FelipeMoura Brasil

O vale-crime bolsonarista

28.08.20

“Geralmente, quando se fala em família na política, são famílias enroladas em atos de corrupção. A minha família é limpa na política.”

A declaração foi do então candidato Jair Bolsonaro, em entrevista na bancada do Jornal Nacional, em 28 de agosto de 2018.

“Minha vontade é encher tua boca na porrada, tá? Seu safado.”

A declaração foi do presidente Jair Bolsonaro, durante visita à Catedral de Brasília, em 23 de agosto de 2020, ao ser questionado por um repórter de jornal sobre os depósitos de 89 mil reais feitos por Fabrício Queiroz e pela esposa dele, Márcia Aguiar – ambos atualmente em prisão domiciliar –, na conta da atual primeira-dama, Michelle, como revelou Crusoé.

Nos dois anos entre uma declaração e outra, veio à tona a sujeira da família Bolsonaro em gabinetes parlamentares, a partir da operação Furna da Onça, desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro.

Um caso ilustrativo: a personal trainer Nathalia Queiroz, suspeita de ter sido funcionária fantasma nos gabinetes de Flávio e Jair enquanto dava aulas de ginástica, repassava cerca de 80% da remuneração em dinheiro público ao pai, Fabrício Queiroz, que iniciou sua série de depósitos para Jair na conta de Michelle em 2011, ano de nascimento da filha do casal.

As famílias limpas do Brasil não contam com tamanha ajuda de um operador financeiro em períodos durante os quais precisam gastar com enxoval e criação de bebê.

O Bolsa Família, por exemplo, paga hoje, em média, 190 reais a cada uma das 14 milhões de famílias beneficiárias do programa que Jair Bolsonaro quer transformar em Renda Brasil para ser reeleito, aplicando suas próprias teses, verbalizadas em 2010 e também naquele mesmo ano de 2011, de que “o bolsa-farelo (família) vai manter esta turma no Poder” e “o voto do idiota é comprado com Bolsa Família”.

Com os 89 mil reais depositados por Queiroz na conta de Michelle, daria para financiar 468 famílias no valor atual do benefício, ou pelo menos 296 delas, caso o valor aumente para 300 reais, como o presidente vem exigindo de Paulo Guedes, o profeta da agenda liberal hoje encarregado de encontrar uma fonte de financiamento ao projeto bolsonarista de reeleição.

Já com os 978.225 reais transferidos por Flávio Bolsonaro de sua loja de chocolates para a própria conta entre 2015 e 2018, geralmente logo após depósitos em dinheiro vivo na franquia (oh, coincidência 1) que se seguiam à arrecadação feita por Queiroz de parte dos salários dos demais assessores (oh, coincidência 2), daria para financiar outras 5.148 famílias, ou pelo menos 3.260 delas no valor desejado pelo presidente.

Os 89 mil reais de Jair e os 978.225 reais de Flávio são apenas duas quantias apontadas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro entre os milhões de reais investigados no esquema de desvio de dinheiro público operado, nas palavras de Flávio sobre Queiroz, por “um cara correto, trabalhador”.

Os valores milhares de vezes superior à renda mensal de milhões de famílias brasileiras, porém, são relativizados pelos passadores de pano da sujeira bolsonarista, que, em emissoras financiadas pelo governo Bolsonaro, alimentam o contraste com os bilhões de reais desviados da Petrobras durante quatro governos do PT, sem jamais definir qual é o limite do valor tolerável de desvio de dinheiro público; se esse valor também pode ser roubado deles, ou só dos outros; e se a classe média, caso venha a ser taxada para financiar a campanha de 2022 de Jair Bolsonaro, pode se recusar impunemente a pagar o imposto, confessando ainda o desejo de dar porrada em quem lhe cobrar.

“Sempre integrei o baixo clero em Brasília”, disse Bolsonaro ao JN naquela mesma entrevista de 2018, logo após eximir sua família. “Se tivesse, na forma de fazer política, ocupado altos postos, com toda certeza eu estaria envolvido na Lava Jato hoje em dia.”

É por isso mesmo que se combate o mal na raiz, antes que seus agentes, em altos postos, destruam as próprias formas de combatê-lo.

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