Reprodução/redes sociaisPolicial com manifestantes em Nova York: alguns governantes se mostram sensíveis ao apelo

Americanos contra os tiras

Na esteira das manifestações antirracistas, propostas para cortar verbas e até extinguir as forças de segurança pública avançam nos Estados Unidos. Mas a maior vítima pode ser a própria população
12.06.20

Manifestantes indignados com a morte do segurança George Floyd têm extravasado nas ruas a sua revolta contra os policiais, acusados de agirem com violência contra a comunidade negra. Entre as frases que mais apareceram nos protestos, estão as que pedem para abolir, desmantelar e reformar a polícia, além de secar os fundos da corporação. Na tentativa de canalizar os apelos por justiça, congressistas, governadores e prefeitos americanos têm tentado dar algum sentido prático para essas palavras, com projetos de lei e o anúncio de cortes orçamentários. O resultado pode ser o oposto do pretendido: medidas para reduzir ou eliminar a força policial têm potencial para colocar em risco a segurança dos americanos, principalmente daqueles que pertencem a grupos minoritários, como os próprios negros.

O último grande momento em que a sociedade americana foi levada a repensar o trabalho da polícia foi em 2014, após a morte de Michael Brown, em Ferguson, no estado de Missouri. Brown, de 18 anos, discutiu com um agente que estava em uma viatura e tentou agarrar seu revólver. Em seguida, o policial disparou. No ano seguinte, uma força-tarefa convocada pelo presidente Barack Obama publicou 63 recomendações para melhorar o trabalho da polícia, incluindo o uso de câmeras presas ao uniforme, treinamentos, a coleta de dados e a realização de investigações independentes sobre abordagens policiais que acabavam com vítimas. As delegacias também foram orientadas a tratar as pessoas de forma equânime, sem levar em conta raça, idade, etnia ou sexo.

Os desdobramentos dessas medidas podem ser conferidos na compilação de dados feita desde 2015 pelo jornal Washington Post, a qual se tornou referência para os acadêmicos da área. Desde aquele ano, funcionários do jornal passaram a registrar informações diversas sempre que ocorria um incidente nos Estados Unidos em que alguém era morto por um policial. Ao longo dos anos, o número total desses episódios se manteve estável. Mas, quando se olha para a quantidade de casos em que a vítima estava sem arma, o número caiu consideravelmente: de 94, em 2015, para 55 no ano passado, uma queda de 42%. A redução é ainda mais acentuada quando se analisam apenas os incidentes em que policiais mataram um negro desarmado. Segundo a base do Washington Post, de 38 casos em 2015, o número foi para 14 no ano passado. A diminuição foi de 63%. “São números muito encorajadores. Eles mostram que as recomendações governamentais foram ouvidas e implementadas por diversas unidades de polícia, principalmente nas grandes cidades”, diz o criminologista americano Justin Nix, da Universidade de Nebraska.

Flickr Lorie ShaullFlickr Lorie ShaullAmericana pede extinção da polícia, em Minneapolis
Um ano após a divulgação das recomendações pelo governo Obama, metade das agências policiais americanas já tinha adotado as câmeras penduradas no uniforme. Mais de oitenta estudos foram feitos para avaliar a eficiência do equipamento. As pesquisas apontaram uma queda nas reclamações sobre abuso policial. Isso pode ter acontecido porque os agentes passaram a atuar com mais profissionalismo ou porque os cidadãos desistiram de fazer queixas sem cabimento. Outro avanço aconteceu com a redução da impunidade. No passado, policiais raramente eram acusados por crimes ou condenados. Entre 2005 a 2014, em torno de cinco agentes foram acusados de assassinato ou homicídio culposo a cada ano. Desde 2015, essa média subiu para doze. Nos casos mais notórios, a Justiça tem sido célere. O policial branco Derek Chauvin, acusado de matar George Floyd, foi colocado em uma prisão de segurança máxima e teve a fiança estipulada em 1,2 milhão de dólares (6 milhões de reais). Ele e os outros três agentes que o acompanhavam foram demitidos.

O problema das iniciativas atuais é desconsiderar o que foi feito até agora e propor medidas arriscadas. Felizmente, extinguir a polícia não entrou na cabeça de nenhuma autoridade, apesar dos gritos insistentes das ruas. Em Minneapolis, onde George Floyd foi morto, a maioria dos integrantes do Conselho Municipal, equivalente à Câmara de Vereadores, votou por “desmantelar” a polícia. O prefeito da cidade, o democrata Jacob Frey, recusou-se a seguir adiante com a ideia. A resposta mais comum aos apelos dos manifestantes tem sido a destinação de parte da verba das polícias para outros fins. Em Los Angeles, o prefeito democrata, Eric Garcetti, falou em direcionar 8% do orçamento das forças policiais para ações comunitárias. O prefeito de Nova York, Bill de Blasio, e a prefeita de São Francisco, London Breed, ambos democratas, também falaram em cortar verbas da polícia.

