LeandroNarloch

A elite contra a internet

29.05.20

A internet foi a notícia da semana:

1.       Na quarta-feira, o STF mandou policiais federais à porta de blogueiros bolsonaristas e supostos financiadores de “redes de difusão de notícias falsas”.

2.       Na quinta, depois de ter duas mensagens classificadas como falsas pelo Twitter, Trump assinou uma ordem executiva para regular as redes sociais e tentar eliminar o viés político dos serviços de verificação de publicações.

3.       O Congresso brasileiro discute uma lei que limita a cinco os compartilhamentos de mensagens por usuário do WhatsApp e obriga as redes a verificarem e alertarem quanto a notícias falsas.

Por coincidência, justamente esta semana topei com o livro The Revolt of the Public, de Martin Gurri. Escrito antes da vitória de Trump e Bolsonaro, do Brexit ou da ascensão do movimento italiano Cinco Estrelas, o livro diz que as mudanças políticas causadas pela internet estão só começando. As fake news são só um efeito mais evidente e polêmico de toda uma revolução do modo pelo qual as pessoas se informam e votam.

O livro considera uma velharia do século 20 o modelo tradicional de informação – aquele centralizado, de cima para baixo, em que editores de grandes empresas escolhiam para o público o que era importante. “O público de massa dócil, tão facilmente convencido por anunciantes e políticos, foi uma fantasia de monopolistas que se desintegrou no primeiro contato com alternativas”, diz Gurri. “Quando a mágica digital transformou os consumidores de informação em produtores, uma ordem estabelecida – grandes hierarquias de poder, dinheiro e conhecimento – entrou em crise.”

Ex-funcionário da CIA, encarregado da análise da imprensa internacional, Gurri acredita que a ruína da mídia tradicional levará à ruína de outras instituições – entre elas, até mesmo a democracia liberal.

Concordando ou não com a profecia, é interessante analisá-la. No século 20, diz Gurri, a autoridade das instituições se nutria do controle do fluxo de informações. Quando perderam esse controle, perderam também a legitimidade.

No sistema de informações disperso e descentralizado de hoje, o tema predominante é o fracasso das elites. “Desmoralizadas, sabendo que cada falha, cada um de seus erros será exposto sem fim na internet, as elites que tocam o sistema vivem um sonho reacionário de voltar ao século 20”, diz o autor.

Parece que ele está falando do STF, não?

O problema é que, enquanto destrona as instituições tradicionais, esse novo público convertido em protagonista político não mostra soluções ou alternativas. Só o repúdio ao sistema o motiva. Por isso é uma fonte de votos para populistas, para quem faz do ressentimento popular sua força eleitoral.

Se Martim Gurri estiver certo, a “Lei das Fake News”, que deve ser votada semana que vem no Congresso, é ingênua, para dizer o mínimo. Tenta ressuscitar um sistema de informação centralizado, de cima para baixo, anterior à internet. Não vai nem chegar perto de pôr ordem no caos das discussões políticas nas redes sociais.

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