Imagem despedaçada
Assim que entrou em uma reunião virtual na quarta-feira, 20, o engenheiro florestal Mauro Armelin, diretor-executivo da ONG Amigos da Terra, começou a escutar perguntas esquisitas. Empresários alemães do setor florestal queriam saber se ele poderia ter problemas ao se expressar. “Realmente está tudo bem com você?”, “Está sofrendo algum tipo de pressão?” e “Pode falar sem preocupações ao telefone?” foram algumas das perguntas. Caso entendesse que alguma resposta poderia colocar sua vida em perigo, Armelin poderia passar a vez, avisaram simpaticamente os alemães. “Eu estava falando da minha casa e me surpreendi. Que eu saiba, minha vida não está em risco. Percebi naquele momento que a imagem que estão fazendo do Brasil lá fora é bem pior do que eu tinha imaginado”, diz o engenheiro.
A conversa remota, na qual os estrangeiros queriam prospectar negócios por aqui (eles compram fazendas para plantio de árvores de reflorestamento), não rendeu frutos. Os alemães, informados sobre o quadro político-sanitário do país, preferiram não se arriscar por aqui. As razões: dúvidas sobre a capacidade do Brasil de fazer valer as próprias leis, o desastre no combate ao coronavírus e as barulhentas disputas entre os três poderes da República. “Os estrangeiros estão colocando em debate a nossa capacidade de agir como nação”, diz o engenheiro.
A péssima imagem do Brasil no exterior parece ter atingido seu ápice nos últimos dias, quando todos os principais jornais do mundo publicaram matérias desfavoráveis ao país. Não é para menos. O Brasil assumiu a liderança planetária em mortes registradas nas últimas 24 horas, ultrapassando os Estados Unidos. Na segunda-feira, 25, o presidente Jair Bolsonaro reagiu criticando a cobertura internacional. “A imprensa mundial é de esquerda. O (Donald) Trump sofre muito nos Estados Unidos também”, disse o presidente. Quem conhece jornais como o Financial Times e o Daily Telegraph, contudo, sabe que eles não podem ser rotulados como tal.
Em outros países, os registros de contaminados e de mortes por Covid-19 estão em declínio e os governantes já iniciaram planos de reabertura. Nos gráficos comparativos, o Brasil parece ser o único em que as estatísticas ainda estão em uma curva ascendente. Tudo bem que a doença demorou um pouco mais a chegar com força por aqui. Mas nós nem sequer estamos aproveitando a vantagem do lapso temporal para aplicar as boas experiências de quem já passou pelo ponto em que estamos. A situação causou inquietação nos Estados Unidos e levou o governo de Donald Trump a proibir a entrada no país de brasileiros e outros estrangeiros com passagem recente pelo Brasil. A menos de seis meses das eleições gerais, Trump entendeu que poderia ser castigado nas urnas se ficasse impassível em relação à catástrofe brasileira.
Para os investidores, o que vale é quanto a pandemia poderá desequilibrar as contas públicas. No ano passado, eles tinham comprado a promessa de que o governo brasileiro estava segurando os gastos para normalizar as contas ao longo do tempo. Desde o início do ano, a dívida pública bruta subiu de 76% para 78% do PIB. A expectativa é a de que as medidas para aliviar a crise e a queda na arrecadação de impostos empurrem essa proporção para perto dos 100%. O fator político, então, será fundamental. Se a pandemia minar a aprovação de Bolsonaro, o governo terá dificuldades para evitar uma evolução descontrolada da dívida pública no segundo semestre. “A questão não é tanto o tamanho da dívida, mas qual será a capacidade do governo, que está isolado e sendo criticado por ser ineficiente em manter a dívida em um patamar sustentável”, diz Garman.
Na frente diplomática, o país poderá ter mais dificuldades em assumir um papel de destaque. Na famosa reunião ministerial do dia 22 de abril, o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, se disse cada vez mais convencido de que o Brasil tem, hoje, condições de se sentar na mesa com “quatro, cinco, seis países” para definir a nova ordem mundial. Na visão do chanceler, assim como depois da II Guerra um punhado de potências estabeleceu qual seria a ordem que reinaria nas décadas seguintes, após a crise do coronavírus um novo time de nações se encarregaria de riscar as novas linhas, com o Brasil entre elas. “Isso me parece mais uma fantasia que o ministro criou e que só ele acredita”, diz o cientista político Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute no King’s College, em Londres. “Não vejo qualquer evidência de que os líderes europeus tenham vontade de se sentar em uma mesa com o Brasil.”
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