Reforma tributária: ainda esperamos por uma

24.07.20
Maria Carolina Gontijo

Não foi dessa vez. Esse é o sentimento que tomou conta de todos nós que esperávamos finalmente uma reforma tributária.

O infinito emaranhado de normas, disposições, interpretações e julgamentos que levam décadas para serem concluídos empurrou o tema fiscal para o domínio de poucos e para o interesse de quase ninguém. Isso ficou escancarado na noite da própria terça-feira, quando o ministro da Economia apresentou sua proposta de unificação do PIS e da Cofins em uma nova contribuição: a Contribuição Social sobre Bens e Serviços – CBS. Para além de não compreender os termos da mudança, algo mais grave pode ser notado: as pessoas nem sequer sabiam como funciona atualmente o sistema que se propõe ser “aperfeiçoado”.

Triste constatação para um país: ao brasileiro nunca foi dado o direito de saber qual o valor dos tributos embutidos em bens e serviços adquiridos. Cálculos “por dentro”, “por fora”, exclui frete, inclui seguro, substituição tributária, Simples, Super Simples — nomenclatura esta que beira a ironia. É um manicômio tributário, sim, e dos grandes.

E se estamos em um manicômio tributário, o governo optou por iniciar pela ala menos problemática: tributos federais incidentes sobre o faturamento, que podem ser alterados por meio de projeto de lei e que, por isso, não exigem grandes esforços políticos como uma proposta de emenda à Constituição. Pareceria sensato não fosse um detalhe: é um trabalho pela metade.

A ideia de um imposto sobre valor agregado, o agora famoso IVA, sempre permeou as discussões sobre uma reforma tributária no Brasil. O problema é que nossos “impostos sobre valor agregado” são muitos, com bases de cálculo diferentes e, principalmente, responsáveis diferentes. Seria preciso fazer sentar à mesa de discussões a União, os estados e municípios, reduzir as ambições de todos a um denominador comum e traduzir tudo isso em uma nova sistemática de tributação. Até imaginando parece difícil.

O caminho escolhido pelo governo pode ser considerado como a reforma possível, mas está muito longe de ser a reforma necessária. Se são permitidos elogios, a proposta apresentada pelo ministro Paulo Guedes tem pontos louváveis: traz simplificação, com a determinação de uma base de cálculo bastante clara — a contribuição incidirá sobre o valor do bem ou serviço — e elimina conceitos subjetivos, como o critério de essencialidade para a tomada de crédito (para a nova CBS, será suficiente o documento fiscal). Os elogios terminam aí.

Se a simplificação em uma única alíquota e sistemática merece destaque, vale lembrar que essa simplificação parece ter levado em consideração apenas os grandes contribuintes, com relevante cadeia de fornecedores. A estes o impacto do aumento da alíquota, que hoje está em 9,25%, parece realmente não ser representativo, especialmente quando consideramos todas as novas particularidades para o cálculo.

Contudo, especialmente o setor de serviços, que por qualquer restrição legal não possa ser optante pelo Simples Nacional, verá sua carga tributária saltar dos atuais 3,65% para 12%. É absolutamente ilusório querer enxergar qualquer tipo de vantagem da nova CBS para esses contribuintes, ainda que ressaltada a característica da não cumulatividade. O setor de prestação de serviços utiliza-se principalmente de mão de obra, despesa esta não passível de tomada de crédito pela CBS.

O setor mais afetado pela crise econômica gerada pelo distanciamento social e que mais sofre com a pressão dos tributos incidentes sobre a folha de pagamento parece ter sido eleito para suportar o impacto da primeira parte da reforma tributária. E neste momento, com o desemprego atingindo novamente níveis preocupantes, não poderia haver escolha mais desastrosa.

Ao optar pela reforma politicamente possível, ignorando as complexas propostas em tramitação como a PEC 45 e a PEC 110, o governo toma o caminho mais fácil, mas impõe aos brasileiros a posição mais difícil: seguiremos sem saber quanto pagamos, como pagamos e o que pagamos.

O IVA à brasileira parece ter enorme potencial para seguir a triste tradição tributária do país, abrigando inúmeras exceções à regra e refletindo apenas parte do que seria o imposto sobre o valor agregado do bem ou serviço. Uma transparência pela metade que pode custar um futuro inteiro.

Não foi dessa vez. De novo.

Maria Carolina Gontijo é advogada tributarista e trabalha para o escritório PLC Advogados, com sede em Belo Horizonte.

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