Carlos Magno/Governo do Estado do Rio de Janeiro

O calo de Witzel

O inquérito aberto para investigar o governador do Rio avança a passos largos e arrasta mais uma primeira-dama para a ribalta dos escândalos no estado
29.05.20

Quando as viaturas da Polícia Federal cercaram o Palácio das Laranjeiras, na manhã da última terça-feira, 26, o governador do Rio, Wilson Witzel, já sabia que tinha sido eleito alvo prioritário da Procuradoria-Geral da República nas ações de combate ao desvio de dinheiro destinado à Covid-19. Na semana passada, Crusoé revelou as coincidências que haviam entre as suspeitas que embasaram a abertura do inquérito contra Witzel pela PGR e o teor de um dossiê que circulou dias antes pelo gabinete do presidente Jair Bolsonaro, inimigo do governador. Despertaram a atenção não só a celeridade, mas também o empenho da equipe de Augusto Aras, sabidamente alinhado a Bolsonaro, na apuração dos sinais de fraudes que vinham do Rio.

Àquela altura, havia rumores de que estava sendo gestada uma operação mirando o governo fluminense, como desejava o presidente. E estava mesmo. Na terça, Witzel foi acordado na residência oficial do governo pelos agentes federais que cumpriam doze mandados de busca e apreensão determinados pelo Superior Tribunal de Justiça a pedido da PGR. Os elementos trazidos pela Operação Placebo escancaram duas circunstâncias: 1) as suspeitas sobre o governador do Rio são muito mais fortes do que a própria Procuradoria imaginava inicialmente, ao instaurar o inquérito; e 2) a origem da investigação teve uma clara conotação política.

Os indícios mais robustos contra Witzel até agora estão em um contrato de consultoria jurídica no valor de 540 mil reais assinado em agosto do ano passado pela primeira-dama, Helena Witzel, com uma das empresas do grupo de Mário Peixoto, preso há duas semanas pelo Ministério Público Federal do Rio acusado de fraudar contratos com o governo fluminense. Esse documento foi apreendido pelos procuradores regionais na Operação Favorito, realizada no dia 14, e depois compartilhado com a PGR por envolver a mulher do governador, que é advogada. O escritório dela foi um dos alvos das buscas na terça. Segundo os investigadores, Helena já recebeu 105 mil reais. O caso traz a inevitável lembrança de um dos expedientes utilizados pela organização criminosa comandada pelo ex-governador Sérgio Cabral: o uso de contratos fictícios de fornecedores do governo com o escritório de advocacia de Adriana Ancelmo, ex-mulher do emedebista, para escoar a propina do casal.

Reprodução/TwitterReprodução/TwitterUm contrato assinado pela primeira-dama, Helena, complica o governador
Na decisão que autorizou a operação, o ministro Benedito Gonçalves, do STJ, destacou ainda o fato de o nome de Witzel ter sido mencionado em uma interceptação telefônica na qual dois operadores de Peixoto mencionam que “o zero 1 do palácio” havia revogado uma medida que desqualificava um instituto de saúde pertencente ao grupo, o que de fato ocorreu. Ou seja, paralelamente aos repasses para a primeira-dama, o governador teria praticado um ato de ofício beneficiando o empresário. O ministro diz ainda que o MPF identificou pagamentos de 225 mil reais das empresas de Peixoto para o escritório de advocacia de Lucas Tristão, secretário de Desenvolvimento Econômico e braço-direito de Witzel no governo.

Como esses indícios só foram obtidos pelo MPF há duas semanas, eles não constavam do material que deu origem à investigação aberta pela subprocuradora-geral Lindôra Araújo, escolhida por Aras para atuar em nome da Procuradoria-Geral nos processos que correm no STJ. Crusoé teve acesso ao pedido de abertura de inquérito sobre Witzel que Lindôra enviou à corte. O documento traz mais um indicativo das digitais do Palácio do Planalto na origem da investigação do inimigo do presidente. Nele, a subprocuradora diz ter recebido uma representação do deputado federal Otoni de Paula, do PSC do Rio, pedindo para investigar o governador por supostas irregularidades na contratação do Instituto de Atenção Básica à Saúde, o Iabas, para construir sete hospitais de campanha destinados a pacientes com coronavírus, pelo valor atualizado de 835 milhões de reais, além de outros contratos menores suspeitos.

Coincidentemente, o Iabas também era citado no material levado ao Planalto por pessoas muito próximas de Bolsonaro. Otoni, o deputado bolsonarista citado no expediente que inaugurou a apuração oficial, já estava mergulhado de cabeça na história. No dia 13 de abril, ele mandara um papelório para Aras com algumas informações sobre os contratos firmados pelo governo do Rio. Doze dias depois, na manhã de 25 de abril, um sábado, foi a Brasília para uma reunião de 25 minutos com o próprio presidente no Palácio da Alvorada. A conversa ocorreu no dia seguinte ao pedido de demissão do ex-ministro Sergio Moro. Abordado por jornalistas na saída do encontro, o deputado foi enigmático. Disse ter tido uma conversa particular com o presidente “sobre o futuro”. Naquele mesmo dia, Bolsonaro teve duas reuniões com o delegado Alexandre Ramagem, o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, que ele tentou colocar no comando da PF após demitir Maurício Valeixo.

CNJCNJA subprocuradora Lindôra Araújo foi quem abriu a investigação sobre Witzel
As desconfianças de que por trás da necessária investigação sobre o governador do Rio pode estar a mão invisível do Planalto aumentaram na véspera da deflagração da Operação Placebo. A deputada Carla Zambelli, do PSL, uma das parlamentares mais fiéis ao presidente, disse em uma entrevista à Rádio Gaúcha que operações relacionadas a gastos dos governadores com o coronavírus que “estavam ali na agulha para sair, mas não saíam” iriam ocorrer em breve. No dia das buscas, enquanto Witzel bradava que a operação “oficializava” a interferência de Bolsonaro na PF para perseguir adversários políticos, o presidente, perguntado sobre a ação, riu e parabenizou a corporação. No dia seguinte, anunciou que “vai ter mais”. Ele nega que tenha informações privilegiadas sobre o cronograma dos policiais e procuradores.

Se na cena nacional a operação fez Bolsonaro se regozijar com o apuro do governador que, segundo ele, persegue sua família, no Rio ela atingiu Witzel de forma ainda mais acachapante. Parlamentares de oposição já protocolaram pedidos de impeachment e o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, André Ceciliano, do PT, já sinalizou que deve dar encaminhamento às ações que podem cassá-lo. Mas o alcance das investigações iniciadas pela PGR pode ser ainda maior, como antecipou Crusoé na semana passada. Isso porque entre os alvos das buscas e apreensão autorizadas pelo STJ está o escritório do Iabas em São Paulo, onde o instituto que tem o lobista Roberto Bertholdo como consultor mantém contratos milionários com a prefeitura da capital, incluindo um emergencial de 75,2 milhões de reais para gerir um hospital de campanha durante a pandemia.

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