RuyGoiaba

Morte ao ‘carisma’ na política

31.07.20

Popstar dizendo para uma audiência de milhões coisas idiotas sobre assuntos que não domina está longe de ser novidade, mas tivemos dois exemplos caprichados na semana que passou. Primeiro, Andrea Bocelli —que, se o mundo fosse justo, seria mudo em vez de cego— minimizou a gravidade da pandemia do novo coronavírus (que matou mais de 35 mil em seu país, a Itália) e se disse “humilhado e ofendido” pelas regras da quarentena. Dias depois, Madonna viveu seu momento Tiazona do Zap e postou uma teoria conspiratória no Instagram: não só a cloroquina “salva” (só faltou meter um “Bolsonaro is right!”) como a cura para a Covid-19 já foi encontrada e está sendo escondida por quem “só quer ganhar dinheiro com essa demorada busca pela vacina”.

Você pode alegar que, pelo menos, não cabe a esses débeis mentais de grande popularidade definir políticas públicas de combate à doença: Itália e EUA estariam ainda mais lascados se seguissem o saber científico de Bocelli e Madonna. Nesse caso, lembro a você que os EUA são governados pelo protagonista de O Aprendiz; o Brasil, por um ex-astro do Superpop e do CQC; e São Paulo, pelo ex-apresentador do programa Show Business. Natural: a política como entretenimento tende a levar à escolha do palhaço mais carismático.

E aqui chegamos ao ponto central deste texto: “carisma” na política é uma desgraça que, em regra, só serve para eleger imbecil, ladrão ou as duas coisas juntas. Na origem, o termo é teológico —“dom extraordinário e divino concedido a um crente ou grupo de crentes, para o bem da comunidade”, de acordo com a definição do Houaiss. Foi Max Weber que o tomou de empréstimo para a política: o sociólogo alemão o usava para diferenciar a “autoridade carismática”, que se fundava no carisma de um líder, de outros dois tipos de autoridade (ou dominação, dependendo da tradução), a tradicional e a racional-legal.

“Liderar pelo carisma” é uma prova em que políticos populistas sempre nadaram de braçada, por saberem levar o jogo para o mesmo campo em que atuam as celebridades ou serem eles mesmos celebridades antes de entrar na política. Afinal, quem quer discutir assuntos chatos da vida real —como saneamento básico e reforma tributária— antes de decidir seu voto? A vida real é um saco, cheia de problemas diários que nós não temos a menor vontade de resolver. A gente quer é narrativa, fechar com o bem na luta contra o mal, sentir que faz parte de algo minimamente relevante. Torcer pelo time campeão, enfim.

Aí a gente coloca no poder o populista carismático (ou o poste de um populista carismático, como Dilma Rousseff) e oh, que surpresa: crônica de um desastre anunciado. E volta e meia as maiores democracias ocidentais, que deveriam ser gatos escaldados, estão caindo nessa, com a notável exceção da Alemanha: o fato de Angela Merkel ter o carisma de um nabo não a impede de estar há 15 anos no poder no país, muito menos de ser o mais importante dos líderes europeus. Talvez os alemães tenham chegado a esse ponto graças a uns probleminhas com líderes carismáticos no passado —mas ninguém deveria precisar de catástrofes como o nazismo para FUGIR de gente “carismática”.

O chato é que no Brasil, que como sempre esculhamba tudo, o maior exemplo recente de total falta de carisma é Geraldo Alckmin, o Geraldinho de Pinda, picolé de chuchu enroladaço com o caixa dois da Odebrecht. Até a sem-gracice o Bananão desmoraliza, ao mesmo tempo que vê Luciano Huck na Presidência (loucura, loucura, loucura) como ideia digna de consideração, em vez de gargalhadas. Colocar os candidatos para disputar o “Soletrando”, medida simples que teria nos livrado de quase todos os últimos presidentes, ninguém quer.

O Brasil se merece.

*

A GOIABICE DA SEMANA

Quem aí escolheu Dias Toffoli para ser “editor do Brasil”? Pois é assim que se vê o presidente do STF, Supremo Tribunal da Farofa. Ao tentar justificar o inquérito das fake news —que é inconstitucional na origem e já foi usado para censurar tanto esta Crusoé como O Antagonista—, Toffoli saiu-se com o seguinte arrazoado: “Todo órgão de imprensa tem censura interna. Em que sentido? O seu acionista ou o seu editor, se ele verifica ali uma matéria que ele acha que não deve ir ao ar porque ela não é correta, ela não está devidamente checada, ele diz: ‘Não vai ao ar’. (…) Nós, enquanto Judiciário, enquanto Suprema Corte, somos editores de um país inteiro, de uma nação inteira, de um povo inteiro”.

A julgar por certas decisões do STF, os “editores” têm sido tão bons quanto aquele que deixou passar o “Jesus enforcado” na Folha. Ou aquele outro luminar do jornalismo que entrevistou o Felipão do Zorra Total e publicou como se fosse o Felipão de verdade. Como diria Carlos Imperial: dez, nota dez!

Nelson Jr/SCO/STFNelson Jr/SCO/STFToffoli veste a capa de editor para fazer aquele “copidesque criativo” da Constituição
 

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