No Congresso americano, os democratas protocolaram um projeto que proíbe sufocamentos como técnica de prisão e cria um registro nacional de policiais. Assim, um agente que foi demitido por má conduta em um estado não poderia trabalhar em outro. Outra proposta prevê que os chamados para atendimento a pessoas com problemas mentais não sejam respondidos por policiais armados, mas por profissionais de saúde. Os republicanos estudam enviar um projeto sobre o tema na próxima semana e se cogita até a possibilidade de o presidente Donald Trump assinar um decreto.

Ações como essas podem temporariamente abrandar a tensão dos protestos, mas não necessariamente terão alguma consequência prática. Nos Estados Unidos, leis federais têm alcance limitado na área criminal, uma vez que cada estado possui seu próprio sistema processual e suas leis penais. São as polícias estaduais que respondem à maior parte das ocorrências.

Democratas repetem gesto de policial após apresentarem projeto no Congresso
Leis federais para reformar a polícia também deverão ter pouco impacto na criminalidade, que é influenciada por múltiplos fatores. A partir de 1994, os Estados Unidos tiveram uma queda vertiginosa nas taxas de crimes violentos. Naquele ano, o presidente Bill Clinton assinou uma lei que destinou 10 bilhões de dólares para a contratação de 100 mil policiais — um movimento exatamente oposto ao que está acontecendo hoje. Com a economia crescendo a um ritmo de 4% ao ano, a taxa de homicídios caiu de 9 para 5 por 100 mil habitantes.

A criminalidade, porém, voltou a subir em 2014, o ano da morte de Michael Brown em Ferguson. O total de delitos violentos subiu 10% entre 2014 e 2016. A insegurança cresceu principalmente nas cidades que tiveram casos famosos de má conduta policial com registro de mortes. O fenômeno foi apelidado de “efeito Ferguson”, e é bem conhecido pelos policiais americanos. Uma de suas prováveis causas é a perda de confiança na polícia. As críticas constantes ao trabalho dos agentes, as ameaças de ações judiciais contra eles e a rejeição das comunidades em que atuam fez com que muitos deixassem de abordar suspeitos.

Testemunhas de crimes desistiram de ligar para a polícia e criminosos se sentiram encorajados. Os estupros têm aumentado de forma contínua nos últimos seis anos. Além disso, muitas vítimas passaram a buscar vingança com as próprias mãos. “É claro que isso gera muita preocupação. Além do aumento da criminalidade dos últimos anos, o desemprego causado pela pandemia do coronavírus poderá deixar as pessoas ainda mais desesperadas e propensas a cometer crimes”, diz o criminologista Nix. “Esta não é hora de pedir menos polícia, e sim de melhorar a polícia que temos.”

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  1. Que se faça um registro através de CPF, a todos aqueles que desejam o fim da polícia. Assim sendo, caso um dia este ser, desprovido de sabedoria, liga pro Homem-aranha. Pq a Polícia não irá vir...

  2. A polícia é um termômetro que mede o grau de civilização de seu povo. Semelhante ao Congresso Nacional, cada país tem aquele que merece.Por um motivo simples, o escolhe. E em relação a Polícia também é simples entender, seus integrantes são pessoas comuns, na sua maioria, pessoas pobres e de classe média, no máximo.Não foram importados de outros países. A falha esta no nosso sistema educacional que aprova quem estuda e quem nem frequenta as aulas. Muito complacente com o mal aluno.

  3. Parece uma nova roupagem para o famoso “no meu governo a polícia não sobe o morro” do Brizola. Nós vimos o que aconteceu no Rio. Os traficantes tiveram toda a tranquilidade para montarem seus esconderijos e organizarem seus “negócios”. O partido Democrata americano virou uma bela porcaria!

  4. repararam que quase sempre os casos de abuso policial são em cidades e/ou estados governados por democratas? parece que os jornalixos não atentam para esse pequeno detalhe.

  5. A ação policial precisa ser ter limites, seja contra quem for, principalmente contra os menos favorecidos. Truculência de jeito nenhum. Desmerecer o papel da segurança em qualquer país é um tiro no pé de toda a população.

  6. Alô Duda! É uma minoria que prega bobagens como extinguir a polícia. Como os idiotas daqui que falam em fechar o parlamento. Não entendi

    1. Ney, você é negro? Se não for, não tem ligar de fala.

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