FelipeMoura Brasil

Dom Bolsonaro del Centrão

25.09.20

“Se há bastantes pessoas que acreditam em alguma parvoíce, ela se tornará uma realidade socialmente dominante, e quem quer que a critique coloca-se na posição do bufão que deve, então, ser punido.”

Foi o que escreveu o filósofo Eric Voegelin, em seu livro Hitler e os Alemães, ao analisar a reação de D. Quixote às “blasfêmias” do cônego que tentava persuadir o cavaleiro andante de desistir de sua segunda realidade – a das fantasias patológicas, criadas a partir dos livros de cavalaria – para ser um homem racional de novo.

Como D. Quixote não admite que os livros “impressos com licença dos reis” possam “ser mentirosos”, alegando ainda que eles descrevem “dia a dia minuciosamente as façanhas” praticadas pelos cavaleiros, Voegelin aponta que a descrição minuciosa vira “a prova da verdade, especialmente se é acompanhada por uma ação autorizadora”.

Ele então lista critérios que caracterizam a segunda realidade: “Primeiro, se a parvoíce se torna geral, tornar-se-á então socialmente dominante, e é particularmente vista como socialmente dominante e correta se for adornada pela autoridade. Assim temos a condição de um regime totalitário – onde determinadas ideologias são prescritas e propagadas àqueles submetidos ao estado e devem, portanto, ser corretas.”

Em outras palavras do autor:

“Se a segunda realidade se torna dominante numa sociedade, (…) quem quer que não esteja alienado da primeira realidade pode apenas cometer alta traição.”

O Brasil atual não é a Alemanha nazista, como supõe a histeria de esquerda, mas o bolsonarismo pune virtualmente como traidor (ou esquerdista) quem aponte: funcionários fantasmas em gabinetes da família Bolsonaro e uso de dinheiro vivo em transações imobiliárias, a fuga de Jair do depoimento presencial sobre a interferência na PF e de Flávio da acareação com Paulo Marinho, as nomeações de detratores da Lava Jato para PGR e lideranças do governo na Câmara e no Senado, o aplauso de Lula ao desmonte da força-tarefa e a dobradinha com o petista nos ataques a Sergio Moro, o abandono das pautas anticorrupção e liberal, a servidão voluntária de Paulo Guedes ao projeto de reeleição, as tentativas de turbinar programas de transferência de renda com impostos (sem cortar privilégios de policiais, militares, magistrados e políticos), as queimadas na Amazônia e no Pantanal (onde até o avião presidencial teve de arremeter em razão da fumaça), a debandada de investidores do país, a compra de apoio em rádio e TV com verbas de publicidade, o negacionismo da pandemia e a mentira do presidente na ONU sobre alertar desde o começo para o vírus, que ele tratara como “muito mais fantasia”.

A julgar pela aprovação sobre a maneira de governar de Jair Bolsonaro, que passou de 41% para 50% no Ibope, a parvoíce bolsonarista vai se tornando socialmente dominante na sociedade brasileira, adornada pela autoridade do Centrão de farda e da comunicação, que garante suas boquinhas e microfones acusando conspirações midiáticas e internacionais para derrubar o governo e restabelecer a corrupção petista.

Por mais que haja bastantes pessoas dispostas a viver nessa segunda realidade, alienadas da primeira, eu prefiro ser, claro, o Felipe “Iscariotes” que “traiu” o bolsolulismo a um capacho lambe-botas de D. Bolsonaro del Centrão.

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