Marcos Corrêa/PRBolsonaro em culto evangélico: ele dá agora para receber daqui a dois anos

A bênção para 2022

O presidente da República escancara o esforço para continuar contando com o apoio das igrejas evangélicas ao governo e a seu projeto eleitoral
18.09.20

De olho no apoio do rebanho evangélico, o presidente Jair Bolsonaro adotou a velha e surrada estratégia política do “é dando que se recebe”. A máxima franciscana foi colocada em prática distorcida no último domingo, 14. Depois de vetar parcialmente os dispositivos que perdoavam dívidas de até 1 bilhão de reais das igrejas, alegando ter sido “obrigado” a fazê-lo para evitar “um quase certo processo de impeachment”, o chefe do Planalto deu sinal verde para que próprio veto fosse derrubado por sua base de apoio. “Confesso que, caso fosse deputado ou senador, por ocasião da análise do veto que deve ocorrer até outubro, votaria pela derrubada do mesmo”, afirmou.

Em almoço com a bancada evangélica na última quarta-feira, com leitoa à pururuca e feijão tropeiro no cardápio, o aval do presidente à suspensão do próprio veto foi reiterado. Entre os líderes do segmento, não há mais dúvidas de que a imunidade tributária será uma realidade. A questão é saber como e quando – uma segunda alternativa é a aprovação, com a bênção do governo, de uma PEC no Congresso por meio da qual seria criada uma verba extra, provavelmente a partir da criação de um novo imposto para os brasileiros pagarem, que isentaria as igrejas de uma vez por todas de taxas e contribuições.

Independentemente do caminho a ser trilhado para alcançar o perdão tributário, o acordo costurado com o Planalto já assegurou um agrado aos evangélicos. Bolsonaro anistiou as multas dos pastores que sonegaram impostos e isentou-os para sempre de taxas previdenciárias que incidem sobre a chamada “prebenda”, remuneração direta ou indireta dos pastores, o que, por si só, já representa uma anistia milionária. Por exemplo, a Igreja Internacional da Graça de Deus, do bispo R.R. Soares, pai do deputado federal David Soares, um dos articuladores da emenda jabuti aprovada em julho na Câmara, terá ao menos 37,8 milhões de reais em dívidas perdoadas.

Os gestos na área fiscal, no entanto, são apenas parte de um plano ambicioso do presidente da República. Aos poucos, Bolsonaro embala a estratégia para fidelizar o segmento evangélico, que também é alvo do assédio da esquerda petista. O desejo acalentado pelo chefe do Planalto é ter as igrejas ainda mais ao seu lado na corrida pela reeleição. Para alcançar o objetivo, o presidente ensaia até indicar para o posto de vice, em 2022, uma notória liderança evangélica.

Em 2018, um dos líderes dessa bancada, o então senador Magno Malta, já teria sido o vice de Bolsonaro se não tivesse desistido para concorrer novamente ao Senado – ele imaginava que, reeleito, seria alçado a presidente da casa. Deu tudo errado. Agora, entre os cotados para compor uma possível chapa com Bolsonaro estão o deputado Marco Feliciano, do Republicanos de São Paulo, e a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves.

ReproduçãoReproduçãoEm almoço, os bispos Estevam Hernandes e Bispa Sônia entre os convidados
Conquistar essa fatia expressiva do eleitorado torna-se cada vez mais estratégico eleitoralmente. Uma pesquisa recente do Datafolha mostra que 31% dos brasileiros são evangélicos. E a curva é ascendente: segundo o mesmo levantamento, em 2032 a proporção de evangélicos irá ultrapassar o percentual de católicos no país. No governo há uma torcida tácita para que Damares assuma o posto de vice em 2022. A popularidade da ministra impressiona os mais fiéis bolsonaristas. Pesquisas em poder do Planalto mostram que ela teria quase 50% de ótimo e bom em recentes avaliações. No Datafolha que mediu a popularidade dos ministros de Bolsonaro, Damares foi a única entre os integrantes do primeiro escalão que recebeu uma aprovação maior entre os mais pobres do que entre os mais ricos.

De acordo com entusiastas da candidatura da ministra a vice de Bolsonaro, a grande qualidade dela está na comunicação direta com as pessoas. Sua mensagem é captada pelo eleitorado como simples e honesta, segundo pesquisas qualitativas do governo. Os anos de pregação nos púlpitos lhe conferiram tarimba e uma certa eloquência. Ao contrário do que ocorre com discursos dos políticos tradicionais, as palavras dela não precisam de tradução e as camadas mais carentes da população a enxergam como uma “igual”, daí a forte penetração nesse público. O fato de ser mulher também pesa a favor da ministra – o eleitorado brasileiro hoje é majoritariamente feminino. Já Feliciano teria o apoio de setores do Congresso. O próprio trabalha pela vaga há mais de um ano. Feliciano vende-se como o único capaz de unir todas as correntes evangélicas, como a Assembleia de Deus, a Universal, a Batista e a Quadrangular. “São 60 milhões de evangélicos. Bolsonaro precisa de um vice querido por eles. Vou somar”, afirmou recentemente o pastor.

