O mais soviético resiste
Na manhã de segunda-feira, 7, a bielorussa Maria Kalesnikava, flautista e maestrina de 38 anos, foi empurrada por homens mascarados para o interior de uma van em cuja lataria estava estampada a palavra “Comunicação”. De Minsk, a capital da República de Belarus, ela foi levada com outros dois críticos da ditadura de Alexander Lukashenko, Anton Rodnenkov e Ivan Kravtsov, para a fronteira com a Ucrânia, ao sul. Os outros dois opositores tinham sido alertados de que, se não deixassem o país, eles ficariam presos indefinidamente. Mas Kalesnikava recusou o destino que queriam impor a ela. Rasgou o seu passaporte e jogou o que sobrou dele pela janela, impossibilitando sua entrada no país vizinho.
Kaleniskava agora está detida em Minsk, assim como outros rostos que se destacaram nos protestos que se seguiram à eleição de 9 de agosto. No pleito, Lukashenko, há 26 anos no poder, declarou-se vencedor com 80% dos votos. A suspeita de fraude foi o que levou mais de 200 mil bielorussos a se manifestar. Setores da sociedade que nunca haviam desafiado o ditador, como professores, médicos e funcionários de estatais, uniram-se às passeatas. Nos últimos dez dias, porém, todos os que lideraram o movimento foram presos, deportados, deixaram o país após receber ameaças ou se encontram desaparecidos.
Na quarta-feira, 9, o advogado Maksim Znak, de 37 anos, um dos últimos integrantes do “Conselho de Coordenação” da oposição em Belarus, foi sequestrado. Uma foto de Znak sendo conduzido por homens mascarados em roupas civis foi publicada no Telegram. Após avisar pelo telefone que havia homens em frente ao prédio em que ele estava, a ligação caiu. Znak só teve tempo de mandar a frase “são mascarados” por mensagem de texto. A polícia e os serviços secretos não confirmaram a prisão de Znak, mas o enredo corresponde ao ocorrido com outros adversários da ditadura, que foram detidos e depois apareceram como exilados ou presos. Da precária comissão formada pelos manifestantes para negociar uma transição com o governo, apenas a escritora Svetlana Aleksiévich, vencedora do prêmio Nobel de Literatura, permanecia livre até esta quinta-feira. Mesmo assim, durante a semana, um grupo tentou invadir seu apartamento.
Ao pedir ajuda a Vladimir Putin, a Belarus reata as relações com a Rússia, que andavam estremecidas. Ao longo de sua história, os laços entre os dois países foram estreitados e afrouxados em diversos momentos. Antiga Bielorússia, o país foi parte do Império Russo, tornou-se independente em 1918 e teve regiões anexadas pela Polônia até ser totalmente anexado pela União Soviética, em 1939.
Com o colapso da URSS, em 1991, a Belarus não trilhou o caminho de seus vizinhos, como a Lituânia e a Polônia, que abriram seus mercados e se democratizaram. Em vez disso, seguiu como “o mais soviético dos ex-estados soviéticos”, nas palavras de Maxim Samorukov, do Centro Carnegie de Moscou. Passou a viver de refinar o petróleo russo e revendê-lo para o Ocidente. A prática propiciou estabilidade econômica, postergando reformas de mercado e permitindo a manutenção da antiga oligarquia. Lukashenko, um ex-diretor de uma fazenda coletiva, eleito presidente em 1994, foi quem mais se beneficiou dessa articulação comercial entre o Leste e o Oeste.
A aproximação com a Rússia deve ampliar o abismo entre o ditador e a população. Nos anos 1990, os bielorussos apoiaram o arcaísmo de Lukashenko porque viram nele uma garantia contra a instabilidade econômica. Esse sentimento diluiu-se com os anos. No ano passado, pesquisas mostraram que a maioria da população prefere trabalhar no setor privado a ganhar salários estagnados em alguma estatal. Jovens que viajam com frequência para a Polônia e para a Lituânia não suportam mais o comportamento autoritário de Lukashenko, que chegou a visitar policiais antimotim com roupas militares e um rifle nas mãos.
Com a eclosão dos protestos, jovens lideranças opositoras alimentaram a esperança de que países ocidentais se envolveriam na causa – e, com isso, Lukashenko acabaria destituído. Mas a cobertura dos protestos no Ocidente não teve o alcance esperado. Para piorar, durante a semana, dezenas de jornalistas estrangeiros tiveram suas credenciais apreendidas. Preocupados com eleições, pandemia e crise econômica, países do Ocidente fizeram ouvidos moucos aos bielorussos. Em momento algum, Lukashenko perdeu o controle das Forças Armadas ou o apoio da elite. Com a oposição acéfala, as possibilidades para a democracia na Belarus ficaram ainda mais reduzidas.
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