O ‘exílio’ de Weintraub
De camiseta branca, bermuda cargo, tênis, boné e máscara, Abraham Weintraub entrou apressadamente no apart-hotel onde está morando na capital americana, Washington, na tarde desta quinta-feira, 23. A sensação térmica beirava os 38 graus. Em tempos de pandemia, a faxina nos apartamentos pode ser agendada apenas uma vez por semana para aqueles que estão hospedados há mais de sete dias. O ex-ministro da Educação, aparentemente, estava incomodado com falta de limpeza regular no hotel.
Faltava pouco para as 3 da tarde, no horário local, quando Weintraub apareceu no hall carregando um balde e um rodo que acabara de comprar. Abordado por Crusoé ao entrar no elevador, demonstrou surpresa ao ser reconhecido. “De onde você é? Como me reconheceu assim, de máscara?”, perguntou. Já no quarto piso, o andar de seu quarto, ameaçou chamar a segurança. A conversa não prosperou.
Desde que escapou às pressas do Brasil no dia 19 de junho, uma sexta-feira, Weintraub tem fugido de jornalistas. Alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal e acusado de racismo, ele embarcou em voo comercial ainda na condição de ministro do governo brasileiro. O avião fez uma escala em Santiago, no Chile, e pousou finalmente em Miami. Na manhã do sábado, 20 de junho, a chegada em solo americano foi anunciada por seu irmão, Arthur, nas redes sociais. Sua exoneração do cargo de ministro foi publicada em uma edição extra do Diário Oficial da União logo depois.
O ex-ministro seguia entocado no local até esta semana, quando foi localizado por Crusoé. A correria da partida rumo aos Estados Unidos contrasta com a monotonia com que Weintraub tem vivido no apart-hotel Residence Inn by Marriot. A vida de “exilado” não tem sido fácil. O lugar de residência não é lá dos mais aprazíveis. Antes das seis horas da manhã, as obras em uma construção vizinha começam a todo vapor. O barulho começa bem cedo porque, com o calor desta época do ano, os operários são obrigados a parar os trabalhos durante a tarde.
O termo “entocado” do parágrado acima não é força de expressão. Weintraub tem evitado o quanto pode o contato com o mundo exterior. No hotel, suas aparições nas áreas comuns, como a da tarde desta quinta, são raras. Ele não costuma descer nem para pegar o café da manhã, servido em caixas individuais no lobby. Antes praticante de caminhadas matinais, tampouco é visto se exercitando pelo bairro ou usando as esteiras da academia. Passa a maior parte do tempo dentro do quarto.
A reclusão de Weintraub e os seus clamores por liberdade não deixam de ser uma ironia. Ao sair às pressas do Brasil, o então ministro da Educação temia ser preso. No final de maio, ainda em Brasília, ele teve que prestar depoimento à Polícia Federal por ordem do ministro Alexandre de Moraes, por ter dado declarações controvertidas na reunião ministerial de 22 de abril. No encontro, gravado em vídeo, Weintraub disse: “Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF”. Ele temia ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional pela declaração, que irritou profundamente os ministros da corte. Estava paranoico com a possibilidade de ser preso e embarcou no primeiro avião. Em Bethesda, acabou se enclausurando voluntariamente em um quarto de hotel.
Pelo que Crusoé pôde verificar nesta semana, as saídas de Weintraub do hotel limitam-se ao extremamente necessário. A região oferece mais de duzentos bares e restaurantes. Muitos deles têm áreas externas, as quais têm atraído os americanos sedentos por um pouco de ar fresco após o confinamento da pandemia. Mesmo assim, o ex-ministro não parece disposto a frequentar as áreas mais movimentadas nos arredores, talvez pelo temor de ser reconhecido por brasileiros. Em uma das raras saídas, ele foi visto recentemente fazendo compras em um supermercado da rede Trader Joe’s, versão hipster low-cost do Whole Foods, a quatro quadras do apart-hotel.
Na entrada do quarto, há uma pequena cozinha com geladeira, um fogão de duas bocas, um micro-ondas e lava-louças. A sala é mobiliada com uma mesa de jantar com duas cadeiras, uma mesa de escritório e um sofá de dois lugares posicionado em frente a uma televisão com acesso a serviços de streaming como Netflix e Amazon Prime. Tudo é bem simples e compacto. A mesa de cabeceira tem um telefone com aparência de antigo e um relógio. Na gaveta, uma cópia do Antigo Testamento e outra do Livro de Mórmon. Já o banheiro da suíte é reformado, amplo e iluminado.
O preço normal da diária no apart-hotel é 200 dólares. O valor é um pouco mais baixo que o cobrado por hotéis mais próximos ao centro nervoso de Washington. Para quem quer ficar por mais tempo, como é o caso de Weintraub, tem desconto: sai a 150 dólares. Significa que, para passar um mês por ali, o ministro tem que desembolsar 4.500 dólares, o equivalente a 23 mil reais – quase 75% do salário de ministro que ele recebia mensalmente no Brasil (31 mil) e um quinto do salário que ele receberá quando for confirmado no Banco Mundial (115 mil).
Desde sua chegada aos Estados Unidos, o ex-ministro não mantém contato nem mesmo com a embaixada brasileira em Washington. Como aterrissou na cidade ainda como funcionário do governo, poderia ter pedido que fossem buscá-lo no aeroporto, mas preferiu não requisitar qualquer tipo de apoio. “O trabalho do representante do Brasil junto ao Banco Mundial não se confunde com a esfera de atuação da Embaixada do Brasil em Washington. A embaixada não recebeu nenhum pedido do diretor-executivo designado do Brasil”, informou a representação brasileira a Crusoé.
O isolamento de Weintraub talvez tenha uma explicação. Ele pode estar querendo manter um perfil baixo fora das redes sociais para não se complicar enquanto não é nomeado para o cargo no Banco Mundial. A associação de funcionários do banco já deixou claro seu desconforto com a chegada do falante ex-ministro. O processo de votação para formalizar sua posse está em curso e marcado para terminar em 30 de julho. Os resultados serão divulgados no dia seguinte. Ao menos até lá, ele deve seguir a rotina de clausura no hotel, entretido com as redes sociais, a gaita, o balde e o rodo.
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