RuyGoiaba

O ‘Deus no comando’ é o do Velho Testamento?

26.06.20

Vejam como são as coisas. Apenas duas semanas atrás, escrevi por aqui que vivíamos uma espécie de Idade Média 2.0 – iconoclastia na derrubada de estátuas, aldeões com tochas virtuais promovendo linchamentos idem, pandemia etc. Pois bem, os acontecimentos dos últimos dias (nuvem de gafanhotos no Hemisfério Sul, nuvem de poeira tóxica no Hemisfério Norte) mostraram que a parada é ainda mais roots: as pragas bíblicas voltaram à moda. Se juntarmos a isso outras tendências, como o terraplanismo e o movimento antivacina, é fácil concluir que a turma está morrendo de saudade da época em que as pessoas morriam — literalmente — antes de completar 30 anos.

(Como no Bananão tudo sempre pode piorar e desgraça pouca é bobagem, o Estadão ainda noticia que, em plena festa do coronavírus, há uma nova linhagem do zika, para a qual as pessoas não têm anticorpos, fazendo turismo pelo país. Se sobrevivermos, teremos o direito de nos sentir como sertanejos do Euclides da Cunha, ainda que estejamos mais para “mestiços neurastênicos do litoral”.)

Também já falei do meu amigo perenemente irritado com os problemas do Brasil, que costumava dizer que o único modo de resetar o país era o Deus do Velho Testamento lançar sua ira divina por aqui. Eu sempre respondia algo como “e você acha que Ele já não está fazendo isso?”. Parece que chegou a hora do CQD — como queríamos demonstrar, não aquele programa do Marcelo Tas. Sei lá, vai ver Deus achou que o discurso do Filho unigênito (“amarás ao teu próximo como a ti mesmo”, “ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra” etc.) não estava funcionando — é mesmo difícil contra-argumentar — e ligou o modo Velho Testamento, para mostrar que ainda sabe mandar umas pragas cabulosas.

O Brasil hoje parece ser uma mistura de “Deus no comando”, esse das dez pragas do Egito, com a situação que Hamilton Mourão descreveu como “tudo sob controle, só não sabemos de quem”. Certamente há uma explicação muito científica e muito chata (insira aqui foto do Neil DeGrasse Tyson, que é uma excelente síntese das duas coisas) para essa desgraceira toda — e, a sério, sei que boa parte dos problemas provém da falta de ciência e da crença em “soluções mágicas”, como cloroquina e não testar para não achar o coronavírus.

Mas o conceito de ira divina costuma render resultados melhores em filmes épicos (o apocalipse é sempre mais apocalíptico com efeitos especiais caprichados) e músicas sinistras, como aquele “Dies Irae” do Réquiem do Verdi. Sem contar as oportunidades de negócio: o momento é ideal para abrir uma startup de seita milenarista, com um app para os fiéis clientes baixarem o Fim do Mundo nas versões silver, gold e platinum. Alguém precisa lançar logo esse aplicativo, antes que Deus faça o reload do cardápio completo de pragas bíblicas — se possível, antes que o plantão da Globo anuncie a abertura do sétimo selo.

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A GOIABICE DA SEMANA

E eis que, numa live com Damares Alves, Gilson Machado, presidente da Embratur e sanfoneiro da banda Brucelose, informou não ter “nada contra quem usa seu orifício rugoso infralombar para fazer sexo”. Sim, é o que os jornais antigamente chamavam de “círculo íntimo”: o que se perde na concisão da palavrinha de duas letras geralmente usada nas referências a essa parte da anatomia humana ganha-se na riqueza do detalhe descritivo (“rugoso”). Só não dá para entender o que isso tem a ver com as atividades da Embratur — a não ser que a agência promova o Brasil como orifício rugoso infralombar do mundo.

Gilson Machado, da Embratur, com sua sanfona sem orifícios rugosos aparentes

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