ReproduçãoBoas chances: na média das pesquisas, o democrata Joe Biden está 7 pontos percentuais à frente de Donald Trump

Um democrata à moda antiga

Joe Biden finalmente foi escolhido como o candidato do Partido Democrata para enfrentar Trump. Caso saia vitorioso, sua postura em relação ao Brasil dependerá de como ele lidará com o próprio partido
21.08.20

O Partido Democrata americano sacramentou Joe Biden como seu candidato na noite da quinta-feira, 20, durante uma convenção feita pela internet. Foi um anúncio meramente protocolar. Com 77 anos, Biden era o único no páreo para se tornar o adversário do presidente Donald Trump nas eleições de novembro. Na média das pesquisas, Biden está com uma dianteira de 7 pontos percentuais em relação a Trump. A vantagem não é uma garantia de que ele ganhará a disputa no Colégio Eleitoral, mas é inegável que suas chances são boas. Um possível governo Biden dependerá muito de como articulará seu poder dentro de um Partido Democrata dividido entre uma animada ala jovem e a turma antiga. É também dessa disputa de forças que dependerá sua relação com o Brasil.

O principal receio do governo brasileiro em relação a Joe Biden é sua postura sobre as queimadas na Amazônia. Em entrevistas, o candidato tocou algumas vezes no tema. “Deveríamos ter um presidente que conversasse com o presidente do Brasil e dissesse para ele parar de queimar a floresta”, disse Biden ao canal CNBC. “O presidente Bolsonaro precisa saber que, se o Brasil falhar na sua tarefa de guardião da floresta Amazônica, o meu governo irá congregar o mundo para garantir que o meio ambiente seja protegido”, afirmou para a revista Americas Quarterly.

As declarações de Biden sobre a Amazônia não necessariamente antecipam uma tensão diplomática com o Brasil, mas faíscas certamente seriam produzidas se ele transferisse muito poder para os mais novos em seu partido. É essa a fonte das maiores dúvidas sobre o futuro da relação, caso ele se eleja. Até agora, o que se pode dizer é que, em seu longo histórico de cinco décadas como político, Biden não deu muita importância para o meio ambiente e sempre evitou posições mais radicais, de confrontação. Além disso, muitos de seus traços irritam os mais novos, o que reduz as chances de colaborações em um possível governo Biden.

Filho de um vendedor de carros, Biden escolheu o curso de direito porque, na biblioteca da sua escola católica, descobriu que essa tinha sido a opção de vários políticos. Depois de formado numa universidade sem muito prestígio, trabalhou como advogado e defensor público. Foi vereador e, em 1973, tornou-se senador, quando passou a defender os interesses das empresas de cartão de crédito e de bancos de investimentos. Ao longo dos anos, comprou casas em Delaware e Washington. Uma delas, na capital americana, é avaliada em 6 milhões de dólares e tem garagem para vinte carros.

Biden conquistou um invejável padrão de vida sem perder a fama de ser um representante da classe média e dos trabalhadores do chão de fábrica. Sua imagem pública ainda tem certo apelo popular, por ele ser um usuário frequente do serviço de trens estatal Amtrak. Ao fazer viagens diárias de 90 minutos entre Delaware e Washington, ele ganhou o apelido de “Amtrak Joe”. O costume vem desde 1972, quando o carro da mulher do agora candidato democrata se chocou com um caminhão. No acidente, ela e a filha de 1 ano morreram.

ReproduçãoReproduçãoApesar do alto padrão de vida, Biden não perdeu a fama de “classe média”
Para muitos jovens democratas, Biden deveria ser cancelado. Uma das questões mais controversas para eles é a defesa que ele faz da polícia. Nos anos 1970, em campanha para vereador, Biden se colocou como um soldado contra o crime. Vinte anos depois, pediu punições mais rígidas para os traficantes. Em 1994, aprovou aquela que ficou conhecida como a Lei Biden do Crime, que destinou 30 bilhões de dólares para a contratação de 100 mil agentes de segurança. A lei foi apoiada pelo então presidente democrata Bill Clinton e desgrudou o lema “lei e ordem” dos republicanos.

Com mais polícia nas ruas, a taxa de homicídios caiu pela metade em cinco anos. Na semana passada, Biden deixou escapar uma frase que soou pecaminosa. “A maioria dos policiais é boa, mas o fato é que os maus precisam ser identificados e processados”, disse ele. Para os jovens que têm protestado nas ruas contra a brutalidade policial e o racismo após a morte de George Floyd, a afirmação foi um golpe. Muitos dos novatos defendem a redução das verbas ou até a abolição da polícia. Biden é contra essas ideias, propõe mais verbas para a polícia comunitária e ainda tem escutado os sindicatos de policiais.

Outra área de atrito é a de política externa, aquela que Biden sempre diz ser a sua preferida. Durante o governo do republicano George W. Bush, ele votou a favor da intervenção militar americana contra o ditador iraquiano Saddam Hussein. A decisão é tida por muitos como a causadora de muitos dos atoleiros nos quais os Estados Unidos se enfiaram no Oriente Médio. Como vice-presidente no governo de Barack Obama, ele foi um dos principais conselheiros para assuntos relacionados ao Iraque e ao Afeganistão.

O bom trânsito com os republicanos também ajudou a resolver imbróglios orçamentários, como em 2013, quando o governo parou de funcionar. Ciente de que os gastos públicos só podem ser honrados com a arrecadação de impostos ou com a contratação de dívidas, Biden tem se mostrado cauteloso com as promessas utópicas dos democratas socialistas. Nas primárias do Partido Democrata, ele não embarcou nas propostas de saúde e educação gratuita para todos.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisBiden tenta conquistar os mais jovens, que o criticam por seu apoio à polícia
Ao prometer investir 1,7 trilhão de dólares em um plano ambiental para que os Estados Unidos se tornem uma economia limpa em 2050, Biden fez uma jogada eleitoral para cortejar os jovens democratas que torcem o nariz para o velho establishment. “Biden e seus assessores mais próximos são lobistas ou têm muitos contatos com os grupos de lobistas em Washington, onde trabalham há muitos anos”, diz o analista americano Jeffrey Wright, da consultoria Eurasia. “Esse apelo sobre o meio ambiente surgiu agora porque ele sabe que é preciso energizar os jovens e a esquerda emergente dentro do partido para ganhar a eleição.”

Muitos dos jovens que Biden precisa empolgar são os admiradores da deputada Alexandria Ocasio-Cortez, uma das estrelas da ala mais à esquerda partido e autora de um ousado plano para a economia verde nos Estados Unidos. Na convenção desta semana, Alexandria apareceu durante apenas um minuto, em um discurso coreografado. Convidada pelo senador Bernie Sanders, que desistiu de concorrer à indicação do partido, ela nem sequer citou o nome do principal personagem da noite. Atacou o colonialismo, a “desigualdade explosiva” e falou em iniciar um movimento histórico de base popular para recuperar a democracia. São termos alheios ao glossário do candidato.

“Biden nunca foi radical e sempre esteve no centro do partido em todas as questões, incluindo a ambiental”, diz o cientista político Christopher Devine, da Universidade de Dayton, em Ohio. “Ainda que o meio ambiente e as relações com a América Latina sejam importantes, haverá muitas outras coisas para ele se preocupar, como o coronavírus e a recuperação econômica.” Em seu primeiro discurso como candidato, o democrata prometeu curar uma nação dividida. “Nós podemos e iremos superar esta temporada de escuridão”, afirmou.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO