ReproduçãoO cartel exibe seu poderio: blindados, armas pesadas e uniforme militar

Estado paralelo

O Cartel Jalisco Nova Geração exibe seu poderio militar, desafia as forças oficiais mexicanas e serve de alerta para os riscos da inação no combate ao crime organizado
24.07.20

Por mais de dois minutos, uma câmera percorre um comboio com dezenove veículos blindados com pinturas camufladas e luzes piscantes coloridas. Estacionados em uma estrada rural do México, alguns desses carros, apelidados de “monstros”, têm aberturas no teto para metralhadoras. No vídeo postado nas redes sociais, aparecem cerca de oitenta soldados fardados e com coletes, joelheiras, botas, máscaras e fuzis. Entre as armas expostas, metralhadoras antiaéreas e lança-granadas.

O vídeo foi produzido pelo grupo de elite do Cartel Jalisco Nova Geração, o CJNG, e publicado nas redes sociais em 17 de julho — dia do aniversário de seu líder Nemesio Oseguera Ramos, conhecido por El Mencho. A função do pelotão provavelmente é a de proteger o chefão, que vive em um rancho na fronteira entre os estados mexicanos de Jalisco e Michoacán.

Com presença em todos os 32 estados do México, o CJNG já é considerado a organização criminosa mais poderosa do país. Sua expansão territorial nos últimos anos deflagrou conflitos com outros grupos armados e elevou a taxa de homicídios nacional para 34 mil no ano passado, o mais alto índice desde 1997, quando os assassinatos começaram a ser contabilizados.

ReproduçãoReproduçãoEl Mencho: escondido nas montanhas, ele comanda o CJNG
O sucesso do CJNG se deve às particularidades do grupo. Apesar de estar envolvido em vários tipos de crimes, como roubo de gasolina e extorsão de produtores de abacate, sua principal fonte de renda são as drogas sintéticas, como a metanfetamina e o fentanil, substância responsável pela crise de opioides nos Estados Unidos. Por serem artificiais, essas drogas não dependem de negociações duras com colombianos ou bolivianos. Os componentes são enviados da Índia e da China para dois portos na costa mexicana, depois processados em laboratórios nas montanhas e enviados por caminhões ou barcos a diversos países, principalmente os Estados Unidos.

Na comparação com a cocaína e a maconha, as drogas sintéticas têm uma margem de lucro muito maior. Isso permitiu ao CJNG construir um poderio militar incomparável. Enquanto outros cartéis compram armas nos Estados Unidos, o CJNG já teve uma fábrica própria de fuzis AR-15 em Guadalajara. Também já foram confiscados drones com explosivos que pertenciam à organização. O armamento poderoso permitiu satisfazer ambições grandiosas. O primeiro objetivo estratégico foi matar membros do cartel Zetas, o mais sanguinário de todos porque tinha entre seus integrantes diversos ex-militares de grupos de elite das Forças Armadas. Os zetas eram conhecidos principalmente por seus métodos cruéis, como decapitações e mutilações. Sem deixar se intimidar, os integrantes do Jalisco passaram a se propagandear como os “matazetas”. Em 2011, 35 corpos de zetas foram encontrados no estado de Veracruz. Outros 30 seriam descobertos um mês depois.

Outra vantagem do CJNG é a capacidade de El Mencho de não chamar atenção. Praticamente não há fotos disponíveis dele. Tampouco é fácil encontrar alguém que já esteve com ele. Dessa maneira, o chefão do cartel passou ileso à perseguição aos cabeças dos cartéis de drogas nos últimos anos. Enquanto a concorrência se fragmentava em grupos menores porque seus chefes foram detidos ou mortos, El Mencho resistiu em seu esconderijo. Em 2015, paraquedistas e policiais federais viajaram em dois helicópteros Super Cougar até o sudeste do estado de Jalisco. Desceram em cordas com o objetivo de capturá-lo. Os criminosos já estavam à espera e abriram fogo. Um helicóptero foi abatido. Oito soldados e um policial morreram. El Mencho, então, pôde seguir unificando seu grupo e fazendo associações com diversas organizações que tinham se distanciado dos demais cartéis.

“O CJNG tem sido muito eficiente em adotar células de traficantes e assassinos que ficaram órfãs depois que os líderes dos grandes cartéis foram pegos pelo governo”, diz o cientista político Nathan Jones, especialista em violência no México e professor da Universidade Estadual Sam Houston, no Texas. Em um atentado contra o secretário de Segurança Pública da Cidade do México, Omar García Harfuch, no final de junho, diversos grupos criminosos participaram da ação, que foi atribuída ao CJNG. Duas pessoas morreram. Harfuch levou três tiros e sobreviveu.

ReproduçãoReproduçãoPara o presidente López Obrador, o crime vem da pobreza
Para se embrenhar em todos os estados do México, o CJNG se aproveitou da inação do governo de Andrés Manuel López Obrador, que assumiu no final de 2018. No ano seguinte, o número de homicídios explodiu. O estado que mais teve assassinatos foi o de Guanajuato. Trata-se de um dos estados em melhor situação econômica do país, com fábricas de automóveis, de aviões e com os setores de turismo e agrícola bem desenvolvidos. Nessa região, o CJNG tem enfrentado o Cartel Santa Rosa de Lima, especializado em roubar combustíveis diretamente dos dutos das distribuidoras.

Após assistir ao vídeo do comboio de monstros do CJNG, o presidente López Obrador menosprezou as imagens. “Eu continuo convidando as pessoas para abraços, e não para os tiros. Não estou de acordo com a Lei de Talião, de olho por olho. Se for assim, vamos acabar todos caolhos. Temos de nos convencer que o melhor é a paz, que a violência não se combate com violência”, disse ele. Obrador assumiu o governo prometendo não fazer uma guerra ao narcotráfico e não perseguir os líderes dos cartéis. Também tem falado em atacar o que ele considera a raiz do problema: a pobreza e o abandono do povo pelas elites.

“Obrador relaciona o crime à pobreza, mas a realidade em Guanajuato, um dos estados mais ricos do país, quebra essa lógica”, diz o especialista em relações internacionais Alan Zamayoa, pesquisador da consultoria Control Risks, na Cidade do México. “O que o vídeo do comboio de carros mostra é que há áreas em que um chefão pode enviar blindados com soldados de um lado a outro sem qualquer constrangimento, porque a presença do estado é praticamente zero.” O caso mexicano, em que os pelotões bem armados do crime organizado parecem desafiar cada vez mais as forças oficiais, embute um alerta importante para o Brasil.

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