ReproduçãoMaduro com Zapatero: aliança com interesses

Maduro tipo exportação

O dinheiro da ditadura bolivariana beneficiou partidos da Itália e da Espanha. Os que receberam as malas retribuem apoiando o regime
19.06.20

Uma maleta com 3,5 milhões de euros foi enviada secretamente para o consulado da Venezuela em Milão, na Itália. A remessa foi autorizada em 2010 pelo então ministro de Relações Exteriores, Nicolás Maduro, o ditador que hoje ocupa o Palácio Miraflores, em Caracas. A transação foi registrada em um documento da Direção de Inteligência Militar de julho de 2010, revelado nesta semana pelo jornal espanhol ABC. O destinatário foi o italiano Gianroberto Casaleggio, descrito no documento como “promotor de um movimento de esquerda revolucionário e anticapitalista”. Casaleggio fundou o Movimento 5 Estrelas com o comediante Beppe Grillo em 2009, meses antes de o dinheiro venezuelano entrar no país escondido em uma mala diplomática. Atualmente, o movimento integra a coalizão de governo da Itália, ao lado do Partido Democrata.

O financiamento do Movimento 5 Estrelas é a última revelação sobre a exportação da revolução bolivariana para a Europa. Até então, a ação dos tentáculos chavistas tinha sido detectada principalmente na Espanha, onde acontece há quase duas décadas. Em 2002, o governo do falecido ditador Hugo Chávez contratou os serviços do Centro de Estudos Políticos e Sociais, CEPS. A entidade espanhola passou a receber 270 mil euros anuais, com o objetivo, entre outros, de criar no país um partido próximo ao chavismo. A meta foi alcançada com a fundação do Podemos, em 2014. Assim como o Movimento 5 Estrelas na Itália, a legenda hoje participa da coalizão que governa a Espanha.

Os laços do chavismo com a Espanha são ainda mais amplos. Durante o governo do ex-primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero (2004-2011), o governo do país nomeou como embaixador em Caracas o diplomata Raúl Morodo, um entusiasmado defensor do chavismo. A partir de 2007, quando Morodo já não ocupava mais a posição, seu filho Alejo assinou diversos contratos com a estatal petroleira PDVSA, da Venezuela. Dono de um escritório de advogados, ele recebeu 4 milhões de euros por serviços que nunca foram prestados. Raúl e Alejo Morodo foram acusados pela Justiça espanhola de lavagem de dinheiro, corrupção e evasão fiscal.

Beppe Grillo, do italiano 5 Estrelas: 3,5 milhões de euros para o movimento
Há várias explicações para os repasses venezuelanos a políticos e partidos europeus. Quando Chávez iniciou essa empreitada, ele estava inebriado com a projeção de sua figura no exterior e queria descontar a raiva que sentia dos europeus que colonizaram seu país. Além disso, Chávez já estava seguindo as orientações dos cubanos, para os quais a melhor maneira de assegurar o próprio poder é semear o caos ao redor. “Assim como Cuba incentivou uma guerra em Angola, a Venezuela levou sua revolução para outros países da América Latina e para a Europa”, diz o advogado e cientista político boliviano Carlos Sánchez Berzain, que foi ministro de Defesa na Bolívia. “Expandir a revolução é uma maneira de não ser pressionado em seu próprio território.”

Ao comprar o apoio de movimentos políticos em outros países, os chavistas buscaram ganhar alguma legitimação para a ditadura e esquivar-se de críticas. Quem tem colhido os frutos políticos dessas malas de dinheiro é Maduro. Em janeiro do ano passado, o deputado opositor Juan Guaidó proclamou-se presidente interino da Venezuela, em contraposição a Maduro. O governo da Itália foi um dos poucos que não reconheceram Guaidó. “Há cerca de 130 mil italianos vivendo na Venezuela e penando com a ditadura. Mesmo assim, o Movimento 5 Estrelas mantém surpreendentemente um discurso favorável a Maduro”, diz o cientista político venezuelano José Vicente Carrasquero.

Com a claque europeia, Maduro também tem tentado dar alguma relevância às negociações com grupos minúsculos da oposição. Em novembro do ano passado, Guaidó abandonou as conversas com a ditadura por considerar que elas eram apenas um mero artifício para confundir os que querem o retorno da democracia. O teatro chavista, contudo, prossegue, com o apoio de Zapatero, o ex-primeiro-ministro que indicou Raúl Morodo para a embaixada em Caracas. Em fevereiro deste ano, Zapatero encontrou-se com Maduro na Venezuela. Foi a 39ª vez que ele visitou o país. Segundo a imprensa venezuelana, ele viajou para reunir-se com integrantes da Mesa Nacional de Diálogo, que só conta com o respaldo do ditador.

Delcy Rodríguez na ONU: malas misteriosas em Madri
O voo de Zapatero para a Venezuela ocorreu um mês depois de um incidente despertar suspeitas sobre o apoio chavista a políticos espanhóis. Na madrugada do dia 20 de janeiro, a vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodríguez, aterrissou com um avião privado no aeroporto de Madri. O ministro de Trabalho da Espanha, José Luis Ávalos, foi o encarregado de recebê-la. Delcy desembarcou algumas malas, que não puderam ser abertas. Ela, contudo, está proibida de entrar na União Europeia por causa das sanções impostas à ditadura.

O ápice da exportação da revolução bolivariana ocorreu de 2007 a 2014, anos em que o preço do barril de petróleo passou dos 100 dólares. Nesse mesmo período, o dinheiro chavista irrigou diversos grupos da América Latina. Em 2007, empresários venezuelanos foram flagrados em um aeroporto de Buenos Aires com maletas com 800 mil dólares para a campanha eleitoral de Cristina Kirchner. Em 2014, o então vice-presidente da Venezuela, Elías Jaua, desembarcou no Brasil para uma visita ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. No aeroporto de Guarulhos, sua babá foi flagrada com um revólver na mala de mão. Não se sabe o que mais havia na bagagem. O material apreendido foi parar em um cofre da Polícia Federal.

O financiamento chavista de grupos no exterior nunca parou de ocorrer. A visita de Delcy a Madri é prova disso. Mas a prática perdeu força com a queda na produção venezuelana de petróleo. “À medida que os petrodólares foram sumindo, o dinheiro obtido com o narcotráfico é que passou a prevalecer”, diz Berzain. “É graças a esse investimento, feito ao longo de anos, que hoje existem vários movimentos e grupos políticos na América Latina e na Europa dispostos a apoiar Maduro ou a seguir suas ordens.”

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