Enquanto não sacramenta a dobradinha com os evangélicos para 2022 – os mais pragmáticos do Congresso ainda fazem lobby para emplacar nomes fora desse espectro, como Paulo Skaf, da Fiesp –, Bolsonaro cultiva a vertente religiosa com toda a sorte de afagos, para além da questão da anistia tributária. No mais recente deles, Bolsonaro escalou o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, para atuar contra a criação da figura jurídica do abuso de poder religioso e sua inclusão na lista de hipóteses que poderiam levar à cassação de mandatos, tese discutida no Tribunal Superior Eleitoral, o TSE. Funcionou. Coube ao ministro, membro da Igreja Presbiteriana Esperança de Brasília, argumentar aos integrantes da corte que as regras existentes eram suficientes para regular as ações de lideranças religiosa no período eleitoral, entendimento que prevaleceu no julgamento finalizado no mês passado. O resultado foi muito comemorado entre os representantes da bancada das igrejas no Congresso.

A lista de mimos vai além. No mês passado, Bolsonaro enviou uma carta ao presidente de Angola, João Manuel Lourenço, para pedir proteção a pastores da Igreja Universal do Reino de Deus em atuação no país africano. Ele atribuiu a ex-integrantes da congregação a responsabilidade por denúncias que culminaram com operações policiais contra membros da entidade e disse que religiosos brasileiros da IURD tinham sido agredidos. Assunto de competência do Ministério das Relações Exteriores, a intervenção passou a ser tratada pelo Planalto devido à pressão da bancada evangélica. Antes de ser despachada para Luanda, uma minuta da carta escrita por integrantes do Itamaraty foi encaminhada à Presidência, onde passou por alterações.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéDamares é cotada como possível vice evangélica na chapa de 2022
Comandada pelo bispo Edir Macedo, a Universal do Reino de Deus é ligada ao Republicanos, partido agora umbilicalmente associado ao Planalto. Em março, a sigla passou a abrigar em seus quadros o senador Flávio Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro e Rogéria Nantes, respectivamente filhos 01 e 02 e ex-mulher do presidente. A legenda ainda acomoda o próprio Feliciano, o líder da Frente Parlamentar Evangélica, Silas Câmara, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, a quem Bolsonaro acompanhou em algumas agendas nos últimos meses, e Celso Russomanno, candidato à prefeitura de São Paulo com o apoio do presidente. Integrante do chamado Centrão, aquele grupo de partidos fisiológicos versado na prática de trocar votos por verbas e cargos, o Republicanos tem dois senadores, 31 deputados federais, 49 deputados estaduais e distritais, 155 prefeitos e 2 636 vereadores, além de 597.637 filiados.

Presidente da legenda, o bispo licenciado da Universal Marcos Pereira foi apresentado a Bolsonaro ainda em 2017 pelo advogado Frederick Wassef, o mesmo que escondeu o ínclito Fabrício Queiroz em sua casa em Atibaia, que foi recebido pela PGR a pedido do presidente da República, que recebeu 9 milhões de reais da JBS, conforme revelou Crusoé, e que foi alcançado na última semana pela Operação E$quema S, suspeito de integrar um esquema que desviou cerca de 355 milhões do Sesc, do Senac e da Fecomércio- RJ. À época em que os dois se conheceram, Pereira ainda estava no PRB. Com a ajuda de Wassef, hoje o presidente do Republicanos se tornou bolsonarista de carteirinha. Advogado, Pereira é uma das pessoas que auxiliam o presidente juridicamente toda vez que ele quer oferecer alguma benesse às igrejas.

São essas concessões que figuram como pontos da articulação para atrair o público evangélico. Este ano, por exemplo, o governo ampliou de 1,2 milhão para 4,8 milhões de reais o piso de arrecadação a partir do qual torna-se obrigatória a entrega pelas igrejas da Escrituração Contábil Digital, um documento que reúne movimentações financeiras diárias. Além disso, a Receita Federal dispensou a inscrição de CNPJ a templos que “não tenham autonomia administrativa ou que não sejam gestores do orçamento”. Segundo o Ministério da Economia, as ações “simplificam” o sistema tributário. A publicação das medidas no Diário Oficial da União ocorreu um mês após uma reunião entre Bolsonaro, Paulo Guedes e integrantes da bancada evangélica.

Como a agenda de costumes aproxima o grupo do governo, Bolsonaro decidiu tentar emplacar no Congresso, ainda neste semestre, pautas como a flexibilização do porte de armas e a educação domiciliar. O homeschooling, no qual pais ou tutores assumem o processo de aprendizagem das crianças, é uma demanda antiga dos evangélicos. Eles entendem ser uma oportunidade de os valores ensinados pelos pais prevalecerem na educação. Embora avaliem que as propostas enfrentarão resistência na oposição e mesmo entre legendas de centro, articuladores políticos do Planalto acreditam que o momento é ideal para tratar dos temas – depois do toma lá dá cá com o Centrão, a base governista nunca esteve tão coesa como agora. A bênção para a aprovação da proposta, mais uma entre tantas em favor das igrejas, já foi dada pelo presidente da República. No que depender dos esforços do governo, que cada vez mais se guia pelo pragmatismo eleitoral, até o final do ano o projeto vira lei. A fé move montanhas e votos.

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