto e o STF, um outro acampamento segue de pé há pelo menos um mês. É o “Soldados do Brasil – Voluntários da Pátria”, em sua maioria reservistas das Forças Armadas que atenderam ao chamado do militar reformado Paulo Felipe, conhecido como Comandante Paulo, para “ajudar o presidente a governar o país”. No final do dia, seus integrantes agitam bandeiras do Brasil na beira da via. Motoristas que passam pelo local incentivam com buzinas.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéSara Winter, em ato na Praça dos Três Poderes: ela fala em “revolução não violenta”e “táticas de guerra da informação”
Há também uma turma de Sinop, do Mato Grosso, que se instalou ao lado do Ministério da Agricultura. Um dos seus incentivadores é o empresário Marcelo Stachin, ex-secretário-geral da PSL no município mato-grossense que se engajou na campanha para a montagem do Aliança Pelo Brasil, partido idealizado pelo presidente da República. Para atrair mais pessoas a Brasília, Stachin e o Comandante Paulo gravaram vídeos juntos.

No último fim de semana, um grupo de reservistas da Brigada de Paraquedistas do Exército viajou do Rio de Janeiro para Brasília e participou das manifestações de apoio ao presidente — Bolsonaro foi paraquedista no Exército. O chamado foi feito também pelas redes sociais: “Guerreiro paraquedista veterano, precisamos de seu apoio para que deixem o presidente governar”. Os paraquedistas, com boinas grenás e uniformes camuflados, viajaram em um ônibus de excursão e se instalaram em Taguatinga, cidade distante cerca de 25 quilômetros do Palácio do Planalto. O grupo foi recebido pelo presidente no Palácio da Alvorada. Oraram juntos e fizeram flexões.

Ora pregando o fechamento de instituições como o STF, ora estampando slogans como “até Rodrigo Maia cair”, os grupos radicais contam com o apoio dos filhos do presidente e de seus aliados. No domingo 17, por exemplo, Léo Índio, primo dos filhos de Bolsonaro, acompanhava de perto o cortejo fúnebre que os “300 do Brasil” simulavam, nos moldes do meme que ganhou fama no mundo a partir de um vídeo de divulgação de uma funerária de Gana, na África. O grupo carregava um caixão com fotos do ex-ministro Sergio Moro, do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e do ministro Alexandre de Moraes, relator de inquéritos no Supremo Tribunal Federal que apuram os responsáveis por atos antidemocráticos e ameaças a integrantes da corte.

O discurso dos grupos é radical. Comandante Paulo, por exemplo, já afirmou em vídeo publicado nas redes sociais que está acampado em Brasília para dar cabo à “patifaria que está estabelecida em nosso país há 35 anos por aquela casa maldita ali (apontando para o STF), com onze gângsteres (referência ao numero de ministros), que têm destruído a nossa nação, aliados ao Foro de São Paulo e ao narcotráfico internacional.” Não se tem notícia, até o momento, de qualquer ação para além da verborragia. Também não se tem notícia de punição para as ameaças e os ataques.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéO “Comandante Paulo” chama o STF de “casa maldita”e os ministros de gângsteres
O presidente faz questão de demonstrar deferência a seus apoiadores. Na sexta-feira 15, quando apareceu na porta do Palácio do Planalto para cumprimentar os manifestantes no final de tarde, que ali estavam para comemorar os 500 dias de governo, Bolsonaro estava acompanhado de Caio César Caio Lippe, um integrante do Movimento Conservador e de Direita do Paraná, envolvido com as articulações para a montagem do Aliança pelo Brasil. O convite foi um gesto aos apoiadores: eles estavam representados bem ao lado do presidente, na parte mais alta da rampa. Era mais um sinal do incentivo oficial às manifestações. Lippe vestia uma camisa da seleção brasileira.

Apesar do tom belicoso das falas, os militantes pró-Bolsonaro que acampam em Brasília ainda não levaram adiante nenhuma ação mais radical. A existência de um inquérito no STF que os coloca como potenciais investigados acaba funcionando como freio. Há 15 dias, o grupo liderado por Sara Winter foi alvo de uma ação cível pública do Ministério Público do DF. A promotoria pedia à Justiça a desmobilização do acampamento em razão da pandemia.

A iniciativa do MP foi motivada também pelas declarações de Sara Winter à BBC de que havia armas no acampamento do grupo. Na ação, o MP classificou o “300 do Brasil” de “milícia armada” e pedia que a Justiça determinasse a busca e apreensão de armamentos. A Justiça negou o pedido da promotoria por questão de formalidade processual. Em vídeo gravado para seus seguidores nas redes socais, Sara Winter rebateu a acusação. Disse que as ações do “300 do Brasil” são pacíficas e democráticas. Afirmou ainda que há segurança privada, devidamente habilitada para portar armas, para cuidar da integridade física dela e dos demais – ela afirma que sua residência foi alvo de disparos. Sara não atendeu Crusoé.

Contra as investidas de autoridades locais, os grupos têm contado com o apoio de políticos ligados ao bolsonarismo, como as deputadas Bia Kicis, de Brasília, e Caroline de Toni, de Santa Catarina, ambas do PSL, e do advogado Luís Felipe Belmonte, um dos articuladores do Aliança pelo Brasil. Bia Kicis, inclusive, procurou a Secretaria de Segurança para tentar liberar a permanência do grupos na Esplanada — há uma legislação local que proíbe os acampamentos em área pública.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéBolsonaro com militante no topo da rampa: gestos de apoio aos acampados, sempre no fim da tarde, passaram a ser frequentes
Na época do processo que culminou com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, foi montado um acampamento no gramado em frente ao Congresso, mas houve o consentimento por parte do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Bia Kicis afirma que sua contribuição se encerrou por aí. “É apenas contribuição moral”, disse a parlamentar, indagada se haveria por parte de seu gabinete alguma ajuda na logística. Um assessor da deputada chegou a participar do acampamento, no início.

Os líderes dos grupos dizem que contam com doações para esticar sua permanência na cidade. O “300 do Brasil”, por exemplo, conseguiu levantar 75 mil reais por meio de uma vaquinha na internet. Foram 828 doadores. Foi dessa vaquinha, segundo Sara Winter, que saiu o dinheiro investido em dez barracas que o grupo usa para pernoitar no gramado ao lado Ministério da Justiça. As barracas são desmontadas ao amanhecer. Sara também levanta recursos nas lives que faz no YouTube, onde fala de temas como política, aborto e feminismo e de sua conversão ao conservadorismo.

O “300 do Brasil” está usando uma chácara na região do Paranoá, cidade satélite de Brasília, como ponto de apoio – sob a alegação de que é preciso adotar cuidados especiais de segurança, o grupo não revela a localização exata da “base”. O local é usado pelos militantes para guardar seus pertences, para tomar banho e descansar. É a partir dessa chácara que Sara Winter tem feito as lives para dar notícias sobre o acampamento e incentivar novos adeptos. Às autoridades locais, o grupo informou que pretende seguir com as manifestações até 7 de junho.

As saídas de Bolsonaro do Palácio do Planalto acabam incentivando a permanência dos grupos na capital. É como diz o Comandante Paulo, o “líder” dos “Soldados do Brasil”, acampados na Praça do Três Poderes: “Nossa galera do acampamento Patriota espera o presidente Jair Bolsonaro chegar para fazer uma homenagem a ele. Toda a tarde a gente faz isso. Ele aparece e prestigia aqui o nosso acampamento”.

É tudo o que eles precisam para seguir em Brasília. E Bolsonaro, aparentemente, está gostando da ideia.

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