ReproduçãoGuerrilheiros do EPP em ação: brasileiros como alvos

Ameaça bem ao lado

A violência das Farc foi debelada, mas outra guerrilha segue ativa perto da fronteira com o Brasil: no Paraguai, um minúsculo grupo marxista-leninista sequestra um ex-vice-presidente e amedronta fazendeiros brasileiros
18.09.20

Grupos armados revolucionários de esquerda perderam a maior parte do poder e da influência que já desfrutaram na América Latina. Quase todos os 7 mil membros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as Farc, abandonaram a luta armada depois que os terroristas assinaram um acordo de paz, em 2016. Nesta semana, o Partido das Farc, criado após o acordo, publicou uma nota pedindo desculpas pelos sequestros, que eles consideraram um “erro gravíssimo”. No Peru, as forças de segurança atacam os remanescentes do Sendero Luminoso, os quais somam cerca de 450 homens. Os mais ativos atualmente são os dissidentes das Farc e o Exército de Libertação Nacional, o ELN, que vivem protegidos na Venezuela. Além disso, outro país onde um grupo com ideias ultrapassadas espalha o terror é o Paraguai.

No último dia 9 de setembro, o ex-vice-presidente do Paraguai Óscar Denis, de 74 anos, foi sequestrado pelo Exército do Povo Paraguaio, o EPP, com um de seus empregados, Adelio Mendoza. O crime ocorreu quando ele chegou de carro a uma de suas propriedades rurais, perto da fronteira com o Brasil, na altura de Mato Grosso do Sul. Foi um dos atos mais ousados do EPP, cuja ação mais chamativa até então tinha sido a morte de oito soldados paraguaios, há dois anos.

Criado em 2008, o grupo cultiva uma ideologia que mescla marxismo-leninismo com nacionalismo paraguaio. Além dos símbolos comunistas, suas bandeiras incluem a imagem do general Francisco Solano López, o ditador que invadiu o Brasil e a Argentina e iniciou a Guerra do Paraguai, em 1864. Seus principais alvos são as comunidades de protestantes menonitas e os produtores rurais brasileiros, os “brasiguaios”.

A região onde o grupo atua fica a apenas 30 quilômetros da fronteira com o Brasil. Apesar de os brasileiros terem começado a se instalar no Paraguai nos anos 1960, a área onde se concentra o EPP só presenciou essa migração mais tarde, a partir dos anos 2000. Hoje, diversas propriedades produzem e exportam soja, milho, girassol e carne, o que tem ajudado a desenvolver uma das regiões mais pobres do Paraguai. Para o EPP, esses produtores são inimigos que afrontam a soberania do país, exploram seus funcionários e destroem a natureza. Quando os brasiguaios se recusam a pagar o “imposto revolucionário” que os guerrilheiros cobram, suas terras são invadidas e as máquinas, queimadas. Eles também são vítimas constantes de sequestros. Em 2014, o brasiguaio Arlan Fick, então com 17 anos, ficou nove meses em cativeiro. Quatro anos depois, o madeireiro brasileiro Valmir de Campos, de 48 anos, foi capturado e assassinado.

Na comparação do EPP com outros grupos que já espalharam a violência no continente, os paraguaios são insignificantes. Juntando os vários bandos, eles não passam de 80 integrantes. É uma turma minúscula. Vários estão ligados à mesma família, os Villalba. Em um vídeo que o EPP exigiu que a família de Denis divulgasse, o grupo mostra seu principal chamariz para atrair novos recrutas: imagens de sanduíches, latas de atum, cachorro-quente, bolo e um churrasco com espetinhos. Os sequestros, como o de Óscar Denis, são a principal fonte de recursos. Há dúvidas se o grupo se enriquece com o tráfico de maconha, que é produzida na região e exportada para o Brasil. Em uma planilha do Primeiro Comando da Capital, o EPP aparece como “neutro”, o que indica uma coexistência pacífica — não necessariamente negócios.

O EPP também não conta com apoio de partidos, como acontecia com as Farc. Os terroristas colombianos treinaram soldados da guerrilha paraguaia. Em 2010, o ditador venezuelano Nicolás Maduro, quando ainda ministro de Relações Exteriores, visitou o país e se encontrou com membros do EPP, mas o acordo de paz na Colômbia e a crise no país bolivariano diminuíram o suporte externo. Dentro da sociedade paraguaia, o apoio é quase nulo. Como uma das condições para libertar Óscar Denis, o EPP exigiu que a família do sequestrado distribuísse cestas básicas com uma mensagem do grupo em comunidades carentes. Várias delas recusaram a oferta. No domingo, 13, paraguaios foram às ruas protestar contra os terroristas. “O apoio a eles não chega a 1% ou 2% do país. É possível que tenham alguma aprovação entre as comunidades onde distribuem alimentos. Mesmo assim, é algo marginal”, diz o paraguaio Francisco Capli, diretor de um instituto de pesquisas em Assunção.

A resiliência do EPP não é explicada pelos seus próprios méritos, mas pelas debilidades do estado paraguaio. As forças de segurança do país são facilmente corrompíveis. Por isso, são ineficientes mesmo quando em maior número. Em 2016, o governo criou a Força-Tarefa Conjunta, com a missão de acabar com o grupo. Nesta semana, 800 militares e policiais da FTC foram enviados para a cidade de Arroyito, para debelar o EPP. Mesmo com dez oficiais para cada membro do EPP, o resultado ainda não apareceu. Mais do que acabar com o EPP, a força-tarefa parece estar mais preocupada com sua própria manutenção. “O que a FTC faz é usar o EPP para garantir a sua verba anual, de 14 milhões de dólares ao ano. É um dinheiro garantido, que não exige qualquer prestação de contas. Por causa disso, eles não têm a intenção de desarticular o EPP”, diz Juan Martens, especialista em criminologia e segurança na Universidade Nacional de Pilar.

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