Reprodução/redes sociaisBriga de gigantes: os EUA pressionam o Brasil a não incluir a chinesa Huawei no leilão de 5G

A batalha do 5G

A um ano da decisão brasileira sobre a tecnologia que promete revolucionar a internet, o que está em jogo na disputa que contrapõe americanos e chineses e mobiliza setores importantes do governo
28.08.20

A introdução da tecnologia 5G alterará profundamente alguns hábitos, revolucionará negócios e poderá injetar até 12,3 trilhões de dólares no PIB mundial dentro de quinze anos, o equivalente à economia da Índia. Com uma velocidade 100 vezes maior que a das redes atuais para trafegar dados, os carros serão capazes de dirigir sozinhos. Chamadas em vídeo poderão ser feitas por hologramas. Na agricultura, sensores acompanharão a saúde dos animais em tempo real. Nas fábricas, robôs trabalharão de maneira muito mais interativa com os operários. Essa revolução, contudo, deverá começar tardiamente no Brasil. Como a disputa global entre Estados Unidos e China gerou divisões dentro do governo, por aqui a decisão que guiará a implantação da nova tecnologia ficou para o próximo ano.

Os Estados Unidos têm pressionado o Brasil para não incluir a empresa chinesa Huawei no leilão de 5G. Um dos maiores perigos apontados pelos americanos é que a lei de inteligência da China obriga cidadãos e organizações do país a cooperarem com os trabalhos de inteligência do governo. A norma, portanto, poderia afetar a segurança nacional e econômica, a privacidade e a propriedade intelectual. Em Brasília, o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, fazem coro com a posição americana.

Em junho, o secretário de estado Mike Pompeo e o embaixador americano em Brasília, Todd Chapman, divulgaram um comunicado em língua portuguesa contra a escolha da Huawei como fornecedora do 5G. O texto dizia que a brasileira Vivo estaria se tornando uma “telecom limpa” ao se livrar de “fornecedores não confiáves”. Em entrevistas, Chapman também falou que o Brasil poderia sofrer consequências econômicas se não bloqueasse a Huawei, porque empresas americanas ficariam inseguras de investir no Brasil.

Alan Santos/PRAlan Santos/PRO embaixador americano, Todd Chapman, falou que o Brasil poderia sofrer consequências econômicas se não bloqueasse a Huawei
Dado o alinhamento do atual governo com os Estados Unidos, seria de se esperar que o Brasil correspondesse à expectativa, seguindo o caminho de países como Reino Unido, República Tcheca, Dinamarca, Estônia, Letônia, Polônia, Romênia e Suécia. Em diversas decisões diplomáticas, o Brasil seguiu os americanos. Na Organização Mundial de Saúde, a OMS, o país apoiou uma resolução pedindo que se investigue a atuação da entidade, acusada de ser leniente com Pequim, nos primórdios da pandemia.

Ainda em Genebra, mas na Organização Mundial do Comércio, a OMC, Brasília assinou com Washington uma carta em defesa de políticas orientadas para o livre-mercado como condição fundamental para um sistema de comércio global “livre, justo e mutuamente vantajoso”. O texto foi considerado um ataque ao lado chinês. Nos corredores do Ministério das Relações Exteriores, corre a versão de que se o Brasil não banir a Huawei, isso poderia afetar as negociações comerciais em andamento com os Estados Unidos.

O lado pró-China é liderado pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, e pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que tem ao seu lado pesos pesados do agronegócio brasileiro. Para eles, o Partido Comunista em Pequim poderia interpretar o banimento da Huawei na licitação como o “cruzamento de uma linha vermelha”. Retaliações aos maiores exportadores do agro poderiam crescer e afetar a já combalida economia nacional.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéO ministro Fábio Faria diz que o leilão do 5G é um “assunto do presidente”
Outros que também pedem uma atitude benevolente com a China são as grandes operadoras de telecomunicações. No passado, elas adotaram equipamentos da Huawei para montar boa parte de suas redes 3G e 4G. As máquinas, em geral, são consideradas baratas e de boa qualidade. Se o Brasil não banir a gigante chinesa, as companhias nacionais poderiam atualizar a infraestrutura 5G com baixos investimentos e sem problemas de compatibilidade.

Crusoé apurou que, desde 2016, a Anatel já autorizou mais de 50 usos experimentais da frequência do 5G para operadoras, fabricantes de equipamentos e instituições de pesquisas. A Vivo está entre as empresas que mais testes realizaram, em sua maioria com equipamentos da Huawei. Até mesmo o diretor-geral da Telefônica, Christian Geabra, saiu em defesa da tecnologia chinesa — o que parece contrariar a afirmação dos americanos de que a Vivo estaria, na visão dos americanos, se tornando uma “telecom limpa”.

A pressão dos dois lados tem reflexos na Esplanada, onde lobistas e diplomatas chineses e americanos circulam pelas repartições para angariar apoio. Nenhum dos dois lados, contudo, conseguiu se sobrepor. Recém-chegado ao cargo, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, preferiu não segurar a batata quente e disse, em rede nacional, que o leilão do 5G “é um assunto do presidente”. Um comitê interministerial foi montado pela Casa Civil para coletar informações e análises para ajudar Jair Bolsonaro a avaliar a questão.

Como Crusoé já informou, diante dessa queda de braço que só pode trazer embaraços para o governo, o leilão que estava previsto para este ano deverá ficar para o final do primeiro semestre de 2021. O adiamento da decisão poderá ter um efeito prático importante. Uma possível vitória do democrata Joe Biden nas eleições americanas em novembro poderia desinflar a pressão americana. O governo brasileiro, assim, ficaria mais à vontade para não desagradar aos chineses. A postergação não agrada à ala mais ideológica do governo, afinada com os americanos. A força que esse grupo terá no ano que vem ainda é incerta e será um dos elementos para o presidente considerar na hora de finalmente empunhar a sua caneta Bic.

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